Embora o alarme esteja a tocar, é improvável que algum governo venha a travá-lo enquanto o seu séquito estiver cheio de políticos de todos os partidos.
O problema com este e outros apavorantes Murdoch é que, apesar de ninguém duvidar da sua gravidade, eles desviam-se de uma não reconhecida e mais insidiosa ameaça à informação honesta. De uma vez por todas, os media de Murdoch não são respeitáveis. Tomem-se as actuais guerras coloniais. Nos Estados Unidos, a Fox Television de Murdoch é quase uma cópia em caricatura no seu belicismo. É o augusto e solene New York Times, "o maior jornal do mundo", e outros tais como o outrora celebrado Washington Post, que tem dado respeitabilidade às mentiras e contorções morais da "guerra ao terror", agora reclassificada como "guerra perpétua".
Na Grã-Bretanha, o liberal Observer desempenhou esta tarefa de tornar respeitáveis as burlas de Tony Blair sobre o Iraque. Ainda mais importante, assim o fez a BBC, cuja reputação é o seu poder. Apesar da tentativa de um repórter independente de revelar o chamado dossier manhoso, a BBC tomou os sofismas e mentiras de Blair sobre o Iraque pelo seu valor facial.
Isto foi tornado claro em estudos da Universidade de Cardiff e da Media Tenor com sede na Alemanha. A cobertura da BBC, diz o estudo da Cardiff, foi esmagadoramente "simpática à causa do governo". Segundo a Media Tenor, uns meros dois por cento das notícias da BBC durante a preparação da invasão permitiram às vozes anti-guerra serem ouvidas. Em comparação com as principais redes americanas, só a CBS foi mais favorável à guerra.
Assim, quando o director-geral da BBC, Mark Thompson, utilizou o recente Festival de Televisão de Edimburgo para atacar Murdoch, a sua hipocrisia apresentou-se. Thompson é a corporificação de uma elite administrativa financiada pelo contribuinte, para quem a reacção política há muito substituiu o serviço público. Ele posicionou-se mesmo na sua própria corporação, estilo Murdoch, como "fortemente à esquerda". Estava a referir-se à era do seu antecessor na década de 1960, Hugh Greene, que permitia o florescimento da liberdade artística e jornalística na BBC. Thompson é o oposto de Greene; e sua difamação do passado é a manutenção do moderno papel corporativo da BBC, o que se reflecte nos prémios pedidos pelos do topo. Thompson ganhou £834 mil [€946.704] no ano passado dos fundos públicos e os seus 50 executivos sénior ganham mais do que o primeiro-ministro, juntamente com jornalistas enriquecidos como Jeremy Paxman e Fiona Bruce.
Murdoch e a BBC partilham este corporatismo. Blair, por exemplo, era o seu perfeito político. Antes da sua eleição em 1997, Blair e sua esposa foram transportados em primeira classe por Murdoch para a Ilha Hayman, na Austrália, onde perorou no púlpito da Newscorp e, com efeito, comprometeu-se a uma obediente administração trabalhista. A sua mensagem codificada sobre propriedade cruzada dos media e desregulamentação era que seria descoberto um caminho para Murdoch alcançar a supremacia que agora pretende.
Blair foi abraçado pela nova classe corporativa da BBC, a qual se considera como meritória e não ideológica: os líderes naturais numa administração britânica em que classe é assunto não falado. Poucos fizeram mais para enunciar a "visão" de Blair do que Andrew Marr, então um jornalista de proa e hoje a voz da classe média britânica na BBC. Assim como o Sun de Murdoch declarou em 1995 que partilhava os "altos valores morais" de Blair em ascensão, do mesmo modo Marr, a escrever no Observer em 1999, louvou a "substancial coragem moral" do novo primeiro-ministro e a "clara distinção em sua mente entre proteger prudentemente a base do seu poder e impulsivamente utilizar o seu poder para altos propósitos morais". O que impressionou Marr foi a "absoluta falta de cinismo" de Blair por ocasião do seu bombardeamento da Jugoslávia o qual "salvaria vidas".
Em Março de 2001, Marr era o editor político do BBC. De pé em Downing Street na noite do assalto "pavor e choque" ao Iraque, ele rejubilou com a afirmação de Blair o qual, disse ele, prometera "tomar Bagdad sem um banho de sangue e de que no fim os iraquianos estariam a celebrar. E ambos os pontos ele demonstrou-se conclusivamente correcto" e em consequência "esta noite ele posiciona-se como um grande homem". De facto, a conquista criminosa do Iraque esmagou uma sociedade, matando mais de um milhão de pessoas, expulsando quatro milhões dos seus lares, contaminando cidades como Faluja com venenos que provocam câncer e deixando a maioria das crianças mal nutridas num país outrora descrito pela Unicef como um "modelo".
Assim, foi inteiramente adequado que Blair, ao apregoar o seu livro de auto-louvação, seleccionasse Marr para a sua "entrevista de TV exclusiva" na BBC. A manchete sobre a entrevista na revista do Observer dizia: "Olhem que está a rir por último". Por baixo havia uma foto de um Blair radiante participando de uma gargalhada com Marr.
A entrevista não produziu um único desafio que travasse Blair na sua trilha mentirosa. Foi-lhe permitido dizer que "absolutamente, claramente e inequivocamente, a razão para derrubar [Saddam Hussein] foi a sua violação de resoluções sobre Armas de Destruição em Massa, certo?" Não, errado. Uma grande quantidade de evidências, inclusive o infame Memorando de Downing Street, torna claro que Blair secretamente conspirou com George W. Bush para atacar o Iraque. Isto não foi mencionado. Em momento algum Marr lhe disse: "Você fracassou em persuadir o Conselho de Segurança da ONU a avançar com a invasão. Você e Bush estavam sozinhos. A maior parte do mundo foi ultrajada. Não estava consciente que estava prestes a cometer um crime de guerra monumental?"
Na verdade, Blair utilizou o encontro amistoso para enganar, mais uma vez, e mesmo para promover um ataque ao Irão, um ultraje. A Fox de Murdoch ter-se-ia diferenciado apenas no estilo. O público britânico merece melhor.