Segundo informou a Casa Branca: "Foi deixado um lugar vazio na área de convidados da Primeira Dama em representação das vítimas da violência com armas de fogo que já não têm voz. Porque precisam de nós para que falemos por eles. Para que contemos a sua história. Para que honremos a sua memória”.
Esse símbolo, o da cadeira vazia, convida à reflexão sobre quem mais não estava presente nessa prestigiosa galeria do Capitólio. Por exemplo, os imigrantes sem-papéis detidos nas rusgas levadas a cabo no Ano Novo pelo Serviço de Imigração e Fronteiras dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês). Centenas, ou talvez milhares de pessoas (não foi dado a conhecer o número), a maioria delas provenientes de países centro-americanos como Honduras, Guatemala e El Salvador, foram presas em rusgas feitas em todo o país. Famílias inteiras, mães solteiras com filhos e pessoas sozinhas, que em muitos casos fugiram dos seus países de origem para salvar as suas vidas, foram detidas por agentes federais armados e colocadas à espera de serem deportadas.
Questionei a congressista do Maryland Donna Edwards, atualmente candidata ao Senado, sobre as rusgas do ICE. Disse-me: “Considero que é irresponsável esta forma extrema de fazer cumprir a lei nas comunidades, que, no distrito eleitoral que represento, está a gerar tanto medo nas comunidades que as crianças não vão à escola e as pessoas não vão trabalhar por medo de serem vistos e identificados nas suas comunidades”. As campanhas do senador Bernie Sanders e da ex-secretária de Estado Hillary Clinton fizeram eco do sentir da congressista Edwards.
As rusgas provocaram manifestações de protesto em todo o país. Na passada sexta-feira, sete pessoas foram presas na cidade de Nova York em frente à sede local do ICE, depois de se terem atado umas às outras e de terem cortado o trânsito. Entre os presos encontrava-se Claudia Palácios. A sua história é digna de ser contada. Palácios nasceu no Texas e trabalhou durante cinco anos na Marinha dos Estados Unidos. Passou dois anos em Okinawa e vários anos em diversas partes do mundo na Brigada Expedicionária de Infantaria da Marinha. Ainda que tenha servido honrosamente o seu país, esta veterana do Exército nascida nos Estados Unidos tem problemas de documentação.
A sua mãe era indocumentada. Como muitas mulheres grávidas na sua situação, tinha medo de ir a um hospital. Claudia nasceu com a ajuda de uma parteira num parque de estacionamento para caravanas. A sua certidão de nascimento foi assinada pela parteira. Claudia Palácios contou à Democracy Now!: “O Exército considerou válida a minha certidão de nascimento e pude entrar ao serviço. Uma vez que entrei em atividade, solicitei o passaporte ao Departamento de Estado, mas eles não aceitaram a minha certidão de nascimento”. Agora, fora da Marinha, sem o seu documento de identidade do Exército dos Estados Unidos e sem passaporte, Palácios disse-nos: "Basicamente, sou uma apátrida. Não posso sair do meu país”.
O lugar vazio estava à direita da Primeira Dama. À sua esquerda, sentou-se o veterano de guerra condecorado Oscar Vazquez. O mesmo comunicado de imprensa da Casa Branca que descrevia o significado da cadeira vazia, explicava que Vasquez “chegou aos Estados Unidos em criança à procura de uma vida melhor. Desde os doze anos de idade, quando mudou do México para Phoenix, Arizona, Oscar foi um destacado estudante. Mas sem estatuto legal, não pôde obter um emprego que lhe permitisse manter a sua esposa e o seu filho recém nascido". Uma vez que lhe deram o cartão de residência permanente, segundo continuava a sua biografia: "Oscar ingressou no Exército para servir o país que ama e o qual considera o seu lar. Oscar cumpriu um período de serviço no Afeganistão e é atualmente um orgulhoso cidadão norte-americano”.
Claudia Palácios considera insuficiente a presença de Vasquez no palco: “Acho que é uma farsa levá-lo como convidado, como convidado de honra, ao discurso sobre o Estado da União e depois nem sequer fazer menção sobre a imigração e sobre a forma como vamos abordar este assunto ou a forma como vamos dar refúgio às pessoas que se encontram ameaçadas”.
As vítimas da violência com armas de fogo merecem ter um lugar, merecem que as suas histórias sejam contadas e o Presidente tem de ser elogiado pela posição que tem adotado sobre esta questão. Mas as pessoas que chegam a este país fugindo da violência com armas de fogo, quer sejam da América Central, da Síria, Afeganistão ou Iraque, também merecem ser reconhecidas e acolhidas. Isso dará solidez à União.
Artigo publicado em Democracy Now a 14 de janeiro de 2016. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística. Texto em inglês traduzido por Fernanda Gerpe para espanhol para Democracy Now. Tradução para português de Carlos Santos/Esquerda.net.