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António Barata

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António Barata - Publicado: Quinta, 30 Setembro 2010 02:00

António Barata

O governo escolheu o dia em que milhares de trabalhadores portugueses saíram á rua em protesto contra a cada vez mais acentuada degradação das suas condições de vida para anunciar novo e esperado apertar de cinto.


O que é um indicador esclarecedor de que não só despreza o descontentamento popular como de que não o teme. E por muito que nos custe, somos obrigados a concordar que, de facto, a classe dominante não tem nada a temer dos protestos do mundo do trabalho, de tão toldado e condicionado este está pela lógica compreensiva e colaborante da esquerda portuguesa.

Há hoje na sociedade portuguesa um novo consenso nacional – "a crise só pode ser vencida com o alastramento da pobreza". É claro que não é enunciado desta maneira, mas na linguagem matreira de que é preciso cortar "no lado da despesa e não do da receita", do que "70% dos portugueses são sustentados pelos dinheiros do Estado" e que por isso o "estado social faliu", e por aí fora. Sendo isto verdade, a lógica férrea do sistema económico capitalista não deixa outra alternativa aos que a não põem em causa que não seja a de serem os de baixo a pagar crise. A receita é tão velha como o capitalismo. e tem sido à custa dela que este tem resolvido as suas crises deixando um tremendo rasto de milhões de vítimas, sejam aquelas lançadas nos enormes matadouros das guerras mundiais, quer aquelas que anónima e silenciosamente vão morrendo á fome e de inanição nas grandes metrópoles do norte rico e, principalmente, no chamado terceiro mundo.

Certamente que o PCP e o BE, a esquerda que de facto existe neste país, e que só o é pelo facto de, num tempo em que as ideias neo-liberais e da democracia cristã são dominantes, se situarem no campo da social-democracia, não comungam da ideia de que devem ser só os pobres a pagar a crise. Por isso, porque lhes é alheia a ideia de que a uma esquerda digna desse nome não compete andar conselhos às classes dominantes sobre a melhor forma de conduzir os seus negócios, de a andar a catequizar e sensibilizar acerca das suas "responsabilidades sociais" esforçando-se por convencê-la de que a crise tem de ser paga por todos, de que tem de ser patriótica, e de que este esforço conjunto em prol de um ilusório "bem comum" é um "desígnio nacional", deveria antes andar ocupada em amotinar os deserdados destes país para que a burguesia os temesse e então sim, se visse obrigada a fazer concessões para que não estalasse uma crise revolucionária. Por isso, PCP e BE, que após as férias de Verão começaram por afirmar que os OE não teria o seu voto favorável nem por eles seria viabilizado pela abstenção, resolveram agora, tacticamente, moderar o seu discurso e dizer estão dispostos a negociar, que não será por causa deles que não haverá OE para 2011, que tudo depende de serem ou não contempladas as suas propostas de pagamento da dívida a meias. Uma habilidade táctica que as classes dominantes e as consciências reformistas não levam a sério, mas muito apreciam, dado que tal postura funciona como um anestésico das massas trabalhadoras, que prisioneiras desta lógica "responsável e com sentido de Estado" se iludem na esperança de que tal até venha a ser possível, de que o BE e o PCP, face à "intransigência" do PSD, consigam arrancar ao PS algumas concessões.

Anestesia que pôde ser aferida por todos aqueles que estiveram na manifestação de ontem (29 Setembro) – eram muitos os trabalhadores, é certo, mas conformados, sem chama, sem qualquer combatividade e com palavras de ordem recuadas – nada de "abaixo o governo" ou "greve geral", nem sequer os habituais insultos que à falta de perspectivas políticas traduzem a raiva e a indignação de quem trabalha. Só lamentos murchos em torno dos baixos salários.

A falência desta via, e de que persistir nela só nos vai conduzir a um maior desastre, ficou ontem demonstrada. O PS avançou aquilo que tinha de avançar numa lógica de preservação do sistema capitalista (e por isso se multiplicam os elogios dos analistas de serviço) sem se importar com o que pensa e faz a oposição e menos ainda o protesto laboral. Quem ontem averbou uma derrota não foram os governantes, foi a esquerda e os trabalhadores. E não vai ser o anunciado endurecimentos das formas de lutas hoje anunciado por Carvalho da Silva, da CGTP, preparando o terreno para o anuncio de uma Greve Geral que peca por tardia, que vai modificar a correlação de forças entre o mundo do trabalho e do capital.

Trágico é que nunca como agora foram tão favoráveis as condições para contestar o dominação capitalista e o sistema burguês e para se avançarem perspectivas de uma nova ordem social revolucionária capaz de acabar com a exploração do homem pelo homem. Desgraçadamente, no nosso país uma esquerda à altura desta tarefa não existe. Tomar consciência desta realidade é a primeira condição para que algo comece a mudar em Portugal.


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