O fundamental, por ser fruto de certa polémica histórica em ambientes da nossa esquerda nacional, é o relativo à existência –ou nom– de umha classe burguesa galega.
Certa escola teórica nacionalista formulou e defendeu, décadas atrás, a inexistência de umha classe dirigente autóctone, numha emulaçom do modelo colonial clássico em que o conjunto do nosso povo estaria igualmente submetido a umha dependência de tipo colonial, tirando daí a conclusom de umha fórmula interclassista como melhor soluçom para conseguir a emancipaçom através de um autolimitado "pacto federal".
Parece difícil convencer hoje qualquer trabalhador ou trabalhadora de Inditex, Gadisa, Cortizo ou Finsa, de que nom existe burguesia galega, quando padecem de maneira direta o roubo da sua força de trabalho polas empresas galegas proprietárias desses grupos, nalguns casos já verdadeiras multinacionais, cujos centros de operaçons e diretivos som inequivocamente galegos.
A encenaçom que se seguiu nestes dias à morte da cofundadora do Grupo Inditex, com sede central em Arteijo, pode servir de exemplo da efetiva existência de umha classe dirigente galega, comparável, isso sim, às restantes forças fácticas sustentadoras do status quo capitalista e pró-espanhol na Galiza. O coro oficial de carpideiras reunido em torno do funeral de Rosalia Mera reuniu em Oleiros a nata da institucionalidade burguesa galega, desde o direitista presidente da Junta Alberto Núñez Feijó até o "esquerdista" presidente da cámara de Oleiros, Ángel Garcia Seoane, passando por dirigentes sindicais, empresários e outros representantes do que os meios do sistema denominárom "sociedade civil" galega.
Todos eles coincidírom, claro, em destacar as boas obras da benfeitora burguesa, que alternava a sua condiçom de "mulher mais rica de Espanha" com a presidência da Fundaçom Paideia de ajuda às pessoas discapacitadas.
O lutuoso espetáculo contou com a narrativa mediática oficial (TVG, La Voz de Galicia, El Correo Gallego, Faro de Vigo...), que alimentou a unanimidade e contribuiu assim para manter, em torno de certos temas "de interesse geral", umha estabilidade baseada no que o marxismo define como falsa consciência necessária.
É um facto a total falta de compromisso da burguesia galega –a alta, a média e setores da pequena– com o seu país, que é o nosso. Em lugar disso, ela tem historicamente demonstrado, com poucas exceçons, sentir-se cómoda na gestom do pedaço de bolo territorial e autonómico que Espanha lhe cede, sem nem sequer assumir minimamente a defesa da língua e da identidade galegas. A sua fraca e serôdia irrupçom histórica como classe na Galiza do século XIX, inspirada de fora e instalada desde o início na dependência de poderosas burguesias foráneas, impediu que jogasse o papel que outras burguesias sim jogárom, com diferentes níveis de compromisso e diversa fortuna, noutras naçons sem Estado do continente europeu na mesma altura.
Há ainda entre nós quem, em linha com a escola orgánico-historicista espanhola, interprete o facto nacional de maneira estática e inamovível. Som cada vez menos, mas ainda continuam a esperar o dia em que a "naçom em si" se converta em "naçom para si" e desse modo podamos ressarcir-nos de tantos séculos de submetimento nacional.
Porém, outros pensamos que as naçons som antes de mais vontade de ser social e explicitamente afirmada, dialogando as evidências materiais com essa imprescindível vontade da sua classe dirigente, que consegue construir umha nova unanimidade em torno da emancipaçom nacional. Nessa perspetiva, o tempo que ainda resta para que a Galiza assuma a sua afirmaçom nacional é limitado, num percurso temporal em que a assimilaçom definitiva por parte do expansionista projeto nacional espanhol é umha ameaça permanente e cada vez mais palpável.
De nada serve apelarmos a modelos idealistas de dominaçom que há tempo deixárom de funcionar na Galiza, incorporada hoje, ainda que de maneira precária e dependente, ao mercado global capitalista, através de umha burguesia dependente, intermediária, renegada e vendida. Deverá ser a sua maioria social, o seu povo trabalhador, que assuma o protagonismo a que Amancio Ortega, Jacinto Rei e Rosalia Mera há muito tempo renunciárom. Só assim teremos ainda umha possibilidade de quebrar a lógica da dependência, abrindo o futuro da construçom nacional pola via da instauraçom da República da Galiza, independente e socialista.