Derrubar o governo bolivariano é uma velha obsessão do governo dos Estados Unidos, e para isso não tem tido nem limites nem escrúpulo algum. Até agora, sua ofensiva somente tinha encontrado um sócio disposto a avançar por esse escabroso caminho: o narcopolítico colombiano Álvaro Uribe. Juan M. Santos, que o sucedeu no Palácio Nariño, não se prestou a jogo tão perigoso. Mais ainda, o conservador presidente colombiano não se cansa de agradecer à Venezuela por sua colaboração no processo de paz em andamento em Havana. Macri parece ignorar essas sutilezas da política internacional e ser um homem temerário e de memória frágil, combinação perigosa quando ocorre. É preciso lembrá-lo que a submissão total ao império já foi praticada na Argentina durante o período de Menem com o nome de “relações carnais”, e que o país pagou com sangue tamanha insensatez. Não se entende porque ele haveria de repetir tamanho desatino, salvo para dar cumprimento a um acordo secreto com a Casa Branca, cuja contrapartida com certeza não tardaremos em conhecer.
Também parece que Macri tampouco foi informado de que no dia 28 de outubro passado a República Bolivariana da Venezuela foi reeleita para integrar o Conselho de Direitos Humanos da ONU. A Assembléia Geral da organização aprovou essa resolução com 131 votos de um total de 192 membros. Formular as acusações que Macri fez passando ao largo de um dado tão significativo como esse, que ratifica a presença da Venezuela num organismo no qual participam países como a França, Estados Unidos, Alemanha e Japão é no mínimo um ato de irresponsabilidade gritante ou demonstração de um perigoso amadorismo na condução de relações internacionais. Por acaso ele acredita que os países do Mercosul irão acompanhar seu arrebatamento anti-bolivariano? Ignora que as decisões do Mercosul requerem o consenso de todos os seus membros? Para começar, o chanceler uruguaio Rodolfo Nin Novoa se apressou em declarar que seu país “não vê razão para aplicar a cláusula democrática à Venezuela no Mercosul”. Também é mais provável que o governo brasileiro siga o mesmo caminho, caso em que as ameaças de Macri cairão, produto da sua inviabilidade política.
Voltando ao caso dos opositores políticos na Venezuela, que diria Macri se nos próximos dias, seguindo o exemplo de Rodolfo Lopes, Daniel Scioli tornasse público seu não reconhecimento dos resultados eleitorais e pouco depois do dia 10 de dezembro intensificasse essa campanha mobilizando contatos internacionais e incentivando, cada vez com mais força, ações violentas exigindo “a saída” extra-constitucional de um “governo ilegítimo”, apelando a procedimentos vetados pela constituição e pelas leis da república? Nesse caso, chamaria Scioli de “opositor político” ou o qualificaria em função das normas vigentes como um político que incide em delito de sedição, que neste país tem uma pena que oscila entre cinco e vinte e cinco anos de prisão? A legislação venezuelana é similar à argentina, e ambas à dos Estados Unidos, onde esse delito tem uma penalização que em certos casos chega à prisão perpétua ou pena de morte. Na realidade, López, cuja mulher esteve na noite de domingo nas comemorações no bunker do Cambiemos, não é um “dissidente político” injustamente perseguido pelo governo bolivariano. É o cabeça de uma tentativa de derrotar o governo surgido através de eleições em um sistema que o ex-presidente Jimmy Carter disse que “era mais confiável e transparente que o nosso”. Para isso, ele contou com a colaboração de Uribe para recrutar um numeroso grupo de mercenários camuflados como “heróicos jovens universitários” que lutavam valentemente para restaurar as liberdades suprimidas em seu país. Lançados às ruas para impulsionar a “saída” de Maduro e a derrubada da ordem institucional vigente, fizeram uso de todas as formas imagináveis de violência que possam existir, de incêndios em escolas e creches até a destruição dos meios de transporte públicos e privados, combinados com ataques violentos à universidades e centros de saúde, levantamento de “guarimbas” (barricadas a partir das quais se controlavam os movimentos da população, agredindo-se e assassinando-se impunemente os que ousassem desafiar sua prepotência), e assassinatos vários. Como produto desse vandalismo, morreram 43 pessoas, a maioria delas simpatizantes chavistas ou pessoal das forças de segurança do Estado. Tempos depois, descobriu-se que boa parte dos “guarimberos” eram paramilitares colombianos e que quase não havia universitários envolvidos nesses funestos acontecimentos. A justiça da “ditadura chavista” o condenou a uma pena de 13 anos, 9 meses, 7 dias e 12 horas de reclusão.
Descontente com a transição pós-franquista na Espanha, o tenente-coronel Antonio Tejero Molina também quis alterar a ordem constitucional tomando de assalto o Congresso dos Deputados espanhol. Em sua cruzada restauradora, o “tejerazo” não produziu uma só morte e nem houve perdas materiais de nenhum tipo a lamentar. Contudo, a justiça espanhola o sancionou com 30 anos de prisão, expulsão do Exército, perda de sua patente militar e inabilitação durante o tempo de sua condenação. Ninguém o considerou um opositor político, mas sim um militar sedicioso. O caso de López é pior, pelo muito sangue derramado por sua culpa e pela destruição de bens provocada pela sua apologia da violência, e apesar de tudo isso, a justiça venezuelana foi insolitamente branda. Contudo, Macri não vê as coisas assim e o continua considerando um opositor maltratado por um poder despótico. É um mau começo em matéria de política externa, e um passo preocupante no sentido de avançar na ”reformatação” neoliberal do Mercosul, outra velha ambição dos Estados Unidos, para fazê-lo confluir para a Aliança do Pacífico e a União Européia dirigida pela Troika.
Tradução: Renzo Bassanetti.
Fonte: blog do autor. Em português: Blog do Gilson Sampaio.