Tanto o Brasil, em vários momentos da sua história, como o Uruguai, sofreram as pressões das grandes potências colonialistas e, desde o século passado, dos Estados Unidos, que procuravam utilizar estes países (e o Chile) como peões contra a rebelde Argentina, que tem fortes tradições nacionalistas e inclusive recorrentes veleidades de potência regional.
Durante os oito anos (2003-2011) do governo de Luiz Inácio Lula dá Silva, e os de Dilma Rousseff, que cessará o seu mandato em 2015 e se candidatou à reeleição, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) levou a cabo uma política económica de tipo neoliberal de aliança com o grande capital estrangeiro e o agronegócio, mas com traços assistencialistas e planos sociais que, agora, quando a crise mundial aperta também o Brasil, a oligarquia local e o grande capital consideram um desperdício que afeta a sua taxa de lucro. No plano internacional, no entanto, e sobretudo na América do Sul, Lula, e em parte também Dilma Rousseff, mantiveram uma política de integração com os seus vizinhos, defendendo a sua independência.
O governo do PT agora está a ser atacado pela direita clássica, que juntou às suas forças importantes setores das novas classes médias conservadoras (desenvolvidas pelo próprio PT) e, à esquerda, pelo descontentamento social difuso e por uma extrema esquerda imatura e sectária que condena a política conciliadora com a grande capital do governo do PT sem se dar conta de que, ao não oferecer alternativas viáveis, trabalha na realidade para a direita e leva o país de mal a pior.
No Uruguai o primeiro governo da Frente Ampla, com o maçom Tabaré Vázquez como presidente da república, foi mais que moderado, teve uma política extrativista lesiva para o ambiente e foi marcado pela tensão com a Argentina e pelas constantes tentativas de assinar um tratado de livre comércio com os Estados Unidos. A ala de centro-direita presidida por Vázquez-Danilo Astori foi derrotada em 2008 no congresso da Frente Ampla, onde triunfou o centro, que impôs José Mujica como candidato a presidente; este também levou a cabo uma política antiambiental, impulsionou a grande mineração e entrou em choque com os sindicatos, mas ampliou os direitos civis e manteve uma política de defesa da América Latina. No entanto, apoia agora Vázquez na sua nova candidatura, que toma como modelo Bachelet ou Hollande, tem a resistência de boa parte dos militantes da Frente Ampla e não desperta simpatias nos setores urbanos mais pobres, o que dá possibilidades à direita histórica, em caso de segunda volta.
De modo que as ameaças à continuidade da integração latino-americana e do apoio a Venezuela e Cuba, e ao funcionamento sem problemas maiores do Mercosul, provêm da possibilidade de uma viragem à direita dos governos do Mercosul, no imediato no Brasil e no Uruguai, e em outubro de 2015 na Argentina. Sem dúvida, a crise mundial e os seus efeitos nesses países contribui poderosamente para esta mudança política, mas a direita não está mais forte porque cresça eleitoralmente (pelo contrário, os seus votos não aumentam e inclusive diminuem) mas porque as políticas neoliberais dos governos progressistas têm desiludido muitos dos seus antigos simpatizantes e desmoralizado e desmobilizado outros.
No Brasil, Dilma provavelmente ganhará por poucos pontos, e no Uruguai é muito possível que ganhe a Frente Ampla. Na Argentina também é previsível que em 2015 ganhe um candidato peronista muito mais à direita do que o governo kirchnerista actual. O importante será saber se esses vencedores centristas e conservadores poderão contar com uma maioria parlamentar sólida, como até agora, ou se se abrirá uma guerra de desgaste no Congresso e uma fase contínua de negociações, empates e compromissos podres e, sobretudo, que capacidade de mobilização popular poderá manter o núcleo duro do PT, da Frente Ampla ou kirchnerista, que conserve 25 por cento dos votos nos seus candidatos.
De facto, se no Brasil há uma importante ultra-esquerda sectária avessa a fazer política, não há no entanto uma forte esquerda no PT - que se burocratizou e desorganizou no governo - e o mesmo acontece na Frente Ampla uruguaia e na Argentina. Perante a ofensiva social de uma direita débil, mas cuja força principal consiste no apoio do grande capital estrangeiro, e perante o vazio de ideias e propostas para sair da crise capitalista pela esquerda, o essencial é medir bem qual é a situação e qual é a real disposição da maioria dos trabalhadores para combinar a resistência à inevitável ofensiva da direita com a construção de poder popular e local e de uma alternativa.
Artigo publicado em La Jornada em 26 de outubro de 2014.