O Diário Liberdade reuniu-se em Barcelona com Lluís Sales, membro do Secretariado Nacional da Candidatura d'Unitat Popular (CUP) e Coordenador da Comissom de Acompanhamento Institucional desta organizaçom. O processo de liberaçom de parte dos Países Cataláns tem avançado desde a entrevista que este mesmo portal tinha feito ao próprio Lluís em finais de 2010.
A CUP é umha organizaçom de massas implantada nos Países Catalans que junta no seu seio as principais correntes da Esquerda Independentista dessa naçom, assim como diferentes movimentos sociais sob um objetivo compartilhado: a independência e o socialismo. Embora a CUP tem já umha dilatada trajetória de 10 anos de atividade, é nos últimos meses que estám a ser conhecidos internacionalmente, em razom à sua entrada no Parlamento da Catalunha e ao processo de independência aberto neste território catalám, atualmente sob domínio espanhol.
Diário Liberdade - Qual é a avaliaçom que fai a CUP do momento histórico nos Países Cataláns e a Catalunha concretamente?
Lluís Sales - Este país, similarmente ao que acontece noutros países do Sul da Europa, vive umha tripla crise.
Em primeiro lugar há umha crise nacional.
O 'Estado das Autonomias' chegou a um ponto de 'nom retorno'. As burguesias periféricas do Estado espanhol fôrom procurar dinheiro nas caixas centrais de Madrid, mas nom o encontram porque estám vazias. Portanto tentam iniciar um novo percurso político que, segundo dizem, culminaria num estado próprio, o qual lhes permitiria controlar todos os recursos próprios da Catalunha. Nom é, claro, toda a burguesia: existe umha alta burguesia ligada aos poderes financeiros que é contra qualquer tipo de ruptura, mas juntou-se uma massa crítica de pequena e média burguesia que sim está a propô-la.
Isso está acompanhado nas ruas por um bulir independentista como nunca tinha acontecido em termos históricos na Catalunha. Já vem dos últimos seis anos, polo menos desde 2006, com umha série de reivindicaçons e manifestaçons massivas que se acumulam e confluem num momento de crise institucional do Estado espanhol e do modelo autonómico.
Com outros ritmos, isso também se percebe noutros territórios dos Países Cataláns. Nas Ilhas Baleares e no País Valenciano, e mesmo no na Catalunha do Norte [sob dominaçom francesa], há um processo que há que reconhecer que se expressa mais devagar que no Principado da Catalunha.
Por outro lado, vivemos umha crise social, análoga à que se vive noutros países do Sul da Europa. Coincidem factores tais como um desemprego desbocado que se vai tornando estrutural, umha crise produtiva e umha depredaçom através da dívida contraída com as grandes finanças alemás que condiciona as nossas políticas sociais.
Além do mais, existe umha crise de tipo 'democrático'. A gente sente cansaço da democracia parlamentar, de somente votar a cada quatro anos e logo nom sentir-se representada. As pessoas procuram novas maneiras de gerir os assuntos coletivos.
DL – Até que ponto a constituiçom de um Estado no Principado da Catalunha –pois é pouco realista falar no curto prazo de abranger integralmente os Países Cataláns- contribuiria para a resoluçom desta tripla crise conforme os interesses das classes trabalhadoras?
LS – Isso depende unicamente da capacidade dos sectores populares e as esquerdas deste país para influir na criaçom desse novo estado. Será um processo constituinte com umha proposta constitucional e um planeamento das estruturas socioeconómicas do novo estado. Em funçom da nossa capacidade de influência o cenário que surja será melhor ou 'mais do mesmo' para as classes populares. É portanto muito importante que estas se impliquem plenamente nesse processo.
É importante, sim, que o processo seja conduzido neste momento por umha maioria larga do Parlamento da Catalunha, mas sobretodo é essencial que a activaçom popular nom esmoreça e continue na rua a empurrar o processo de autodeterminaçom e o processo constituinte.
DL – Artur Mas, o presidente do Governo da Catalunha [do neoliberal Convergència i Unió (CiU)] vai a reboque do que está a acontecer?
LS – Nós fazemos essa avaliaçom. A rua esta mobilizada fai seis anos neste sentido, e os partidos institucionais acabárom por ver que tenhem poucas saídas. Primeiro foi Esquerra Republicana de Catalunya (ERC). Logo fijo-se patente que as propostas federais ou confederais eram inviáveis. Finalmente a CiU, representamente quase-orgánico da pequena e média burguesia catalá, compreendeu que tinha que dar um passo à frente. Contodo, quando eles falam em 'um novo estado' ainda hoje agem com ambiguidade.
Nós exigimos que a pergunta que se faga no referendum de independência seja explicita: ou manutençom do status-quo atual ou criaçom de um novo estado independente. Ibarretxe no País Basco ou Alex Salmond na Escócia tentárom propor figuras intermédias com as quais a burguesia continua como governadora 'do castelo'. Há que evitar isso como seja.
Temos a oportunidade de ultrapassar para sempre o quadro espanhol. Nom fiquemos no meio do caminho, porque isso nos hipotecaria ao longo de muitas geraçons.
DL – Essa ambiguidade parece indiciar que nom é clara a vontade independentista no 'comando' institucional do processo [conformado pola governante CiU e a ERC, principal partido da oposiçom].
Pode passar-se que decidam parar o processo? E se isso acontecer, que haverá que esperar dos movimentos sociais comprometidos com a liberaçom catalá?
LS – É umha evidência que isso pode acontecer.
Nos últimos dias CiU e ERC apresentárom umha declaraçom de soberania a votar no Parlamento no dia 23 de janeiro, que nom propom de nengumha maneira ultrapassar o quadro legislativo espanhol. Sugerem, portanto, que o processo independentista pode inserir-se nas leis espanholas. Isso é mentira.
Se queremos independizar-nos obrigatoriamente teremos que praticar a desobediência e passar por cima das leis espanholas, das europeas e mesmo de determinada legislaçom internacional que nom nos ampara.
Chegará um momento em que a ERC, e especificamente a CiU, terám que saltar no vazio ultrapassando as leis impostas. E veremos se o fazem. Mas isso, novamente, só dependerá da capacidade popular de empurrar o processo. Se a CiU olha para trás e vê que ninguém empurra, nom terá necessidade de saltar e nom o fará. Provavelmente, nesse momento teríamos abortado o processo. Ao menos por enquanto.
Que devemos fazer desde a CUP e desde a Esquerda Independentista? Isso admite respostas diversas, mas em qualquer caso continuar a mobilizaçom no sentido em que se está a fazer nos últimos anos.
Deve ter-se em conta que os processos mobilizadores tenhem vales e picos. Estamos num que vem de fai seis anos e que é duro, potente e persistente. Chegará um momento em que, pola própria dinámica social, isso irá para abaixo. Por isso, nós insistimos em que se deve aproveitar este momento para dar um passo em frente. Isso poderá chegar a nom fazer-se porque a CiU decida nom avançar ou pola pressom do Estado espanhol, que o evite.
DL – A respeito dessa declaraçom de soberania redigida por CiU e ERC, precisamente vós proporedes umha outra alternativa.
LS – Os temas institucionais som tratados por umha Comissom de Acompanhamento Institucional –que eu próprio coordeno- que foi quem elaborou essa proposta que apresentaremos com tem três grandes diferências com a proposta de CiU e ERC.
A primeira, é a irrenunciabilidade ao marco nacional completo e o reconhecimento dos Países Cataláns como sujeito político de direito. Devem prever-se ritmos de incorporaçom dos diferentes Países Cataláns ao novo estado, sempre numha base confederal e de respeito às vontades populares.
Nom dizemos nada novo, pois o Estatuto de Autonomia catalám de 1932 já considerava a incorporaçom dos territórios de cultura e língua catalá, chegando o Conselho de Menorca [Ilhas Baleares] a reclamar a sua adesom ao dito estatuto. Há que ter os Países Cataláns na cabeça e citá-los na declaraçom.
Surpreende-nos profundamente que a ERC esqueça o marco nacional inteiro com esta facilidade e que abandone as catalás e catalans das Ilhas, de Valência, da Catalunha Norte...
Em segundo lugar, nós propomos um processo de autodeterminaçom pleno. Nom falamos apenas que parte do Estado espanhol se torne independente com as mesmas estruturas socioeconómicas, os mesmos defeitos, as mesmas taxas de desemprego estrutural, a mesma dependência do poder financeiro alemám... No estado atual das cousas isto só vai para pior, e nos queremos umha autodeterminaçom completa que permita construir um futuro melhor.
Além disso, que relaçons teremos com a Europa dos povos? Que relaçons estabeleceremos no Mediterráneo? Somos um país Mediterráneo, e podemos inserir-nos nesse quadro que aos governantes espanhóis nom lhes interessa para nada.
O terceiro ponto fai referência ao protagonismo do povo neste processo. Há que dizé-lo. Ele foi o primeiro protagonista, é e há continuar sendo.
Um novo estado? Claro! Mas, que tipo de estado? Há que debatir isso.
DL – E se os partidos no poder avançarem para a independência, nom é um pouco ingênuo pensar que o Estado espanhol nom usará a força para assegurar a continuidade da Catalunha sob o seu domínio?
LS – Claro. Podemos falar da chantagem económica e financeira do Estado espanhol, das filtragens sobre casos de corrupçom da família Mas, Pujol... com a clara finalidade de desgastar o governo da CiU, etc. ...
Se o processo for avante, os precedentes que existem perante os levantamentos democráticos na Catalunha som de umha total ausência de talante democrático do Estado espanhol. Nom só tem chantageado e coagido, mas também tem aplicado a força indiscriminada.
Há que prever isso, e nom fazé-lo é umha das cousas que recriminamos, sobretodo, à ERC, que dizendo-se independentistas e de um nacionalismo histórico parecem nom ter em conta esses factores.
Há que ter isso presente...
DL – O crescimento da mobilizaçom social pola independência começa em 2006, antes do estourido da crise capitalista. Que tem mudado até chegar onde estamos e qual o papel da CUP e da Esquerda Independentista?
LS – No ano 2005 do espaço social nacionalista era autonomista. Desde esse ano, este espaço transfere-se para a área independentista até o momento atual, em que a transferência é quase absoluta.
A CUP tem apanhado parte desse independentismo e tem-no achegado às ideias de progresso social e da esquerda revolucionária. Também tem achegado ao eixo nacional umha determinada esquerda que nom se propunha o direito à autodeterminaçom como umha prioridade.
Portanto, a CUP tem juntado sectores sociais num projeto compartilhado de independência e socialismo.
Só assim se entendem os nossos últimos resultados eleitorais, pois a nossa oferta eleitoral sabe juntar as preocupaçons sociais e as nacionais, conseguindo um voto equilibrado em todo o país.
DL – A parte mais mediática do vosso trabalho talvez seja, neste momento, a institucional. Mas a CUP e as entidades que a integram fazem o grosso da sua atividade fora desse ámbito.
Numha nova situaçom em que nom é já necessário socializar a necessidade do direito a decidir e onde a independência se debate abertamente, como se tem reorientado esse trabalho?
LS – A CUP nom se limita ao espaço institucional, senom que é umha organizaçom política de massas com base nacional que trabalha também nas ruas e que, necessariamente, está em diálogo permanente. Se nom seria umha força institucional mais.
Por outro lado, as organizaçons políticas que trabalham na CUP, tais como o Moviment de Defensa de la Terra (MDT), Endavant, Arran... eu considero que tenhem diferentes reptos, entre os quais está encaixar o novo tempo político e ir além da socializaçom que se fazia até agora.
Agora que a necessidade de decidir é quase plenamente assumida, estas organizaçons tenhem o dever de propor alternativas para construir o novo tempo que se abre respondendo os interesses das classes populares.
DL – Na nossa anterior entrevista a CUP ainda nom decidira concorrer às eleiçons autonómicas catalás. Como foi o processo interno que conduziu à vossa participaçom e aos resultados obtidos? Houvo tensons?
LS – Obviamente existem diferentes critérios e sensibilidades em determinados temas, e esses pontos de vista fôrom debatidos. Porém, o mais relevante é o que se conseguiu.
É muito difícil, em tam pouco tempo, decidir concorrer a umhas eleiçons, que se convoquem antecipadamente sem margem de manobra e poucos dias depois apresentar a candidatura, organizar a campanha e, ademais, obter os resultados que se obtivérom. Ainda que nos faltava preparaçom, considerámos que a imprevista convocatória eleitoral chegava num momento que exigia a nossa participaçom, que era umha oportunidade histórica a nom desaproveitar.
Todo o processo foi extraordinariamente rápido nom por sermos melhor que ninguém, senom por termos umha base organizativa suficientemente sólida como para avançar com um processo dessas características.
Isto nom teria acontecido se previamente a CUP nom tivesse a fortaleza necessária. É umha questom de causas e consequências, pois há um trabalho histórico e sobretodo nos últimos anos, em que se tem gerado umha acumulaçom que dá pé à explosom eleitoral de fai dous meses.
DL – Como é a vida institucional?
LS – Os deputados, vereadores... das CUP som porta-vozes. Nom tomam decisons políticas estratégicas, pois consideramos muito importante parcelar o aparelho institucional e o aparelho político. As pressons no parlamento som brutais e se deixarmos a reflexom política para os deputados, esta acabaria por ser de autoconsumo para o Parlamento e se guiaria polas suas lógicas e pressons.
Por outro lado, há umha percepçom generalizada de que no Parlamento da Catalunha se fai a grande política, e a verdade é que a vida parlamentar é muito tediosa e se fam muito poucas cousas. Reduz-se todo a umha guerra de declaraçons engenhosas. É mais substancial o que acontece num pleno municipal de qualquer vila.
É verdade que isso também acontece devido umha espoliaçom espanhola que esvazia de conteúdo o governo autonómico, mas também existe muito pouca capacidade de imaginaçom e de criaçom política nos partidos do regime. Umha das funçons da CUP também é a de dar um olhar descarregado do cansaço da estrutura de partidos, aparecida após a morte do ditador Francisco Franco. Esta estrutura além de nom ser já umha ferramenta útil para gerir a realidade está a obstruir as mudanças.
Fotos: 1, 3 e 4 do Diário Liberdade; 2. Bloc del Josep Guia - Mapa dos Países Cataláns