Houve, porém, alguns reflexos institucionais desta Guerra Fria, em cada um dos quais foram os Estados Unidos, e não a URSS, a dar o primeiro passo. Em 1949, os três países ocidentais que ocupavam a Alemanha combinaram as suas zonas para criar a República Federal Alemã (RFA) como Estado. A União Soviética respondeu reestruturando a sua zona como República Democrática Alemã (RDA).
Em 1949, a NATO foi criada por 12 nações. Em 5 de maio de 1955, as três potências ocidentais terminaram oficialmente a sua ocupação da RFA, reconhecendo-a como um estado independente. Quatro dias depois, a RFA foi admitida como membro da NATO. Em resposta, a URSS estabeleceu a Organização do Tratado de Varsóvia e incluiu a RDA como um dos seus membros.
Era suposto que o tratado que criou a NATO fosse aplicado apenas no interior da Europa. Um motivo era que os países europeus ainda tinham colónias fora da Europa e não queriam permitir que qualquer agência tivesse autoridade de intervir diretamente nas suas decisões políticas a respeito destas colónias. Os momentos de aparente confronto tenso entre os dois lados – o bloqueio de Berlim, a crise dos mísseis cubanos – terminaram com uma saída de status quo ante. A mais importante invocação dos tratados para se envolver numa ação militar foi a da URSS para atuar dentro da sua própria zona, contra acontecimentos que consideraram perigosos para a URSS – Hungria em 1956, Checoslováquia em 1968, Polónia em 1981. Os Estados Unidos intervieram politicamente, em circunstâncias semelhantes, tais como a entrada potencial do Partido Comunista Italiano no governo da Itália.
Este breve relato aponta para o objetivo real da Guerra Fria. A Guerra Fria não supunha a transformação das realidades políticas do outro lado (exceto nalgum momento longínquo do futuro). A Guerra Fria era um mecanismo para permitir que cada lado mantivesse os seus satélites sob controlo, mantendo ao mesmo tempo o acordo de facto das duas potências em torno da partição de longo prazo do globo em duas esferas, um terço para a URSS e dois terços para os Estados Unidos. Cada lado deu prioridade à garantia de não utilização de força militar (especialmente armas nucleares) contra o outro. Esta atitude ficou conhecida como a garantia contra a "destruição mutuamente assegurada".
O colapso da URSS em dois estágios – a retirada da Europa do Leste em 1989 e a dissolução formal da URSS em 1991 – devia ter significado em teoria o fim de qualquer função da NATO. Na verdade, é bem conhecido que, quando Mikhail Gorbachov da URSS concordou com a incorporação da RDA na RFA recebeu a promessa de que não haveria a inclusão dos estados do Pacto de Varsóvia na NATO. Esta promessa foi violada. Em vez disso, a NATO assumiu inteiramente um novo papel.
Depois de 1991, a NATO outorgou a si mesma o papel de polícia mundial para tudo o que considerasse serem soluções políticas para problemas mundiais. O primeiro grande esforço deste tipo ocorreu no conflito Sérvia/Kosovo, no qual o governo dos EUA jogou o seu peso a favor do estabelecimento de um estado do Kosovo e de uma mudança de regime na Sérvia. Em seguida, houve outros esforços – no Afeganistão em 2001 para expulsar os taliban, no Iraque em 2003 para mudar o regime de Bagdade, em 2014 para combater o Estado Islâmico no Iraque e na Síria e em 2013-2014 para apoiar as chamadas forças pró-ocidentais da Ucrânia.
Na verdade, foi difícil aos Estados Unidos usar a própria NATO. Por um lado, porque havia vários tipos de relutâncias de estados-membro da NATO acerca de ações empreendidas. Por outro, quando a NATO foi formalmente envolvida, como no Kosovo, os militares dos EUA sentiram-se constrangidos pela lenta decisão política no que diz respeito a ação militar.
Por que ocorreu então a expansão da NATO em vez da sua dissolução? Mais uma vez, isto tinha a ver com políticas intraeuropeias e o desejo de controlo dos EUA sobre os seus presumíveis aliados. Foi no regime de Bush que o então secretário da Defesa Donald Rumsfeld falou de uma "velha" e de uma "nova" Europa. Ao falar em velha Europa, referia-se especialmente à relutância de franceses e de alemães de concordarem com as estratégias dos EUA. Viu os países europeus ocidentais a afastarem-se das suas ligações aos Estados Unidos. Esta perceção estava realmente correta. Em resposta, os EUA esperavam cortar as asas dos europeus ocidentais introduzindo estados europeus orientais na NATO, que os EUA consideravam ser aliados mais confiáveis.
O conflito em torno da Ucrânia ilumina o perigo da NATO. Os EUA procuraram criar novas estruturas militares, obviamente mirando a Rússia, sob o pretexto de que se destinavam a contrapor-se a uma hipotética ameaça do Irão. À medida que avançava o conflito da Ucrânia, reviveu a linguagem da Guerra Fria. Os EUA usam a NATO para pressionar os países europeus ocidentais para aceitar ações antirrussas. E dentro dos EUA, o presidente Barack Obama está sob forte pressão para agir "à força" contra a chamada ameaça russa à Ucrânia, o que se combina com a grande hostilidade existente no Congresso norte-americano em relação a qualquer acordo com os iranianos sobre a questão nuclear.
As forças no interior dos Estados Unidos e na Europa ocidental que procuram evitar loucos riscos militares estão a ser superadas pelo que só pode ser chamado como o partido da guerra. A NATO e o que ela simboliza hoje representa um perigo severo devido à reivindicação dos países ocidentais do direito de interferir em qualquer lugar em nome das interpretações ocidentais das realidades geopolíticas. Isto só pode levar a mais, e altamente perigosos, conflitos. Renunciar à NATO como estrutura seria um primeiro passo em direção à sanidade e à sobrevivência do mundo.
Comentário Nº 389, 15 de novembro de 2014.
Tradução de Luis Leiria/Esquerda.net.