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Maurício Castro

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Enquanto há força

Mais sobre a burguesia autóctone galega

Maurício Castro - Publicado: Quinta, 22 Agosto 2013 00:13

Comprovo com satisfaçom que um recente texto publicado por mim com motivo do impacto mediático do falecimento de umha representante da alta burguesia galega provocou a publicaçom de uns “apontamentos” de resposta por parte do blogger Xabier P. Igrejas.


 

Parto, antes de também eu comentar os seus apontamentos, de reconhecer que a realidade é sempre complexa e o texto por mim publicado previamente, pola sua reduzida extensom, poder ter incorrido em certos esquematismos ou falta de desenvolvimento de algumhas teses.

Considero que a discussom de fundo é se a classe dirigente atuante na Galiza, cuja existência Xabier Igrejas reconhece, é galega ou pura e simplesmente “implantada” a partir dos poderes económicos da “metrópole” para a extraçom de recursos, consoante o modelo colonial mais ou menos clássico.

Sem intençom de analisar o assunto com perspetiva histórica remontando à queda da Galiza no ámbito de influência e domínio castelhano, sim devemos lembrar que já desde, no mínimo, o século XV, se produziu umha cooptaçom da classe dirigente galega –maioritariamente adscrita à nobreza na altura– por parte da castelhana, coincidindo com a tendência à unificaçom de reinos sob o trono de Fernando de Aragom e Isabel de Castela, a Porca. Insistimos no termo “cooptaçom”, porque foi esse, e nom a substituiçom, o mecanismo principal de dominaçom imposto às classes dirigentes do nosso país, com poucas exceçons.

Da mesma forma, também no século XIX, junto à chegada de famílias burguesas principalmente catalás ao nascente setor industrial conserveiro, desenvolveu-se umha burguesia galega ou, como o próprio Xabier indica entre aspas, “autóctone”, comprometida com o projeto nacional espanhol que nessa altura começava a se configurar nos termos que hoje definem esse “espaço simbólico-material de acumulaçom e expansom de capital” que comummente se denomina Espanha.

A burguesia galega ou, como Xabier prefere escrever, “autóctone”, desenvolve-se a partir daí tanto no ámbito industrial como no financeiro. Na verdade, a financeira partia já do século XVIII, com a fundaçom do que é tido por “segundo banco mais antigo de Espanha”, o galego Banco Pastor. Que na atualidade o setor financeiro galego esteja a perder titularidade galega e a ficar em maos estrangeiras só confirma que, também nisso, a Galiza fai parte do capitalismo global e das suas tendências atuais, em plena crise sistémica. As tendências verificadas no nosso país som semelhantes às verificadas inclusive em naçons formalmente independentes e soberanas do sul da Europa, como a Grécia, Portugal… e o próprio Reino de Espanha, se bem agravadas polo facto de nom contarmos com capacidade de decisom política, já que carecemos de um Estado próprio e mesmo de qualquer grau de soberania.

Dito o anterior, fique claro que nom está em causa a evidente vocaçom pró-espanhola da burguesia galega ou, como Xabier prefere chamá-la, “autóctone”. Só é preciso afirmar que a Galiza conta com umha formaçom social própria que inclui as diferentes classes que configuram qualquer naçom da Europa ocidental em 2013. Umha formaçom social cuja configuraçom nom coincide com a das colónias que, a partir da mesma altura em que o nosso país caiu sob domínio castelhano, fôrom submetidas aos modelos de domínio-ocupaçom e/ou povoamento, e que, na sua maioria, ao longo dos séculos XIX e XX, fôrom progressivamente conquistando as suas independências com diversos graus de soberania.

É verdade que existem, no plano económico, traços que aproximam o modelo de dependência galega do colonial –incluída a funçom como fornecedora de matérias-primas ou, mais recentemente, a instalaçom de indústrias de enclave por parte da metrópole. Porém, a incorporaçom da Galiza ao projeto nacional espanhol tem-se produzido por via da incorporaçom da classe dirigente “autóctone” ao bloco de classes dominantes espanholas, num processo de simbiose entre as respetivas burguesias que nom se dá no colonialismo clássico.

Nas colónias, o modelo de espoliaçom estrangeiro condena a um empobrecimento intenso e generalizado o conjunto da formaçom social colonizada, o que costuma levar ao surgimento de burguesias “crioulas” dispostas a romper com a metrópole e situar-se à frente de processos de libertaçom nacional que redefinam as condiçons de relaçom entre ambos territórios. Amiúde, esses processos conduzem a novos estados semi-dependentes ou pró-imperialistas em que as grandes maiorias continuam a sofrer as condiçons de desigualdade impostas no novo contexto, como vemos ainda hoje na América Latina.

No caso da Galiza, o alto grau de identificaçom e integraçom da classe burguesa galega no projeto nacional-capitalista espanhol provocou a partir do século XIX umha grave carência no desenvolvimento de um modelo capitalista endógeno similar aos sim existentes noutras naçons dependentes do mesmo Estado, como a Catalunha (o Principat) e o País Basco (Hego Euskal Herria).

Coincido com Xabier (e com Mao): É evidente que essa classe burguesa galega nom merece o apelativo de “nacional” no sentido de dirigente de umha naçom soberana ou com aspiraçons soberanistas. Porém, isso nom significa que nom seja galega, entendendo por tal originária, radicada e fazendo parte da formaçom social galega, e nom “implantada” nem integrada por colonos enviados da metrópole.

De resto, a sentença de Mao que Xabier cita tem aplicaçom nom só à burguesia galega, mas também ao povo trabalhador e ao proletariado galego: Podem existir um povo trabalhador e um proletariado nacionais que nom aspirem a se dotar de um instrumento político próprio? Daí a incongruência de um projeto dito nacionalista limitar os seus objetivos nacionais a fórmulas “co-soberanistas” ou pactos de integraçom no Estado estrangeiro que pretende a assimilaçom da naçom oprimida.

Quanto à contradiçom do interclassismo como soluçom para umha realidade nacional analisada como carente de burguesia própria, ela é atribuível a quem fijo ambas cousas: negar a existência de umha burguesa galega e, em simultáneo e com pouco êxito, tentar chegar a acordos que permitissem reproduzir os esquemas basco e catalám, em que as façons nacionalistas das respetivas burguesias apoiam processos potencialmente soberanistas.

Como dixem no início, a realidade costuma ser complexa e dinámica. Nem formulismos simplistas nem estáticos dogmatismos ajudam a compreendê-la, sendo essa compreensom premissa fundamental para a transformaçom da mesma.

A Galiza de hoje é umha naçom em (de)construçom, que afronta um “desafio total”: afirmar-se como naçom soberana mediante a construçom de um Estado próprio, ou ser definitivamente assimilada por um poder estrangeiro que lhe nega qualquer saída alternativa a essa assimilaçom.

Das classes sociais que configuram a formaçom social galega, só as maioritárias que integram o que denominamos povo trabalhador, com o proletariado à cabeça, estám hoje em condiçons de liderar e garantir um processo sério que nos conduza à independência.

A minoritária burguesia galega –ou “autóctone” como Xabier prefere chamá-la– tem demonstrado suficientemente que nom está em disposiçom de conduzir um processo soberanista e, mesmo que estivesse, ficaria pendente umha outra conquista fundamental nom só para o futuro da Galiza, mas do conjunto da humanidade: o socialismo.

Ferrol, Galiza, 21 de agosto de 2013

 


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