Primeiro, devemos notar que o modelo de extração de capital agrário-mineral como base da Economia, já se esgotou há tempos – como já disse aqui [2]. A ideia de que podem compartilhar as grandes rendas entre capitalistas, financistas, trabalhadores pensionistas, é um modelo que se esgotou há tempos e é preciso escolher entre operários, trabalhadores e empregados ou capitalistas.
Nesse sentido, os governos auto-intitulados progressistas não queriam enfrentar esta realidade e começaram a perder apoio entre os setores populares e, particularmente, da classe média, como ocorreu no Brasil, Argentina, Uruguai e atualmente na Venezuela, além de outros países.
Então, ante o fato da deterioração começar a afetar o bolso e a inflação começar a despertar, podemos dizer que a ideia de que é necessário ir mais adiante do populismo e do nacionalismo, para o socialismo, estava sobre a agenda. E quando os governantes desses países não tomaram esse caminho, prepararam o caminho para a volta da direita, que se aproveita das dificuldades econômicas que afetam setores populares e – obviamente – com o grande respaldo do capital nacional e internacional.
Foi isso que aconteceu na Argentina.
Agora, este esgotamento deixou o país polarizado em uma forma indireta. Claramente (Daniel) Scioli não representava uma alternativa socialista nem progressista no sentido popular. Porém, o país ficou sumamente polarizado e em nenhum sentido (Mauricio) Macri tem um mandato para estas medidas extremistas que está preparando.
Devemos esperar que Macri lance uma ofensiva forte, começando com a nomeação de seu gabinete. Segundo escutamos em Wall Street, está preparando uma equipe com (Domingo) Cavallo e os ultra-neoliberais mais agressivos.
Então, esse gabinete será a primeira medida que mostrará a face ultradireitista.
Já os grandes capitais daqui estão esperando as privatizações, a liberalização, estão preparando as maletas para uma invasão capitalista internacional imperialista à Argentina. Um imperialismo por convite.
E Macri – não há nenhuma dúvida – vai adotar medidas que rumam para a desvalorização do peso argentino, o que resultará em uma grande perda do poder de consumo dos trabalhadores na Argentina, porém favorecerá absurdamente os setores financeiros.
Em segundo lugar, os cortes fiscais, o que vai provocar uma grande queda no que recebem os beneficiários das pensões, os funcionários públicos e qualquer outro setor social que receba alguma transferência pública.
Isso também tem enormes repercussões porque, como dissemos, a sociedade argentina se polarizou. E uma coisa muito peculiar é que os argentinos de todas as classes têm a tendência de se queixar de tudo. Queixam-se do futebol, queixam-se dos governantes, etc. Algumas vezes têm razão, porém outras vezes perdem de vista as consequências de repudiar algo sem considerar o que vai surgir.
Neste caso, podemos dizer que um setor popular e, particularmente, a classe média, decidiu cair na armadilha da “mudança”, sem saber exatamente o que significa essa mudança.
E mais uma coisa, se os argentinos são queixosos também sabem lutar pelas coisas que afetam seu bolso. Então, os mesmos que votaram em Macri – ou ao menos alguns – são os mesmos que sairão às ruas uma vez que o impacto social e econômico começar a afetar seu bolso, sua renda, seus empregos, as possibilidades de conseguir algum seguro, etc.
Creio que isto detonará a luta de classes mais feroz que vimos nos últimos tempos, despertará essa capacidade de greves gerais que somente encontramos na Argentina e, talvez, no Uruguai. E esse também será um grande obstáculo para Macri poder realizar suas políticas. Trata-se de continuar apesar dos conflitos, apesar da resistência, poderia chegar a ser algo muito grave.
Ou seja, a classe trabalhadora mais ou menos adormecida durante o período de Néstor Kirchner e Cristina Fernández, vai despertar abruptamente e veremos uma intensificação da luta de classes em todo sentido.
Esse é um prognóstico para os que estão chorando agora pelo esgotamento do modelo progressista. Era inevitável porque todo modelo progressista não era progressista. Era uma política econômica muito contraditória e as fundações eram reacionárias, apesar da política de bem-estar social ser positiva. As fundações eram bastante reacionárias porque o eixo eram os agrários-mineradores, a grande mineração, a grande agricultura, os exportadores e os financistas.
E agora, com Macri, a coincidência entre setores reacionários e governo vai fomentar enormes conflitos. E eu acredito que dentro de seis meses veremos outra conjuntura. As festas de Macri de hoje vão terminar nas ruas, com outro tipo de atividade que não é exatamente abrindo champanhe e dançando sobre o palco.
Veremos outro tipo de confrontação, “piqueteros” e outras formas de resistência [3].
Notas:
[1] Reposta para a pergunta de Efraín Chury Iribarne da Rádio CX36: A ultra-direita ganhou as eleições na Argentina neste domingo e anunciou que tentará expulsar a Venezuela do Mercosul, que negociará com os fundos abutres e voltará ao FMI. Queríamos escutar sua análise sobre isto.
[2] Áudio da entrevista aqui.
[3] Análise feita no dia 23 de novembro, um dia após a vitória de Macri na Argentina.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Fonte: Rádio CX36 - Radio Centenário de Montevidéu (Uruguai).