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Guillermo Almeyra

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Tiro pela culatra

Guillermo Almeyra - Publicado: Sábado, 30 Outubro 2010 02:00

Guillermo Almeyra

Retrocedamos até os anos 90. O governo neoliberal e agente do capital financeiro internacional do peronista de direita Carlos Menem, que dizia ter relações carnais com os Estados Unidos, entre as muitas dezenas de empresas que privatizou, entregou e desmantelou estiveram os caminhos-de-ferro, jogando a 70 mil operários.


Fê-lo com o apoio servil do secretário do grêmio ferroviário, José Pedraza, quem, nem lento nem preguiçoso, inventou empresas e cooperativas que contratam operários do trilho por uma paga muito menor que a que recebem os de plantão que trabalham no que fica dos caminhos-de-ferro. Esse negócio dá-lhe milhões de rendimentos e, para protegê-lo, o gánster-sindicalista tem suas bandas de capangas. Em isto Pedraza não é o único.

Os capangas da União Tranviários Automotor, por exemplo, tentaram dissolver à pancada as assembléias dos trabalhadores do metrô, que terminaram por formar seu próprio sindicato democrático.

E os do grêmio da alimentação trataram sem êxito de impedir mediante a violência que triunfasse na fábrica Kraft uma direção sindical democrática. O tesoureiro dos caminhoneiros foi misteriosamente assassinado a facadas e os grupos de choque dos tipos da União Operária da Construção e de Caminhoneiros brigaram a tiros seu posicionamento junto aos restos de Perón quando estes foram transladados. Os capangas da burocracia gremial são, efetivamente, um traço tão típico do peronismo como o bombo e o hino do partido, do qual o caminhoneiro Hugo Moyano é vice-presidente. Este dirigente-empresário é hoje kirchnerista, enquanto a burocracia da Confederação Geral do Trabalho (CGT) é apoiante operário do governo, como anteriormente foi de Menem (como o próprio Néstor Kirchner, que em seu momento foi menemista e neoliberal e aprovou entusiastamente a privatização do petróleo).

Vamos agora aos fatos atuais: Uma dessas empresas fantasma que rende serviços aos proprietários do Ferrocarril Rocha (uma das linhas privatizadas) despediu 175 operários. A luta sindical até reincorporou agora 26. Os restantes, apoiados por estudantes e movimentos sociais, fizeram uma manifestação e depois tentaram cortar uma via de trem.

Dezenas de capangas agrediram-nos então a pauladas e pedradas e, por último, a tiros, matando um jovem estudante militante da esquerda e ferindo gravemente outras três pessoas enquanto a polícia deixava passar tranquilamente os assassinos, sem detê-los.

Por sua vez, os tipos da União Ferroviária justificaram imediatamente num comunicado a covarde agressão à mão armada, mas a presidenta da República, o Ministro do Interior, o governo, Néstor Kirchner, os elementos peronistas da CGT e os meios de comunicação kirchneristas (como o canal televisivo oficial e Página 12) qualificaram de imediato este assassinato de crime. Mafioso.

Há que acrescentar que a noite anterior ao tiroteio contra os manifestantes se tinham reunido Padraza e o ex presidente Duhalde, peronista de direita, sem que se saiba de que falaram...

De imediato, a Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA), que tem em seu seio grandes setores kirchneristas, decretou uma paralisação nacional solidária e de repúdio e, na quinta-feira, estudantes e operários paralisaram Buenos Aires e seus subúrbios, com paralisações nos aeroportos, cortes de vias ferroviárias, paralisações de transportes, greves de estudantes e operárias, fechamento de ruas e da rota Panamericana por operários da alimentação.

No metrô, os trabalhadores deixaram livres as catracas e fecharam as bilheteiras para os utentes viajarem de graça e houve paralisações nos hospitais, bem como ocupações de faculdades e escolas. Pela tarde, uma grande manifestação solidária dos grêmios democráticos e as tendências combativas nos sindicatos burocratizados percorreu o centro portenho e encheu a Praça de Maio para pedir que se puna os culpados e a polícia cúmplice, a reincorporação dos despedidos e a incorporação à central ferroviária dos precários terciarizados, coisa que acabou de resolver o Ministério do Trabalho.

É claro que a direita tenta aproveitar este crime e, em bloco, condena-o, mas tratando de acusar o governo (apoiado por Pedraza) e os diários Clarín, A Nação e Âmbito Financeiro, e as rádios ou emissoras reacionárias de tv aparecem como defensoras da democracia e do sindicalismo (ainda que tenham sido apoiantes da ditadura), mas mentem ao falarem de guerra sindical quando realmente se trata de uma luta contra a sobre-exploração e pela democracia sindical.

Por sua vez, a ultraesquerda, sem medir nem a relação de forças nem o que é imediatamente possível, tenta jogar lenha ao fogo sem se dar conta de como a direita tenta utilizar. Efetivamente, essa direita busca arrebatar aos Kirchner "que não reprimiram os conflitos sociais" o prestígio que tinham obtido defendendo os direitos humanos e julgando os ditadores genocidas, e pretende responsabilizar a presidenta pelo assassinato do estudante. Tenta ainda debilitar o difuso apoio operário de que dispõe, aproveitando que para o governo os sindicatos são só as direções dos mesmos, ou seja, os ladrões, corruptos e assassinos que usurpam as organizações dos trabalhadores.

Sobre o cadáver de Ferreyra livra-se hoje uma luta intercapitalista e eleitoral. É claro que a mobilização operária e de estudantes que se produziu em escala nacional vai em outra direção, mas ainda não encontra o caminho político. Por isso, muito provavelmente seus efeitos se limitarão, no imediato, ao julgamento de Pedraza e de alguns polícias e certas concessões políticas e sociais. Mas estamos só no começo de um processo, e à direita poderia lhe sair o tiro pela culatra.

Fonte: La Jornada.

Tradução: Diário Liberdade.


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