Não é difícil mostrar que, de fato, é muito limitado o grau em que os países de fora conseguiram que ocorram as coisas a seu modo. E as perspectivas não são positivas para os estrangeiros. Há uma sensação crescente entre os estrangeiros de que talvez devam reduzir seu envolvimento ativo. A intrusão cria uma carga que não parece obter demasiadas recompensas.
Nos anos 80, a União Soviética fracassou e finalmente retirou por completo suas tropas. O presidente que se supunha que apoiavam os soviéticos foi enforcado em público por uma agradecida nação. Os mujaidines que os Estados Unidos apoiou em sua resistência contra a intervenção soviética mostraram sua gratidão cultivando e apoiando um movimento, Al Qaeda, que desde então dedicou todas suas energias a uma jihad contra os Estados Unidos e contra todos aqueles que considera aliados dos estadunidenses.
A guerra civil afegã, que contou com mais de dois bandos, continuou incessante durante todo este tempo. Uma força principal, conhecida como talibã, teve suas altas e baixas durante estas guerras. Atualmente parecem de novo estar numa alta considerável. Com a exceção do Paquistão quase todos os estrangeiros repetem sem cessar seus pontos de vista negativos a respeito dos talibã, a capacidade destes de persistir e ganhar terreno ao interior conduziu a que muitos dos países preocupados se ponham em privado a repensar a situação.
A questão "devemos continuar envolvidos?" está na agenda em toda a parte.
Os vizinhos ao norte e ao oeste -Uzbequistão, Tadjiquistão, Rússia (ainda que não tenha fronteira direta) e Irã-, todos são afetados. Não querem um governo dominado por militantes talibãs, em sua maioria pashtuns, no poder. Temem, e provavelmente com razão, que oprimiria de vários modos as zonas do norte e o oeste que etnicamente estão vinculadas com seus países. Mas nenhum destes vizinhos parece disposto a enviar tropas. Portanto todos favorecem algumas negociações ao interior de Afeganistão que pudessem concluir em algum tipo de proteção para as zonas do norte e o oeste.
Atualmente, os Estados Unidos contam com um grande número de tropas no Afeganistão. Na teoria está comprometido a começar a retirada de tais tropas para julho de 2011. Também na teoria, o governo estadunidense confia em derrotar, ou pelo menos domar, as forças talibãs, e conseguir um fortalecimento do exército oficial afegão sob a autoridade do governo formalmente legal presidido por Hamid Karzai.
As tropas estadunidenses contam com a assistência de uma força da OTAN conformada por vários países da OTAN. Se os Estados Unidos estão esperando até meados de 2011 para começar a diminuir suas tropas, a maioria dos países da OTAN está ansiosa por ir embora antes disso, ou anunciar agora a certeza de sua eventual retirada.
No caso dos Estados Unidos, a retirada apresenta uma questão política interna no país. O presidente Barack Obama está estudando se perderá mais apoio por retirar tropas ou por não as retirar. As pesquisas de opinião apontam para um número de votantes, em aumento constante, que estão cansados de verem uma guerra que não poderá se ganhar num país longínquo. Minha predição é que o impulso isolacionista está ganhando ao impulso intervencionista na política estadunidense.
Ficam outros dois estrangeiros -Paquistão e Índia. Estes dois países estão, com certeza, envolvidos um com o outro numa luta política (e com freqüência militar) que prossegue. E a cada um considera a situação no Afeganistão principalmente em termos dos envolvimentos que tem nesta luta.
O Paquistão, através do serviço de inteligência do exército (ISI), apoiou os talibãs durante todo o período. Nestes dias tende a negar isto porque o assunto exaspera os Estados Unidos, mas ninguém se engana. O Paquistão pensa que pode controlar os talibanes afegãos e que o restabelecimiento de um governo talibã em Kabul seria uma barreira defensiva contra a Índia.
Durante os últimos 10 anos, o governo de Índia foi o sustento ativo do regime de Karzai, pois considera-o um modo de mostrar os dentes à influência paquistanesa no país e, no longo prazo, algo que ajudaria a criar a infraestrutura necessária para obter recursos energéticos do Irã e Rússia.
Tanto a Índia como o Paquistão podem estar reconsiderando suas opções. Há pelo menos alguns analistas do governo de Índia que pensam que, se se retiram e entregam o Afeganistão aos paquistaneses, estariam dando ao Paquistão uma pílula de veneno que absorveria a energia e os recursos militares do Paquistão. Estes analistas contam com a indubitável independência dos afegãos, especialmente os pashtuns, e pensam que não terão de tolerar o controle paquistanês mais que o controle soviético ou estadunidense.
E o Paquistão? Não só estão os talibãs afegãos, mas, um bocado afastados, os talibãs paquistaneses. Ainda que o ISI possa apreciar e apoiar aqueles do Afeganistão, há escasso entusiasmo para a variedade local. Ter que lidar com os talibãs paquistaneses será o que mais distraia o Paquistão de lidar com a Índia. Retirar-se de tanto envolvimento no Afeganistão poderia reduzir um pouco as tensões internas.
Então, um possível resultado das guerras civis que estão em curso no Afeganistão é que, nuns cinco anos, todo mundo esteja cansado da carga do envolvimento e simplesmente abandone os afegãos e que se virem como puderem, para usar uma frase popular.
Como se veria um Afeganistão assim? É muito difícil saber. Poderia ver-se horrível, ao impor a todos os afegãos as versões menos suportáveis da lei da sharia. Ou pode surpreender-nos com esse ambiente relativo de viver e deixar viver que o Afeganistão mostrou em momentos de sua história. Em qualquer caso, vai importar-se o resto do mundo? Os seguintes cinco a 10 anos vão ser um tempo terrível no econômico e o político por toda a parte. Pode não ter nem tempo nem energia para se preocupar com o Afeganistão.
Fonte: La Jornada.
Tradução: Diário Liberdade.