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Guillermo Almeyra

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Cuba: Burocracia e forças contrarrevolucionárias (e II)

Guillermo Almeyra - Publicado: Quarta, 28 Julho 2010 20:06

Guillermo Almeyra

A cubana não foi uma revolução radical e profunda de massas para mudar o sistema: foi uma revolução antiditatorial, democrática e anti-imperialista radical, contra a corrupção e a violência, dirigida por um grupo reduzido e heterogéneo de jovens revolucionários de classe média, em cujo seio só uns poucos eram comunistas e que, além disso, teve que vencer a resistência do partido comunista cubano (o PSP, então) e a suspicácia do Partido Comunista soviético, ao mesmo tempo que as tentativas do governo dos Estados Unidos de cooptar a sua direção, e inclusive Fidel Castro.


Esta chegou ao governo em 1959 com o apoio militante e entusiasta da maioria da população e dos trabalhadores urbanos e rurais mais pobres, porque poucos apoiavam o batistismo, mas não com um projeto de construção do socialismo nem com um povo ganho maioritariamente para a ideia socialista. Foi a pressão contrarrevolucionária do imperialismo a que obrigou só uma parte do governo antibatistiano -dirigida por Fidel Castro- a avançar com contramedidas sociais e políticas, o qual fez com que muitos flamantes ministros, encabeçados pelo presidente Manuel Urrutia, e até comandantes revolucionários, se exilassem em Miami assustados pelo aprofundamento desse processo. A mesma União Soviética duvidou muito antes de reconhecer Cuba (mais de dois anos), Fidel Castro declarou que Cuba era socialista só após recusar a invasão de Praia Girón em 1961 e foi só em 1972 que Cuba entrou no Comecon ou Came, o sistema econômico-político dirigido pela burocracia soviética.

Nesse lapso, tinham-se produzido já várias depurações: em primeiro lugar, a da burguesia cubana e seus servidores, que em vagas sucessivas fugiram para Miami, dando assim homogeneidade política e social à imensa maioria do povo cubano, que é independentista, anti-imperialista e por muitos anos começou a lutar contra o capitalismo com uma visão internacionalista. A outra depuração, no quadro do aparelho burocrático, foi a liquidação do grupo mais sectário e unido aos soviéticos no aparelho estatal cubano -a "microfração" do secretário de organização do partido, Aníbal Escalante-, pois a mesma queria transformar Cuba num pseudo Estado independente da URSS, como os de Europa Oriental, apesar de que o submetimento incondicional ao Kremlin desde havia tempo metia água noutros lugares mundo, com a rebelião jugoslava de 1948, a húngara de 1956, a crise com a China e com os principais partidos comunistas europeus. A originalidade da revolução na ilha consistiu em que foi parte da revolução anticolonialista mundial e se fez em tempos de crise profunda do estalinismo e após a morte de Stalin.

Lembro isto tudo, que é conhecido mas, nos fatos, esquecido ou mistificado, para sublinhar alguns pontos essenciais: um governo revolucionário assume o controle de um país capitalista, no qual ainda não tem base social, devendo se construir uma concepção contra-hegemónica, anticapitalista, socialista. O poder, sobretudo nos pequenos países dependentes, está ainda em boa medida em mãos do capital internacional que, com o mercado mundial, sua tecnologia e suas finanças, domina e arrasta a escassa e fraca burguesia nacional, que se fusiona com aquele e é antinacional. Em Cuba o capitalismo não reside numa burguesia que fugiu do país e se localizou em Miami, mas na dependência do mercado mundial capitalista e na influência cultural hegemónica capitalista, herdada junto com o aparelho do Estado pelo governo revolucionário, que é continuamente travado pela espessura sociocultural daquele, entre outras coisas porque à tradição do aparelho estatal capitalista se agregou o burocratismo importado dos soviéticos. Em Cuba há luta por construir o socialismo, voluntária e conscientemente, mas não há socialismo porque este é impossível numa pequena ilha pouco povoada, tal como foi impossível na vasta União Soviética, e se constrói só quando a sociedade auto-organizada começa a diluir o aparelho habitual do Estado e a assumir muitas das suas funções, coisa que não sucede hoje, já que o aparelho de Estado se reforça e constitui o que -Lenin dizia- imperava nos primeiros anos na União Soviética, ou seja, um capitalismo de Estado com um governo anticapitalista: um capitalismo sem capitalistas.

A burocracia é em certa medida inevitável não só pela escassez e o atraso técnico, que lhe dá um papel de intermediário, como também porque num longo período de transição subsiste a diferenciação entre "os que pensam e decidem" e "os que executam". Para controlá-la politicamente, ainda que não seja muito fácil a controlar em seu papel de intermediária num regime de escassez acentuado pelo bloqueio imperialista, não há outra arma que a participação consciente e militante e o controle dos trabalhadores em todas as instâncias da vida: social, cultural, econômica, produtiva, na elaboração de planos, na supervisão constante dos mesmos. A luta burocrática contra a burocracia -inspetores, comissões, avaliações, et cetera- é necessária, mas insuficiente. O único antídoto antiburocrático é a democracia plena no partido e em toda a vida social e política, com a conseguinte possibilidade de discutir naquele, de discordar, de fazer contrapropostas e com a conseguinte liberdade, respeitando sempre a defesa do país sitiado, para quem discorda mas não organiza ações contrarrevolucionárias. A tentativa de substituir as decisões dos trabalhadores mediante um aparelho "iluminado" fomenta a ineficiência e a corrupção, além do amiguismo. Ou seja, elementos culturais capitalistas, não socialistas. E o esforço por calar vozes revolucionárias dissidentes, partidárias da autogestão, leva à passividade política, ao desarmamento ideológico. Tudo isso é contrarrevolucionário, sobretudo num período em que Cuba e a luta pela libertação nacional e social se preparam para sofrer duras provas devido à situação mundial. Democracia plena e autogestionária: eis o remédio contra a burocracia, que é a principal força contrarrevolucionária.

Fonte: La Jornada, México.

Tradução do Diário Liberdade.


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