Encontramo-nos com o Lluís de manhá cedo, no centro de Barcelona. Antes da entrevista, interessa-se pola atualidade na Galiza, pola situaçom da Esquerda Independentista no nosso país e polos processos repressivos contra militantes.
O Lluís comenta-nos alguns pontos sobre o que as CUP som e como funcionam antes de que lhe formulemos as nossas perguntas
"As CUP som umha organizaçom de base assemblear, com todas as decisons tomadas e ratificadas em assembleia; e umha organizaçom de base local, ou seja: as assembleias, que som por volta das 70, organizam-se localmente -algumhas comarcalmente, mas poucas- e som elas que realizam a principal atividade política das CUP. Algumhas apresentárom-se em forma de candidatura nas últimas eleiçons municipais, e 23 tenhem agora representaçom nas Cámaras Municipais.
A partir de aí, há umha estrutura que liga e coesiona todas estas experiências locais em forma de CUP. Esta estrutura concreta-se num Secretariado Nacional, composto por onze pessoas [Lluís é membro deste secretariado] escolhidas de entre as assembleias locais, e que executa ordens entre os Conselhos Políticos. Assim, o Conselho Político é o órgao superior de decisom política de todas estas assembleias locais reunidas cada dous meses e que debatem questons de ámbito territorial municipal. Contodo, desde há algum tempo começámos também a posicionar-nos e emitir consideraçons políticas de ámbito nacional.
Somos umha organizaçom 'com duas almas', umha de ámbito estritamente local e umha outra, que agora começa a caminhar, de ámbito nacional. A política nacional está delegada no Conselho Político e no Secretariado Nacional."
Nesta conversa prévia, falamos-lhe sobre a desaparecida AMEI (Assembleia Municipal da Esquerda Independentista na Catalunha) e ele dá umha resposta que completa a imagem. Lluís comenta-nos que a AMEI desaparece em 2002 porque há um momento em que "a estratégia vai muito além da Esquerda Independentista. Nós entendemos que o espaço da Unidade Popular abriga campos que vam muito além da Esquerda Indepententista, como setores vizinhais, ecologistas, do cooperativismo alternativo, etc. ... que até agora faziam política de forma desagregada. O que a CUP tenciona é ser a casa comum da Unidade Popular, desses agentes dos Países Cataláns que se acolhem a dous parámetros básicos: o direito à autodeterminaçom inalienável da nossa naçom e o direito à justiça social e a defesa dos interesses das classes populares. Aqui, colhem muitas pessoas, e a conjuntura de crise sistémica e política atual fará com que cada vez venham mais, com propostas alternativas ao estado atual das cousas."
Lluís ainda acrescenta o importante que acha que, a diferença que noutras formaçons políticas, "a nossa estrutura nom está desvinculada da acçom local."
"Isto fai-nos ter os pés na terra e conhecer este país. Além de que contamos com algo que de momento é umha virtude, que é o fato de todo o trabalho ser voluntário. Temos alguns funcionários da Unidade Popular com funçons técnicas, mas em nengum caso pessoas do Secretariado."
Diário Liberdade: Que trabalho é que se pode fazer pola autodeterminaçom e a justiça social no ámbito municipal, quais as limitaçons e quais as possibilidades?
Lluís Sales: É umha pergunta interessante. O nosso objetivo estratégico é a independência, o socialismo, ou o direito de autodeterminaçom, a justiça social... Em qualquer caso, dentro desses parámetros, estamos a trabalhar institucionalmente apenas com concelheiros, todos eles na oposiçom por enquanto, nom estamos a formar governo com ninguém. Isso, evidentemente, tem as suas limitaçons, porque os temas tratados nos municípios limitam-se normalmente, claro, ao ámbito municipal.
Porém, nos plenos caraterizamo-nos também por levar temas que ultrapassam o ámbito municipal. Por exemplo: Neste último ano há já um centenar de municípios nos Países Cataláns que se declarárom moralmente excluídos da Constituiçom Espanhola. Isso nom tem valor jurídico, mas tem um valor simbólico muito importante para começar a construír um marco institucional à margem da legalidade espanhola. Nós, promovémos várias dessas moçons.
Por outro lado, dedicamo-nos a tentar melhorar as condiçons das classes populares nos municípios. Temos umha intensa e eficaz política local, que pode ser verificada facilmente no nosso portal, tenhamos ou nom vereadores/as -e essa é umha caraterística muito importante: tenhamos ou nom representaçom, fazemos oposiçom- e aí colocamos toda classe de contradiçons ao sistema desde o nível mais baixo que é o local. Denunciamos as privatizaçons de serviços municipais e propomos a municipalizaçom de aqueles que nom o som, denunciamos o pioramento da qualidade de vida das classes populares nos concelhos, realizamos campanhas em defesa do território e os espaços verdes municipais... e todo o rango de municipalismo alternativo e revolucionário que se pode imaginar.
DL – Hoje as CUP tenhem o apoio e compromisso da prática totalidade das formaçons da Esquerda Independentista. Como foi o caminho até conseguir isso e como se mantenhem esse apoio e compromisso unitários por cima das diferenças?
LS - Esse é um processo em constante evoluçom, nom é estanque nem estático, senom que está em contínuo movimento. Todas as organizaçons tradicionais e estratégicas, partidos e juventude, da Esquerda Independentista dam apoio à CUP e a legitimam como o seu ator institucional, e às vezes também como referente de massas.
Assim, em geral há diferentes apreciaçons dos elementos da Esquerda Independentista sobre o nível em que a CUP é referência e a legitimidade outorgada. Para alguns, ainda é só o referente municipalista, enquanto que outros já consideram a CUP o seu referente de massas.
Portanto, vendo os diferentes ritmos e apreciaçons, no último ano vimos apoiando a constituiçom de umha "Mesa da Esquerda Independentista", que é umha mesa de debate estratégico, ainda nom vinculativa, que tenciona reunir todos os agentes da Esquerda Independentista para falarmos da estratégia no referente à CUP.
DL – Nessa mesma linha, levastes ao cabo um processo de criaçom de um Programa Marco para as vindouras eleiçons.
LS – Tentamos nom agir apenas como umha coordenadora de assembleias municipais. Por isso, já nas eleiçons de 2003 e 2007 preparámos um programa marco que colocou umhas linhas ideológicas para a elaboraçom dos programas eleitorais municipais.
A diferença entre o Programa Marco da CUP e os de outras formaçons políticas é que o nosso foi desta vez definido com aparelhos de participaçom. Mais de 500 pessoas ao longo dos últimos sete meses estivérom participando em reunions locais, regionais e nacionais para definirem pontos específicos do Programa Marco. Estas pessoas vinhérom da militáncia da CUP, mas também da militáncia da Esquerda Independentista tradicional com umha viculaçom nom permanente com a CUP, dos movimentos sociais ecologistas, de defesa do território, de defesa do direito à habitaçom digna...
Por exemplo: figémos um encontro sobre "Política Local e Mundo Rural" no qual definímos as linhas gerais da CUP neste ámbito... Noutro chamado "Município de Autodeterminaçom" tratamos a questom de ligar acçom municipal com direito de autodeterminaçom. Pessoalmente fiquei muito contente com o processo que há de ser refletido num documento de 150 páginas que será resumido com panfletos.
AVALIAÇOM DAS ELEIÇONS CATALÁS E CRESCIMENTO DO INDEPENDENTISMO
DL – Dizias que começades a fazer também avaliaçons no ámbito nacional. Qual é, pois, a vossa avaliaçom das eleiçons autonómicas na Catalunha de há poucos dias?
Primeiro, constatamos o aumento da direita e a direita extrema. É inquestionável que o número de parlamentários de partidos da direita é maioritário fronte àqueles que venhem de partidos da suposta ou autodenominada esquerda. E isto é como contestaçom à situaçom atual, ao nosso parecer umha contestaçom completamente errada, mas que está aí.
Ainda, deve acrescentar-se o fenómeno extra-parlamentar do partido da direita extrema Plataforma per Catalunya, que arranjou 80.000 votos, algo inédito e que estava oculto nos inquéritos prévios. Contodo, este é um fato que já vimos verificando na política municipal: em Vic, umha capital de comarca de importáncia notável, tenhem cinco vereadores. A apariçom das direitas extremas é a contestaçom clássica do sistéma às crises cíclicas, que tornam a imigraçom em bode expiatório.
Constata-se também um evidente castigo às forças do tripartido catalám (PSC, ERC e ICV) por umha gestom desastrosa em muitos ámbitos: no campo dos serviços sociais, cortes, segurança interior... de forma que eleitorado da esquerda tem passado para a direita. O PSC converte-se por primeira vez na sua história num partido de tamanho meio na Catalunha e, com 28 cadeiras no Parlamento, deixa de ser umha formaçom central e chave. Perdérom ou vam caminho de perder feudos classicamente seus no contorno urbano de Barcelona. ERC experimentou o maior revés da sua história recente, com apenas 10 diputados, o qual se podia esperar, também como conseqüência dos seus conflitos internos. Sobre ICV, como é um partido com um eleitorado circunscrito a determinadas classes urbanas ilustradas mantém-se, apesar de perder 80.000 votos.
Por último, há um aumento dum independentismo dum determinado tipo, representado por Solidaritat Independentista (SI) e Reagrupament Independentista (RI) –que ficou fora do Parlamento-, e que é a constataçom de um momento determinado. Neste país declarar-se independentista há apenas dez anos era pouco menos que utópico. Hoje, o sistema autonómico ainda nom está morto mas vai caminho de despistar, e foi descartado o imaginário federalista que só defende o PSC, e quiçás ICV.
DL – Precisamente em relaçom ao autonomismo, umha das comunicaçons dos americanos reveladas polo Wikileaks di que o Governo Espanhol esperava solucionar o "problema catalám" com o referendum do novo Estatuto de Autonomia. O fracasso do Estatuto é a sentença de morte do autonomismo na Catalunha?
LS – Em catalám temos um dito popular que di que "em cada lavagem perdes um lençol". Ou seja: em cada acçom política, vam perdendo-se apoios, legitimidade... e isto é o que lhe está a acontecer ao autonomismo. O autonomismo nom está morto, o qual é umha evidência dado que funciona como sistema político imperante e hegemónico, mas vai perdendo lençois em cada lavagem. Aí estám as implicaçons dos agentes políticos gestores do autonomismo em casos de corrupçom, a manifestaçom a 10 de julho como expressom de saturaçom por processo estatutário que demorou dez anos e no que um tribunal político espanhol derrubou umha lei geral aprovada polo Parlamento da Catalunha... Sem estar morto, o autonomismo está tocado de morte.
Portanto, o independentismo que há uns anos era umha ideia quase utópica e romántica defendida com todas as conseqüências, mesmo a cadeia, por um setor minoritário da sociedade catalá, agora alargou-se claramente, com todo o que isso significa. O independentismo transcendeu a esquerda, foi para a direita e hoje temos grupos de empresários neoliberais que estám a defender a conveniência de saír do Estado espanhol. Isso é algo que temos que assumir.
Em resumo, o independentismo é hoje umha opçom política mais, que se pode propor sem que pareça extravagante e que é acolhida, se consideramos que todo o eleitorado de ERC é independentista, por quase 400.000 pessoas, o qual é salientável.
DL – É um fenômeno a estudar a apariçom desse independentismo de direitas, nom é?
LS - Achamos interessante o momento e o crescimento do independentismo, mas claramente a nossa proposta é outra: fornecer esse independentismo de conteúdo social e fazê-lo atrativo e participativo para as classes populares, fazendo-as cientes de que a independência vai melhorar a sua situaçom socio-económica, laboral, a defesa do meio-ambiente...
Também achamos em falta mais um pilar em propostas como a de Laporta, que é a assunçom de um ámbito nacional completo. Historicamente, o nosso país define-se por fatos lingüísticos, económicos, culturais e sociais que vam além das quatro províncias marcadas polo Estado espanhol no S.XIX. Há comunidade nacional além dos Pirineus, além do Mediterráneo –nas Ilhas Baleares e mesmo na Sardenha, no Alguer- e evidentemente no País Valenciano, além de conjunturas como o governo da extrema-direita do PP em Valência ou da direita francesa no Roselló [parte dos Países Cataláns sob administraçom do Estado francês]... e o nosso projeto político é para o conjunto dessa comunidade nacional.
Portanto, o nosso papel é agora, além de continuar crescendo politicamente, de umha firme luita ideológica no marco deste aumento do independentismo para que assuma estas duas cousas: a defesa dos direitos das classes populares e a defesa do marco nacional completo.
DL – E como é que a presença desse independentismo da SI de Laporta pode afetar à esquerda independentista? Pode a direita tentar capitalizar o voto independentista da esquerda? Em concreto, de cara às municipais, como pode afetar às CUP a Solidaritat Independentista se Laporta se apresentar?
LS – De fato, ontem reunimo-nos com SI e anunciárom-nos que querem concorrer às municipais lá onde puderem. Desde a CUP ainda nom figémos umha avaliaçom sobre a questom face às municipais, mas a minha opiniom pessoal é que eleitoralmente, em cidades médias e grandes, onde o eleitorado vota mais marca que projeto, sim pode afetar. E vamos ter que decidir como fazemos fronte a isso.
DL –Portabella, candidato da ERC na Cámara Municipal de Barcelona, apontou o seu interesse numha aliança entre ERC, SI e CUP para as próximas eleiçons municipais.
LS – ERC está num processo interno e externo de fragmentaçom. Perdeu setores mais liberais, e, principalmente, setores mais independentistas. De fato a descida de ERC tem já mais de cinco anos. Também tem umha grande hipoteca pola sua gestom no governo autonómico e procura nom sofrer umha queda tam forte como a que experimentou, e para isso precisa doutras forças independentistas para recuperar votos do setor independentista. E também necessita lavar a sua imagem, dado que durante sete anos ERC nom tem feito mais que gestionar a autonomia, e mal.
Nom podo responder polos meus companheiros de Barcelona, mas logo do papel de ERC nos últimos anos e em concreto na capital catalá, é umha obviedade que umha coligaçom com esta formaçom nom entra nos nossos planos.
DL – Nas vindouras municipais, apresentaredes por primeira vez candidatura nas quatro capitais de província do Principado da Catalunha. Barcelona e Tarragona som as novidades. Tendo em conta isto, quais as vossas perspetivas para essas eleiçons?
LS – As perspetivas nas grandes cidades podem ser boas. Em concreto, em Lleida e Girona podemos mesmo entrar na Cámara Municipal. Onde previsivelmente vamos continuar crescendo, e dizem-no também os analistas políticios teoricamente independentes, será nas capitais de comarca, vilas grandes e cidades pequenas das coroas metropolitanas. Desde Molins de Rei –na primeira coroa metropolitana de Barcelona- a Manresa –na última-, por questons sociológicas e trabalho prévio da Esquerda Independentista, é onde temos os nossos pontos fortes.
Por exemplo: durante esta legislatura, em duas das nossas localidades fortes como som Sant Celoni (30.000 hab.) e Vilafranca (40.000 hab.) a presença dos nossos dous vereadores condicionou e fixo com que caíssem governos de longa duraçom do PSC. Nom casamos com os novos governos de CiU, mas aprovamos a entrada de um novo partido. Isto tivo muita importáncia no ámbito local, com a entrada de ar novo nas Cámaras Municipais, porque o nível de corrupçom e nepotismo logo de 30 anos de governo do PSC era notável. É evidente que a gestom de CiU também acabou por ser péssima, mas a CUP acabou por ser chave nestas mudanças e mesmo impôs condicionantes ao novo governo em Sant Celoni.
O que é importante disto é vermos que a CUP resultam ser agentes políticos importantes e com chave de governo nestas faixas além do núcleo Barcelona, com cidades como Mataró, Manresa, Vic, Sant Celoni, Vilafranca, Vilanova i la Geltrú... todas nas quais temos representaçom e com perspectivas de continuar crescendo.
DL – E a longo prazo, quais som as perspectivas? Em especial, sobre a possibilidade de concorrer a eleiçons no ámbito nacional.
LS – A longo prazo devemos continuar a crescer, consolidar-nos organizativamente e responder mais eficazmente às necessidades do nosso povo.
Eleitoralmente, temos umha proposta estratégica que nom descarta a concorrência em nengum processo eleitoral, for autonômico, regional francês, estatal francês ou estatal espanhol... mas a Assembleia Nacional celebrada cada ano é a que decide sobre o fato de finalmente concorrer ou nom. Portanto, nom podo responder no nome da organizaçom, mas pessoalmente acho que os alicerces estám postos.