Segundo o que está previsto, em breve terá início o julgamento de espionagem iniciado pelo governo de Obama contra o suposto informador da CIA Jeffrey Sterling, seis anos depois da apresentação das acusações contra ele. Para além de Sterling, será levado a julgamento um dos principais pilares da nossa sociedade democrática: a liberdade de imprensa. Os procuradores federais alegam que Sterling divulgou informação confidencial ao autor e jornalista do New York Times, James Risen. Risen escreveu vários artigos em que traz a público assuntos de segurança nacional. Num deles, publicado no seu livro de 2006 “State of War” (“Estado de Guerra"), Risen detalha uma operação frustrada da CIA cujo objetivo era entregar planos defeituosos de bombas nucleares ao governo do Irão, a fim de prejudicar o suposto programa de armamento desse país.
Os promotores públicos consideram que foi Sterling quem divulgou os detalhes dessa operação a Risen e pretendem que este divulgue a sua fonte à justiça. Risen negou-se até agora a divulgar a sua fonte, apoiando-se na proteção à liberdade de imprensa estabelecida na Primeira Emenda e jurou que prefere ir para a prisão do que “renunciar a tudo aquilo em que acredito”, segundo as suas próprias palavras.
O papel que as fontes confidenciais têm no jornalismo de investigação talvez tenha sido demonstrada convincentemente pelos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein. Woodward e Bernstein tinham uma fonte confidencial apelidada de “Garganta Profunda” que lhes deu pistas, lhes confirmou informação e lhes sugeriu “seguir a rota do dinheiro”. Com a ajuda dessa fonte descobriram atos ilícitos levados a cabo nas mais altas esferas do governo, os quais posteriormente levaram o Presidente Richard Nixon a apresentar a renúncia há mais de 40 anos, em 1974, a fim de evitar um julgamento político.
Aproximadamente no mesmo momento, revelações sobre factos ilícitos e rotundos delitos no seio do FBI, da CIA e da NSA suscitaram investigações por parte do Congresso que derivaram na aprovação de novas leis, como a Lei de Vigilância de Informação Estrangeira (FISA, na sigla em inglês), a qual se supunha que devia controlar os abusos, ao exigir ordens judiciais para a investigação.
Mas depois tiveram lugar os ataques do 11 de setembro de 2001, e como dá conta atualmente o senso comum, “tudo mudou”. O governo de George W. Bush deu início a uma ampla gama de atividades, entre elas, tortura, sequestros, escutas telefónicas sem ordem judicial e, certamente, a invasão e ocupação do Iraque sobre a base de informação de investigação falsa e de uma extensa campanha de propaganda, levada a cabo com ampla cumplicidade dos meios de comunicação de massas.
Estes abusos foram divulgados graças ao labor de jornalistas de investigação como James Risen e de informadores que correram grandes riscos, a nível pessoal e profissional, para chamar a atenção da população para os abusos de poder cometidos. Risen levou o caso à justiça e conseguiu que um juiz considerasse sem efeito a acusação que pendia sobre ele. Um tribunal da relação que tem jurisdição sobre Virginia e Maryland, onde a CIA e a NSA têm as suas respetivas sedes principais, reinstaurou a acusação. Posteriormente, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos, por instância do governo de Obama, negou-se a tratar do caso. Risen esgotou então as suas possibilidades de apelo e deverá testemunhar no julgamento de Sterling ou enfrentar as acusações de desacato, que podem implicar importantes multas e tempo de reclusão.
“Enquanto for Promotor Geral”, afirmou o Promotor Geral Eric Holder, “nenhum jornalista que esteja a fazer o seu trabalho irá para a prisão”. Mas se os promotores federais do caso Sterling obrigarem Risen a testemunhar, não ficará claro para que serve a promessa de Holder.
Um dos motivos pelos quais o juiz federal deixou sem efeito a acusação contra Risen foi que, segundo o juiz, os promotores já tinham um caso firme contra Sterling e não precisavam que Risen confirmasse que Sterling foi a fonte. As provas contra Sterling incluem a análise das contas dos cartões de crédito e das contas bancárias de James Risen, bem como dos seus registos telefónicos e outra informação, que supostamente os vincularia. Está aqui outra profunda ameaça ao jornalismo: o nível sem precedentes de vigilância de todas as pessoas, incluindo os jornalistas. Paradoxalmente, foram James Risen e o seu colega Eric Lichtblau os primeiros a divulgar o programa de escutas telefónicas sem ordem judicial do governo de Bush, num artigo escrito no ano 2004 que foi retido pelo então editor chefe, Bill Keller, até depois das eleições presidenciais do 2004, em que o Presidente Bush foi reeleito.
A organização Human Rights Watch e a União Americana das Liberdades Civis (UCLA) emitiram conjuntamente no mês de julho um relatório intitulado: “Com liberdade para vigiar todos: Como a vigilância em grande escala dos Estados Unidos prejudica o jornalismo, a lei e a democracia norte-americana”. Ao detalhar o impacto negativo que a vigilância massiva tem sobre o jornalismo, citam Brian Ross, corresponsável chefe de investigações da ABC News, que exprimiu: "Sinto que temos que atuar como se fôssemos da máfia. Temos que ir por aí com um mealheiro cheio e quando encontrarmos um telefone público, usá-lo, ou como fazem os traficantes de drogas, usar telefones pré-pagos descartáveis. Estes são os passos que temos que dar para nos livrarmos da espionagem eletrónica. Ter que tomar este tipo de medidas faz com que nós jornalistas nos sintamos como se fôssemos criminosos e como se estivéssemos a fazer algo de mal. E não creio que seja assim. Acho que estamos a prestar um serviço útil aos norte-americanos para que saibam o que está a passar no seu governo e o que está a acontecer”.
Não, os jornalistas de investigação não são culpados de fazer algo de mal. A organização ativista online Roots Action publicou uma petição, que conta com mais de 125.000 assinaturas, em que exorta o Presidente Obama e o Promotor Geral Holder a parar as ações judiciais contra James Risen. Várias organizações a favor da liberdade de imprensa têm expressado o seu apoio a Risen publicamente, tal como o fizeram vinte vencedores de Prémios Pulitzer. Em resumo, reprimir a imprensa viola o direito da população a saber. Existe uma razão para que o jornalismo esteja defendido pela Constituição dos Estados Unidos: a liberdade de imprensa é uma instância fundamental de controlo e equilíbrio, necessária para que aqueles que detêm o poder prestem contas à sociedade. O jornalismo é essencial para o funcionamento de uma sociedade democrática.
Artigo publicado a 14 de agosto em democracynow.org. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Fernanda Gerpe para espanhol. Tradução para português de Carlos Santos para Esquerda.net.