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Guillermo Almeyra

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Cuba: um documento perigoso e contraditório (Primeira Parte)

Guillermo Almeyra - Publicado: Domingo, 14 Novembro 2010 01:00

Guillermo Almeyra

O Partido Comunista Cubano prepara seu sexto congresso para abril próximo e, para isso, emitiu um documento econômico-social que "para os amigos da revolução cubana" provoca grandes preocupações e para a população da ilha é um golpe brutal, desmoralizador.

Infelizmente, salvo os inimigos do processo revolucionário, que se regozijam com as dificuldades pelas quais este atravessa, não se lêem análises nem se escutam opiniões sobre o curso que está seguindo a revolução cubana, que no entanto é tão decisiva para o processo de libertação de toda América Latina. Por isso, com os limites que resultam da possibilidade de escrever só um curto artigo a cada domingo, me verei obrigado a dedicar a este tema uma série de artigos, sabendo que sete ou 14 dias depois poucos recordarão -se o leram- o anterior.

Farei aqui algumas considerações gerais, deixando para as sucessivas entregas o estudo dos artigos mais perigosos do documento do PCC e, naturalmente, o que poderia ser uma alternativa. Em primeiro lugar, considero que seguir detidamente e paixão o que sucede e poderia suceder em Cuba é um direito e um dever não só de todo socialista, como também de todo latino-americano que luta pela independência de nossos países e pela libertação nacional e social do continente. Efetivamente, o de Cuba é demasiado importante e demasiado grave para ser só tema de discussão dos cubanos.

Em segundo lugar, considero que se se convoca o congresso para abril de 2011 supostamente como instância de consulta e de decisão, não é possível começar já neste ano a aplicar medidas fundamentais e irreversíveis em muitos campos da atividade econômica, colocando todos ante fatos consumados e o próprio congresso no triste papel de simples aprovador-legitimador de resoluções adotadas por poucos no aparelho estatal. A desgraçada fusão entre o Partido Comunista e o Estado subordina o primeiro ao segundo e faz-lhe adotar como próprias a lógica e as necessidades estatais, anulando assim seu próprio papel de controle e de crítico e vigilante, por não falar de seu papel indireto de porta-voz de opiniões e necessidades dos trabalhadores.

Agora bem, como frisava Lênin, o Estado é, inclusive após a revolução, um instrumento de classe, a expressão da subsistência do mercado mundial capitalista e dos valores e métodos burgueses de dominação, o qual obriga o partido (e os sindicatos) a defenderem os direitos particulares dos trabalhadores inclusive contra "seu" Estado e, portanto, a não se submeterem ao mesmo. O fato de que o programa econômico-social que analisamos seja um programa exclusivamente burocrático-estatal destinado, segundo proclama, ao fortalecimento da institucionalidade e à reforma do Estado e do governo, destaca ainda mais o acanhamento do partido em frente a estes. Porque se por institucionalidade entendermos submeter a controle o arbítrio e o voluntarismo desorganizadores da economia e causantes do esbanjamento, a incúria e a falta de controle que permitem a corrupção e a burocratização, não se pode esquecer que o Estado não é só um aparelho burocrático-administrativo ou repressivo, mas também uma relação de forças social e, portanto, a reforma do Estado deve atribuir muito maior peso aos órgãos de democracia direta, aos trabalhadores que ao mesmo tempo são consumidores, produtores e construtores do socialismo e não meros súbditos nem objetos passivos de resoluções verticalistas. Além disso, uma revolução, por definição, não é sinónimo de institucionalizar, mas de renovar e democratizar profunda e totalmente as estruturas de poder, permitindo a expressão da diferença que existe nesse duplo poder sempre latente entre a revolução (os trabalhadores, no sentido mais amplo do termo) e as importantes expressões do capitalismo (como o aparelho estatal, que pretende comandar ao velho modo).

É, em minha opinião, muito grave que o documento para o próximo congresso do partido, ainda que tenha como centro a restruturação econômica, não mencione os trabalhadores (nem sequer os sindicatos que, no aparelho estatal burocratizado, são a correia de transmissão deste para aqueles). Em 32 páginas de texto, a palavra "socialista" aparece, por outra parte, só três vezes e não há nem uma menção à burocracia, sua extensão e suas divisões (que qualquer cubano vê como um problema grave), nem à democracia dos produtores, nem sequer para explicar quem escolherá os que serão declarados "disponíveis" (que somam nada menos que 20 por cento da população economicamente ativa). Quanto aos órgãos populares, democráticos, de controle e de planejamento, estão totalmente ausentes.

É igualmente grave o fato de que este documento não esteja acompanhado por um texto do partido sobre a fase atual da economia mundial, a sociedade cubana, os perigos sociais e políticos de uma abertura muito maior ao mercado mundial e ao mercado livre na ilha, as causas que impuseram estas medidas drásticas e de guerra (incluindo entre elas, autocriticamente, os erros do partido e do governo entre congresso e congresso e nos últimos 40 anos) e que não se prepare o partido e os trabalhadores para os perigos que derivarão do reforço dos setores burgueses e dos valores capitalistas, nem se fixem perspectivas. Porque a brutalidade da agressão imperialista e da crise mundial pode obrigar, é certo, a abandonar conquistas e a dar passos atrás, mas não torna obrigatório que se escondam os retrocessos e, menos ainda, que se pintem os progressos igualitários que se têm que abandonar forçados pelo mercado mundial como se tivessem sido negativos. Mas sobre isto voltaremos nos próximos artigos, analisando o texto que, para o congresso do PCC, apresentam a burocracia e a tecnocracia que controlam o Estado.

Tradução: Diário Liberdade.

Fonte: La Jornada.


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