Rami é um designer gráfico israelense que vive com a sua família em Jerusalém. O seu pai sobreviveu a Auschwits. Os seus avós e seis tias e tios pereceram no Holocausto. Sempre que me perguntam acerca de heróis, menciono Rami e sua esposa Nurit sem hesitação.
Logo depois de nos encontrarmos, Rami deu-me um vídeo feito em casa que era difícil assistir. Mostrava a sua filha Smadar, com 14 anos, a lançar a cabeça para trás, a rir e tocar piano. "Ela amava a dança", disse. Na tarde de 4 de Setembro de 1997, Smadar e seu melhor amigo, Sivane, tinham entrevistas para admissão numa escola de dança. Naquela manhã havia discutido com a sua mãe, a qual estava ansiosa acerca da sua ida ao centro de Jerusalém. "Eu não quis censurar", disse Nurit, "então deixei-a ir".
Rami estava no seu carro quando ligou o rádio para ouvir o noticiário das três. Tinha havido um suicídio bombista na área de compras de Ben Yehuda. Mais de 200 pessoas foram feridas e várias estavam mortas. Dentro de minutos, o seu telemóvel tocou. Era Nurit, a chorar. Eles investigaram em vão os hospitais, a seguir a morgue; e assim começou, como descreveu Rami, a sua "descida para a escuridão".
Rami e Nurit são dois dos fundadores do Círculo de País, ou Fórum de Famílias Enlutadas, o qual reúne israelenses e palestinos que perderam serem amados. "É penoso reconhecer", disse ele, "mas não há nenhuma diferença moral básica entre o soldado [israelense] no posto de controle que impede a passagem de uma mulher que está a ter um bebé, levando-a a perder o seu bebé, e o homem que matou a minha filha. E assim como a minha filha foi uma vítima [da ocupação], também ele". Rami descreve a ocupação israelense e o despojamento dos palestinos como "um câncer no nosso coração". Nada muda, afirma ele, até que cesse a ocupação.
Todo o "Dia de Jerusalém" – o dia em que Israel celebra a sua conquista militar da cidade – Rami posta-se na rua com uma fotografia de Smadar e bandeiras israelense e palestina cruzadas, e as pessoas cospem-no e dizem-lhe ser uma pena ele não ter explodido também. Mas ainda assim ele, Nurit e seus camaradas têm conseguido ganhos extraordinários. Rami vai a escolas israelenses com um membro palestino do grupo e mostram mapas do que podia ser a Palestina e abraçam-se um ao outro. "Isto é como um terramato para crianças que foram socializadas e manipuladas no ódio", disse ele. "Elas nos dizem: 'Você abriu os meus olhos'."
Em Outubro, Rami e Nurit sentaram-se no Tribunal Superior de Israel enquanto o conselho de estado, "gaguejante, despreparado e revolto", escreveu Nurit, "posicionava-se como um comandante de pelotão responsável por novos recrutas e refutava... as alegações". Salwa e Bassam Aramin, pais palestinos, também estavam ali. Corriam lágrimas na face de Salwa. A sua filha de dez anos, Abir Aramin, fora morta por um soldado israelense que disparou uma bala de borracha à sua pequena cabeça quando estava junto a um quiosque a comprar doces com a sua irmã. Os juízes pareciam aborrecidos e um deles observou que soldados israelenses raramente eram acusados, assim seria melhor esquecer isso. O conselho de estado riu. Isto era normal.
"Nossos filhos", afirmou Nurit num comício em Dezembro último para assinalar o aniversário do assalto israelense à Gaza, "aprenderam este ano que todas as desgostantes qualidades que os anti-semitas atribuem aos judeus estão realmente manifestadas entre os nossos líderes: o logro, a cobiça e o assassínio de crianças... Que valores de beleza e bondade podemos nós extrair de um refinado aparelho de lavagem cerebral e distorção da realidade?"
Rami conta-me agora que afinal de contas o Tribunal Superior decidiu investigar o caso de Abir Aramin. Isto não é normal: é uma vitória.
"Onde estão as outras vitórias?", perguntei-lhe.
"Nos Estados Unidos no ano passado, um palestino e eu falámos cinco vezes num dia frente a milhares de pessoas. Há uma grande mudança na opinião pública americana e é aqui que jaz a esperança. Só pela pressão vinda de foram de Israel – especialmente de judeus – é que terminará este pesadelo. O povo no Ocidente deve saber que enquanto houver silêncio, este olhar para o lado, este abuso profano dos críticos de Israel como anti-judeus, ele não está a ser diferente daqueles que se posicionaram à margem durante os dias do Holocausto".
Desde o assalto de Israel ao Líbano em 2006, da sua devastação de Gaza em 2008-09 e do recente assassínio político da Mossad no Dubai, tem sido impossível disfarçar a criminalidade do estado de Israel. Em 11 de Fevereiro, o influente Reut Institute em Tel Aviv relatou ao Gabinete israelense, o qual ele aconselha, que a violência para atingir os fins de Israel havia fracassado e havia produzido uma revulsão mundial. "Na operação de Gaza do ano passado", dizia o relatório, "nosso poder militar superior foi compensado por uma ofensiva sobre a legitimidade de Israel que levou a um retrocesso significativo da nossa posição internacional e constrangerá o futuro planeamento militar israelense e as suas operações..." Por outras palavras, a prova do assassínio, o dobre racista do sionismo foi uma epifania para muitas pessoas; a justiça para os palestinos, escreveu o músico o músico israelense expatriado Gilad Altzmon, está agora "no cerne da batalha por um mundo melhor".
Contudo, seus companheiros judeus em países ocidentais, particularmente na Grã-Bretanha e Austrália, cuja influência é crítica, ainda estão sobretudo silenciosos, ainda olha para o lado, ainda aceitam, como disse Nurit, "a lavagem cerebral e a distorção da realidade". Mas a responsabilidade de falar abertamente não podia ser mais clara e as lições da história – história da família para muitos – asseguram que se tornam culpáveis se o seu silêncio persistir. Como inspiração, recomendo a coragem moral de Rami e Nurit.
Fonte: Resistir.info.