Passaram mais de 15 anos do dia em que as ruas de Seattle se encheram de gases lacrimogéneos na repressão das dezenas de milhares de pessoas que se manifestavam contra a cimeira ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). Aquela semana de protestos, no final de 1999, passou à história como “A batalha de Seattle”, dado que ativistas de base e movimentos sociais conseguiram impedir que os líderes mundiais (ministros de Comércio de vários governos e altos executivos de transnacionais) reunissem para assinar um acordo mundial de comércio que muitos sustentavam que era profundamente antidemocrático e prejudicial aos direitos dos trabalhadores, ao ambiente e aos povos indígenas, em todo mundo.
Nas últimas semanas, uma ampla coligação de organizações populares tem estado a travar uma nova Batalha de Seattle contra a gigante petrolífera Shell. Tanto cidadãos como representantes eleitos que se opõem aos planos da Shell, de iniciar atividades de perfuração à procura de petróleo no Oceano Ártico, lançaram-se à água em Seattle para tentar impedir a partida da grande plataforma petrolífera Polar Pioneer para o seu destino no Ártico. Enquanto as empresas de combustíveis fósseis intensificam a exploração do petróleo no mundo, milhares de ativistas, bem como também o Papa, fazem ouvir as suas vozes sobre os efeitos catastróficos das alterações climáticas, como nunca antes tinha acontecido.
A plataforma Polar Pioneer chegou ao Estreito de Puget em meados de maio para uma paragem técnica antes de zarpar para o mar de Chukotka no Oceano Ártico. A Royal Dutch Shell alugou a plataforma à Transocean, a empresa cuja plataforma petrolífera Deepwater Horizon provocou a desastrosa explosão e derramamento de petróleo no Golfo de México há cinco anos. Quando a plataforma foi rebocada para o terminal do Porto de Seattle, a primeira vaga da chamada “Frota Mosquito” lançou-se a remo para a bloquear. A frota de protesto é integrada por “kayakativistas”: pessoas que navegam em pequenos kayaks para estabelecer um bloqueio, similar ao que os manifestantes em 1999 fizeram ao darem os braços e formarem uma cadeia humana nas chuvosas ruas de Seattle para impedir a passagem dos delegados que tentavam assistir à Conferência Ministerial da OMC.
Para horror de muitos, o Presidente Barack Obama aprovou a exploração de petróleo no Ártico. Subhankar Banerjee, um conhecido fotógrafo, escritor e ativista que dedicou os últimos 15 anos a trabalhar na conservação do Ártico, qualificou o Governo de Obama de “irresponsável e imprudente”. Banerjee declarou: “O governo acaba de aprovar planos de exploração para que a Shell perfure [o Ártico] neste verão, de julho a outubro. Trata-se da autorização mais importante que a Shell necessita, mas não a única. A Shell ainda precisa obter autorizações da NOAA [Administração Nacional Oceânica e Atmosférica], do Serviço de Pesca e Vida Selvagem e de outros organismos federais. É por isso que os ativistas estão a fazer tudo o que podem para impedir que algumas destas autorizações sejam dadas, porque é uma decisão imprudente”.
Até o lendário músico Paul McCartney falou do tema. No prólogo ao novo livro contra a perfuração no Ártico do ativista da Greenpeace Ben Stewart, McCartney escreveu: “À medida que o gelo recua, as gigantes petrolíferas avançam. Em lugar de ver o derretimento dos gelos continentais como uma grave advertência à humanidade, têm os olhos postos no petróleo que se encontra por baixo do leito marinho no Polo Norte, que até agora era inacessível. Estão a aproveitar-se do desaparecimento do gelo para extrair o petróleo que causou o degelo”.
Finalmente, a plataforma Polar Pioneer conseguiu escapar do Estreito de Puget. Quando a plataforma ingressou no alto mar a partir da costa da ilha de Vancouver no Canadá, a Greenpeace Canadá enviou barcos insufláveis. A ativista indígena Audrey Siegl, da Primeira Nação Musqueam, pôs-se de pé na proa do pequeno barco e levantou as mãos num gesto que indicava a ordem de parar. Entretanto, outras duas pessoas nadavam no mar, em frente ao gigantesco navio da Shell, enquanto sustentavam um cartaz com o título: “O povo ou o petróleo”.
Mais ao norte, no Alasca, ambientalistas, povos indígenas e pescadores estão a unir esforços para impedir um exercício de treino da Marinha dos Estados Unidos denominado “Northern Edge”. De acordo com as informações, a Marinha está a enviar para o Golfo do Alasca milhares de marinheiros e outros oficiais da marinha, para além de vários navios da Marinha, centenas de aeronaves, artilharia pesada e um submarino para a realização de exercícios militares. A Marinha também tem autorização para utilizar centenas de milhares de quilos de bombas e outras munições que contaminam o água e perturbam a vida marinha. O jornalista do “Truthout” Dahr Jamail escreveu: “As águas do Golfo do Alasca são das mais puras do mundo”. Jamail disse no programa da Democracy Now!: “A cidade de Cordova aprovou uma resolução em que se opõe diretamente aos exercícios navais, tal como a câmara da cidade de Kodiak, no Alasca. Os pescadores de toda a região costeira do Alasca que será afetada pelo exercício estão indignados com a situação. Há umas semanas fomos testemunhas de uma frota de mais de 150 barcos em Cordova. Cerca de uma ou duas semanas depois disso, apareceu outra grande frota de pescadores próximo de Kodiak”.
Há 15 anos, foram os complexos e interrelacionados problemas do comércio mundial que deram lugar à criação de uma coligação histórica nas ruas de Seattle, agora são as alterações climáticas provocadas pelo homem. A ameaça está a ser enfrentada por uma multidão que resiste, entre a qual o Papa Francisco, cuja nova encíclica sobre o ambiente apela a uma ação concertada para combater o aquecimento global.
Se o Papa e os remadores ativistas se unem, isso significa que a mudança não deve estar longe.
Artigo publicado em Democracy Now em 17 de junho de 2015. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol para Truthdig. Tradução para português de Carlos Santos/Esquerda.net.