No dia da greve, quem não se comoveu foram os gestores dos CTT, que chamaram a polícia para agredir o piquete de greve que tentava atrasar a saída das viaturas do correio, nem o dono do supermercado - que, depois de atropelar duas grevistas, ainda teve o desplante de apontar uma arma à cabeça de outros dois - os gestores das empresas públicas de transportes e os tribunais arbitrais que impediram milhares de trabalhadores de fazer greve (CP, REFER, etc.), ou ainda os patrões que pressionaram, ameaçaram e chantagearam o mais de meio milhão de trabalhadores precários, forçando-os a trabalhar.
Também não consta que tal deferência tenha sido alguma vez premiada pela burguesia portuguesa que, igual a si própria, continua a achar que os trabalhadores têm demasiados direitos e regalias, não podem ganhar muito e é preciso baixar-lhes os salários e pensões, aumentar-lhes a carga horária, fazê-los trabalhar mais anos, despedi-los sem qualquer razão e serem pau para toda a obra.
2) A Greve Geral de dia 24 foi proclamada pela esquerda portuguesa como histórica, como a maior de sempre, com mais de 3 milhões e meio de trabalhadores parados. Uma semana depois ela deixou de ser assunto e hoje tudo se passa como não tivesse acontecido. Há algo aqui que não bate certo. A tão insólito e misterioso acontecimento não deve ser estranho o facto da greve geral ter decorrido de uma forma ordeira e mansa, de não se ter realizado qualquer manifestação ou concentração de grevista e trabalhadores (não é sintomática a estupefacção dos jornalistas estrangeiros perante a falta de protesto nas ruas?), de não lhe ter sido fixado nenhum objectivo definido e concreto como o derrube do governo (assunto sobre o qual a patriótica esquerda portuguesa se recusa a falar) ou a derrota do Orçamento de Estado (que sentido faz convocar uma Greve Geral contra a medidas anti-populares do governo depois dos partidos parlamentares terem acordado que o OE não seria inviabilizado?); do facto do acordo com a UGT amarela ter tido como consequência o rebaixamento político da greve, tudo tendo ficando pela recusa genérica das políticas neoliberais do governo mas sem se ousar pôr em causa o Orçamento de Estado que todos dizem ser mau e contra os trabalhadores, mas que pior seria não o ter, pelo que aquilo que os trabalhadores agora tem a a fazer é lutar para moderar os seus efeitos mais gravosos.
Cínico e certeiro, Medina Carreira (um reaccionário esclarecido e sem papas na língua) afirmava no dia da greve, na SIC, que aquela, se alguma utilidade teve foi a de aliviar a tensão social, um objectivo comum às duas centrais sindicais - a CGTP e a UGT - que assim viram reforçado o seu poder negocial e (acrescento eu) demonstraram quanto são úteis para manter os trabalhadores resignados.