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John Pilger

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Em coluna

Uma guerra mundial começou – rompa o silêncio

John Pilger - Publicado: Sexta, 25 Março 2016 12:53

Tenho estado a filmar nas Ilhas Marshall, as quais ficam a Norte da Austrália, no meio do Oceano Pacífico.


Sempre que conto a alguém onde estive ela pergunta: "Onde é isso?". Se lhe dou uma pista mencionando "Biquini", ela diz: "Você quer dizer fato de banho".

Poucos têm consciência de que o fato de banho biquíni foi assim chamado para celebrar as explosões nucleares que destruíram a Ilha Biquíni. Sessenta e seis dispositivos nucleares foram explodidos pelos Estados Unidos nas Ilhas Marshall entre 1946 e 1958 – o equivalente a 1,6 bombas de Hiroshima por dia durante doze anos.

Biquíni está silenciosa hoje, mutada e contaminada. Palmeiras crescem numa estranha formação em grelha. Nada se move. Não há pássaros. As lápides no antigo cemitério estão activas com radiação. Meus sapatos registaram "não seguro" num contador Geiger.

Estendido na praia, observei o verde-esmeralda do Pacífico desaparecer gradualmente num vasto buraco negro. Era a cratera deixada pela bomba de hidrogénio a que eles chamaram "Bravo". A explosão envenenou pessoas e seu ambiente por centenas de quilómetros, talvez para sempre.

Na minha jornada de retorno parei no aeroporto de Honolulu e note uma revista americana chamada Women's Health. Na capa havia uma mulher sorridente num biquíni e o título: "Você também pode ter um corpo de biquíni". Poucos dias antes, nas Ilhas Marshall, eu havia entrevistado mulheres que tinha "corpos de biquíni" muito diferentes, cada uma delas havia sofrido da tiróide e outros cancros ameaçadores.

Ao contrário da mulher sorridente na revista, todas elas foram empobrecidas: as vítimas e cobaias de uma super-potência predadora que hoje é mais perigosa do que nunca.

Conto esta experiência como uma advertência e para interromper um diversionismo que consumiu muitos de nós. O fundador da propaganda moderna, Edward Bernays, descreveu o fenómeno como "a manipulação consciente e inteligente dos hábitos e opiniões" de sociedades democráticas. Chamou a isto "governo invisível".

Quantas pessoas estão conscientes de começou uma guerra mundial? No momento, é uma guerra de propaganda, de mentiras e de diversionismo, mas isto pode mudar instantaneamente com a primeira ordem errada, o primeiro míssil.

Em 2009 o presidente Obama estava de pé diante de uma multidão adorável no centro de Praga, no coração da Europa. Ele comprometeu-se a tornar "o mundo livre de armas nucleares". O povo aplaudia e alguns choraram. Uma torrente de platitudes inundou os media. A seguir foi concedido a Obama o Prémio Nobel da Paz.

Era tudo falso. Ele estava a mentir.

A administração Obama construiu mais armas nucleares, mais ogivas nucleares, mais sistemas de entrega de cargas nucleares, mais fábricas nucleares. Só os gastos com ogivas nucleares sob Obama ultrapassam os de qualquer presidente americano. O custo ao longo de trinta anos é de mais de US$1 milhão de milhões (trillion).

É planeada uma mini bomba nuclear. É conhecida como a B61 Modelo 12. Nunca houve qualquer coisa como isto. O general James Cartwright, um antigo vice-presidente da Joint Chiefs of Staff, declarou: "Tornar a arma nuclear mais pequena [faz a sua utilização] mais pensável.

Nos últimos dezoito meses, a maior acumulação de forças militares desde a Segunda Guerra Mundial – liderada pelos Estados Unidos – está a verificar-se ao longo da fronteira ocidental da Rússia. Nunca desde que Hitler invadiu a União Soviética tropas estrangeiras apresentaram uma ameaça tão demonstrável à Rússia.

A Ucrânia – outrora parte da União Soviética – tornou-se um parque de diversões da CIA. Tendo orquestrado um golpe em Kiev, Washington efectivamente controla um regime que é vizinho e hostil à Rússia: um regime apodrecido por nazis, literalmente. Eminentes figuras parlamentares na Ucrânia são os descendentes políticos dos notórios OUN e UPA fascistas. Eles louvam Hitler abertamente e clamam pela perseguição e expulsão da minoria que fala russo.

Isto raramente é noticiado no ocidente, ou é invertido para suprimir a verdade.

Em Latvia, Lituânia e Estónia – vizinhas da Rússia – os militares estado-unidenses estão a instalar tropas de combate, tanques, armas pesadas. Esta provocação extrema da segunda potência nuclear do mundo é recebida com silêncio no ocidente.

O que torna a perspectiva da guerra nuclear ainda mais perigosa é uma campanha paralela contra a China.

É raro o dia em que a China não seja elevada ao status de "ameaça". Segundo o almirante Harry Harris, o comandante estado-unidense do Pacífico, a China está "a construir uma grande muralha de areia no Mar do Sul da China".

Ele está a referir-se às pistas de aterragem que a China está a construir nas Ilhas Spratly, as quais são objecto de disputa com as Filipinas – uma disputa sem prioridade até que Washington pressionou e subornou o governo em Manila e o Pentágono lançou uma campanha de propaganda chamada "liberdade de navegação".

O que significa realmente isso? Significa liberdade para navios de guerra americanos patrulharem e dominarem as águas costeiras da China. Tente imaginar a reacção americana se navios de guerra chineses fizessem o mesmo ao largo da costa da Califórnia.

Fiz um filme chamado "A guerra que você não vê" ("The War You Don't See"), no qual entrevistei notáveis jornalistas na América e Grã-Bretanha: repórteres tais como Dan Rather da CBS, Rageh Omar da BBC, David Rose do Observer.

Todos eles disseram que se jornalistas tivessem feito sua tarefa e questionado a propaganda de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa; que se as mentiras de George W. Bush e Tony Blair não tivessem sido ampliadas e reflectidas por jornalistas, a invasão de 2003 do Iraque poderia não ter acontecido e centenas de milhares de homens, mulheres e crianças hoje estariam vivos.

A propaganda que prepara o terreno para uma guerra contra a Rússia e/ou a China em princípio não é diferente. Que eu saiba, nenhum jornalista nos media de referência do ocidente – um equivalente de Dan Rather, digamos – pergunta porque a China está a construir pistas de aterragem no Mar do Sul da China.

A resposta deve ser claramente óbvia. Os Estados Unidos estão a cercar a China com uma rede de bases, com mísseis balísticos, grupos de batalha, bombardeiros armados com ogivas nucleares.

O arco letal estende-se desde a Austrália até as ilhas do Pacífico, as Mariana e as Marshalls e Guam, até as Filipinas, Tailândia, Okinawa, Coreia e através da Eurásia para o Afeganistão e a Índia. A América tem um nó corrediço em torno do pescoço da China. Isto não é notícia. Silêncio dos media; guerra dos media.

Em 2015, em alto segredo, os EUA e a Austrália encenaram o maior exercício militar aéreo e marítimo da história recente, conhecido como Talisman Sabre. Seu objectivo era ensaiar o Plano de Batalha Ar-Mar, bloqueando rotas marítimas – tais como os Estreitos de Malaca e os Estreitos Lombok – que tolhem o acesso da China a petróleo, gás e outras matérias-primas vitais do Médio Oriente e África.

No circo conhecido como campanha presidencial americana, Donald Trump está a ser apresentado como um lunático, um fascista. Ele certamente é odioso; mas também é uma figura odiada pelos media. Isto só por si deveria despertar nosso cepticismo.

As visões de Trump sobre migração são grotescas, mas não mais grotescas do que aquelas de David Cameron. Não é Trump quem é o Grande Deportador dos Estados Unidos, mas o vencedor do Prémio Nobel da Paz, Barack Obama.

Segundo um assombroso comentador liberal, Trump está "desencadeando as negras forças da violência" nos Estados Unidos. Desencadeando-as?

Este é o país onde crianças pequenas alvejam suas mães e a polícia trava uma guerra assassina contra americanos negros. Este é o país que atacou e procurou derrubar mais de 50 governos, muitos deles democracias, e bombardeou desde a Ásia até o Médio Oriente, causando a morte e privações a milhões de pessoas.

Nenhum país pode igualar este registo sistémico de violência. A maior parte das guerras da América (quase todas elas contra países indefesos) foram lançadas não por presidentes republicanos mais sim por democratas liberais: Truman, Kennedy, Johnson, Carter, Clinton, Obama.

Em 1947, uma série de directivas do National Security Council descreveu o objectivo supremo da política externa americana como "um mundo feito substancialmente sobre a própria imagem [da América]". Esta ideologia era o americanismo messiânico. Éramos todos americanos. Se não, heréticos seriam convertidos, subvertidos, subornados, enlameados ou esmagados.

Donald Trump é um sintoma disto, mas também é independente. Ele diz que a invasão do Iraque foi um crime; ele não quer ir à guerra com a Rússia e a China. O perigo para os restantes de nós não é Trump, mas sim Hillary Clinton. Ela não é independente. Ela corporifica a resiliência e violência de um sistema cujo louvado "excepcionalismo" é totalitário com uma ocasional cara liberal.

Quando o dia da eleição presidencial estiver mais próximo, Clinton será louvada como a primeira mulher presidente, pouco importando os seus crimes e mentiras – assim como Barack foi louvado como o primeiro presidente negro e liberais engoliram suas tolices acerca da "esperança". E a verborreia prossegue.

Descrito pelo colunista do Guardian, Owen Jones, como "divertido, encantador, com uma serenidade que engana praticamente todos os outros políticos", Obama a seguir enviava drones para massacrar 150 pessoas na Somália. Ele mata pessoas habitualmente às terça-feiras, segundo o New York Times, quando lhe é entregue uma lista de candidatos à morte por drone. Tão sereno.

Na campanha presidencial de 2008 Hillary Clinton ameaçou "destruir totalmente" as armas nucleares do Irão. Como secretária de Estado de Obama, ela participou no derrube do governo democrático de Honduras. A sua contribuição para a destruição da Líbia em 2011 foi quase jubilosa. Quando o líder líbio, coronel Gaddafi, foi publicamente sodomizado com uma faca – um assassínio tornado possível pela logística americana – Clinton exultou com a sua morte: "Nós viemos, nós vimos, ele morreu".

Uma das mais próximas aliadas de Clinton é Madeleine Albright, a antiga secretária de Estado, a qual atacou as jovens por não apoiarem "Hillary". Esta é a mesma Madeleine Albright que de modo infame celebrou na TV a morte de meio milhão de crianças iraquianas como tendo "valido a pena".

Entre os maiores apoiantes de Clinton estão o lobby de Israel e as companhias de armas que alimentam a violência no Médio Oriente. Ela e seu marido receberam uma fortuna da Wall Street. E ainda assim ela está prestes a ser consagrada como a candidata das mulheres, para despedir o malvado Trump, o demónio oficial. Seus apoiantes incluem destacadas feministas: as comadres de Gloria Steinem nos EUA e de Anne Summers na Austrália.

Uma geração atrás, um culto pós moderno agora conhecido como "política da identidade" impediu muitas pessoas inteligentes, de orientação liberal, de examinarem as causas e indivíduos que apoiavam, tais como a falsidade de Obama e Clinton; tais como falsos movimentos progressistas como o Syriza na Grécia, que traiu o povo daquele país e aliou-se aos seus inimigos.

A auto-absorção, uma espécie de "eu-ismo", tornou-se o novo espírito da época entre privilegiados de sociedades ocidentais e assinalou a morte de grandes movimentos colectivos contra a guerra, a injustiça social, a desigualdade, o racismo e o sexismo.

Hoje, o longo sono pode estar a acabar. Os jovens estão a empolgar-se outra vez. Gradualmente. Os milhares na Grã-Bretanha que apoiam Jeremy Corbyn como líder trabalhista fazem parte deste despertar – como aqueles que se alinham para apoiar o senador Bernie Sanders.

Na semana passada na Grã-Bretanha, o mais próximo aliado de Jeremy Corbyn, seu tesoureiro sombra John McDonnell, comprometeu um governo trabalhista a liquidar as dívidas de bancos piratas e, com efeito, a continuar a chamada austeridade.

Nos EUA, Bernie Sanders prometeu apoiar Clinton se ou quando ela fosse nomeada. Também ele tem votado pela utilização da violência da América contra países quando pensa que isso é "correcto". Ele diz que Obama fez "um grande trabalho".

Na Austrália, há uma espécie de política mortuário, na qual tediosos jogos parlamentares são jogados nos media enquanto refugiados e indígenas são perseguidos e a desigualdade aumenta, juntamente com o perigo de guerra. O governo de Malcolm Turnbull acaba de anunciar um assim chamado orçamento de defesa de $195 mil milhões que é um impulso para a guerra. Não houve debate. Silêncio.

O que aconteceu à grande tradição de acção popular directa, não tolhida por partidos? Onde está a coragem, imaginação e compromisso exigidos para começar a longa travessia rumo a um mundo melhor, justo e pacífico? Onde estão os dissidentes na arte, nos filmes, no teatro, na literatura?

Onde estão aqueles que estilhaçarão o silêncio? Ou aguardaremos até que o primeiro míssil nuclear seja disparado?

Fonte: Resistir.


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