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Guillermo Almeyra

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O contágio de Hong-Kong

Guillermo Almeyra - Publicado: Segunda, 13 Outubro 2014 00:00

Hong-Kong é uma das mais prósperas cidades chinesas, mas um quinto da sua população vive abaixo do limiar da pobreza. As contradições criam uma mistura explosiva de reivindicações democráticas, laborais e salariais.


Hong Kong não é, pela sua história e pelo seu relativo isolamento da China profunda, igual a esta, mas faz parte dela apesar do seu regime especial. Ainda sob a ocupação inglesa, entre as décadas de 1920 e 1950, nos tempos da ditadura de Chiang Kai-Shek, tinha alguma margem de liberdade da qual não dispunha o resto da China, que o acordo de reunificação entre a oligarquia financeira da ex-colónia e o governo de Pequim restringiu mas não suprimiu.

Essa é a base histórica da atual rebelião estudantil e da classe média mais acomodada, apoiada pelos sindicatos livres de trabalhadores que, diga-se de passagem, não existem na China continental. Na China moderna, desde Sun Yat-sen até à fundação do Partido Comunista pelo professor Chen Duhsiu na Universidade de Pequim, as rebeliões democráticas e sociais tomaram sempre a forma de explosões de rua encabeçadas pelos estudantes (Mao Tsé Tung e Chu En Lai também o eram) e depois, ao se desenvolver, contagiam os sectores mais avançados dos oprimidos das cidades, grupos importantes de operários e outros trabalhadores, que estendem e aprofundam o movimento. Daí o silêncio das autoridades de Pequim perante os acontecimentos de Hong Kong, para evitar qualquer possível contágio.

Hong Kong é uma das mais prósperas cidades chinesas, mas um quinto da sua população vive abaixo do limiar da pobreza, os salários médios são de pouco mais de três dólares diários e os trabalhadores não têm nem subsídio de desemprego, nem pensões de reforma, nem sindicatos, nem contratos coletivos de trabalho. Os níveis de cultura e de informação, superiores aos da China continental, chocam violentamente com a concentração da riqueza e com a corrupção da oligarquia capitalista que governa a cidade, sob controle remoto de Pequim. Isso cria uma mistura explosiva de reivindicações democráticas, laborais e salariais que põem em primeiro plano, juntamente com os ritmos e as condições de trabalho, as diferenças sociais e o protesto contra a concentração do poder nas mãos da oligarquia. Dito de outra forma, o controle democrático do governo da cidade e a sua autonomia.

As regras impostas a partir de Pequim para eleger o novo governo local entre seis candidatos com a aprovação política do governo central chinês provocaram a explosão dos jovens estudantes que a repressão policial ampliou e estendeu. Perante a incapacidade das autoridades chinesas fazerem promessas ou concessões e perante as ameaças de maior pressão, as coisas chegam agora a um ponto de grande tensão. Ou Pequim faz intervir o exército, como o fez em Tiananmen, provocando um novo massacre que prejudicaria gravemente o prestígio da China, num momento em que enfrenta uma grande pressão dos Estados Unidos e dos aliados desse país no Pacífico e no próprio Mar da China, causando também uma fratura no grupo dirigente do partido entre duros e moderados. Ou, pelo contrário, faz concessões parciais e de última hora que poderão fazer retornar a calma por uns meses, mas incentivarão novos protestos, porque aparecerão como arrancadas pelas mobilizações, as quais poderão assim estender-se a outras cidades.

O conflito em Hong Kong estoirou quando a economia chinesa, que continua a crescer, perde impulso e deve enfrentar a ameaça de uma grande bolha imobiliária, provocada pela especulação que criou cidades novas sem habitantes, enquanto a habitação é cada vez mais cara nas cidades costeiras e em Hong Kong. Começa quando surgem problemas étnicos entre a maioria han e as minorias, sobretudo nas regiões fronteiriças como o Xinjiang ou o Tibete. Surge sobretudo quando milhares de greves selvagens sacudiram o país em protesto contra as condições de trabalho ou a brutalidade das direções e, em geral, alcançaram as reivindicações e quando se deram protestos massivos vitoriosos de comunidades camponesas ou de pescadores contra a expropriação das suas terras.

O feroz desenvolvimento capitalista, sem regras e com grande peso do capital estrangeiro, exacerbou as contradições entre as regiões costeiras e as do interior, entre as cidades e o campo, entre o centro povoado pelos han e a periferia, entre a industrialização e o meio ambiente. Sobretudo, transformou o Partido Comunista de Mao no protetor dos seus membros multimilionários, cujos escândalos, corrupção e luxo extremo se opõem frontalmente à moral confuciana conservadora e tradicional promovida oficialmente desde o início da revolução e o estilo de vida da maioria do país ainda camponesa. Problemas como o da habitação, a contaminação do ar ou a falta de liberdades afetam além disso por igual as classes médias urbanas e os operários, que sofrem com os baixos salários, as condições de trabalho esgotantes e o despotismo dos dirigentes.

Aqueles que em Pequim, a partir do Partido Comunista, dirigem o país dão-se conta de que estão a caminhar por um terreno minado. Daí, por exemplo, a defenestração de Bo, o neomaoísta, ou as diferenças permanentes entre duros e liberais, mas os seus privilégios e a sua arrogância negam-lhes sensibilidade e flexibilidade suficientes para fazer concessões democráticas a tempo.

É claro que as provocações militares e marítimas dos Estados Unidos e a ação dos serviços britânico e norte-americano em Hong Kong e na China continental atiçam o descontentamento para debilitar o mais importante país do grupo BRICS que, além do mais, é o principal apoio de Putin e do Irão. Mas os problemas são chineses e só na China podem ter uma solução nacional, democrática e social. Até agora, pelo bloqueio de informações, o resto da China nem sequer conhece o que se passa em Hong Kong, que é uma cidade atípica, mas não tardará a estar informado e a reclamar sindicatos independentes, melhores condições de trabalho e liberdades democráticas. A chispa estudantil poderá abrir o caminho aos operários e camponeses chineses.

Artigo publicado no jornal mexicano La Jornada em 5 de outubro de 2014. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net


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