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Guillermo Almeyra

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Um assalto à mão armada

Guillermo Almeyra - Publicado: Terça, 15 Julho 2014 10:22

Ao capital financeiro internacional não convém que a Argentina cesse os pagamentos. Mas uma coisa é o interesse geral do capitalismo e outra o interesse particular de um grupo de capitalistas, que se apoiam num juiz com afinidades ao Tea Party.


A Argentina é um dos países menos endividados do planeta, que desde 2005 vem pagando a sua dívida externa (que representa só 46 por cento do PIB) mas, apesar disso, está à beira de ter de interromper de novo os pagamentos e, para piorar, está à mercê de um juiz de Nova York comprometido com os Fundos usurários que puseram a Argentina entre a espada e a parede. A ditadura militar (1976-83) quadruplicou a dívida externa e estabeleceu que qualquer litígio sobre a mesma fosse resolvido em Nova York, abandonando assim a soberania jurídica argentina. Os governos posteriores (sucessivamente, da União Cívica Radical, a direita peronista de Menem e a Aliança radical-peronista) aumentaram-na ainda mais.

Todos eles, e depois o kirchnerismo, recusaram-se a declarar nulas e impagáveis as dívidas contraídas por um governo militar nascido de um golpe, e a declarar que os compradores de títulos de um governo ilegítimo haviam-no feito a seu próprio risco, conscientes da ilegalidade da sua compra. Portanto, recusaram-se a realizar uma auditoria da dita dívida externa, ao contrário do que fez o Equador, para pagar só os compromissos estatais legítimos. Néstor Kirchner aceitou a totalidade da dívida ao renegociá-la, com uma redução média do 60 por cento, que foi aceite por 93 por cento dos detentores de títulos, aos quais a Argentina paga regularmente. Uma minoria de Fundos “abutres”, no entanto, continuou a exigir o pagamento total. Um deles comprou títulos argentinos desvalorizados por 48,7 milhões de dólares e exige agora 1.500 milhões de dólares. Devido à sua exigência, apoiada pelo juiz Griesa de Nova York num veredito de primeira instância, referendado em segunda instância e apoiado pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos que se recusou a discutir o caso, juntaram-se agora outros Fundos reclamando o pagamento imediato de até 15 mil milhões de dólares. A eles poder-se-iam unir uma boa parte dos detentores de títulos que antes tinham aceitado a redução, exigindo entre 80 mil e 120 mil milhões de dólares. Para cúmulo, o juiz Griesa impede que o governo argentino continue a pagar a quem aceitou fazer a troca dos seus títulos, pois ameaça Buenos Aires com um embargo às transferências para os detentores de títulos que são pagos em Nova York, para dá-las aos Fundos abutres, e proíbe uma mudança de sede judicial.

O facto de ter aceitado o princípio do pagamento da totalidade da dívida externa impagável e ilegítima e, sobretudo, de ter aceitado que as disputas sejam resolvidas fora dos tribunais argentinos, e nos Estados Unidos, deixa a Argentina à beira de cessar os pagamentos, apesar de o país ter pago ao Fundo Monetário Internacional tudo o que devia, e ter pago à Organização Mundial de Comércio, e depois à petrolífera espanhola Repsol, que tinha saqueado o país, e ultimamente ao Clube de Paris, sempre aceitando a cláusula aberrante que legitima o abandono da soberania jurídica e deixa o país devedor à mercê de um juiz norte-americano qualquer. Agora o governo argentino simplesmente reza, esperando que o juiz Griesa convença os Fundos abutres a aceitarem um pagamento efetuado parte em numerário e parte a prazo com juros leoninos. E se não aceitarem? A esquerda argentina defende que a soberania jurídica não se dá de presente, que as dívidas ilegítimas não se pagam e que é possível cobrar um imposto especial às grandes fortunas (que contraíram a dívida mediante os seus representantes). Por sua vez, os partidos da oposição capitalista não sabem o que dizer. Durante os seus governos, a dívida externa aumentou enormemente, abandonaram além disso a soberania jurídica nacional e temem que o próximo governo, se chegar à interrupção de pagamentos (que poderia estar nas suas mãos) fique sem investimentos estrangeiras e sem a possibilidade de ter créditos e endividar-se mais. Preferem pois pagar tudo e já, mas como?…

No kirchnerismo há uma grande confusão, pois saltam pelo ar todas as fanfarronices sobre a blindagem do país, dado o volume das suas reservas e de todas as manobras para poder contrair nova dívida pagando antes a Deus e à Maria Santíssima (OMC, FMI, Repsol, Clube de Paris) dezenas de milhares de milhões de dólares, de modo a criar uma imagem de pagador sério. Para cúmulo, isto sucede num ano pré-eleitoral, no meio de uma crise do Mercosul e da UNASUR, e quando os possíveis candidatos a presidente do partido Justicialista de Cristina Fernández têm muito poucas diferenças com a oposição e são antioperários, reacionários e repressivos, começando pelo que entre eles tem maiores possibilidades, Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires e ex-vice-presidente de Néstor Kirchner.

Ao capital financeiro internacional não convém que a Argentina cesse os pagamentos. The New York Times criticou, em 20 de junho, o Supremo Tribunal por pôr em risco as possibilidades internacionais de outras renegociações de dívida e por fomentar a usura e a especulação financeira, e os governos do México, de França e até dos Estados Unidos apoiaram os advogados argentinos. Mas uma coisa é o interesse geral do capitalismo e outra o interesse particular de um grupo de capitalistas, que se apoiam num juiz com afinidades ao Tea Party. Além disso, o capital financeiro internacional quer estabelecer um exemplo à escala mundial e demonstrar que o caminho do desendividamento seguido até agora pela Argentina é perigoso e caro. Por isso, apesar de no fim do ano caducarem os RUFO, ou seja, o direito de outros credores pedirem o pagamento em condições iguais ao mais favorecido, querem obrigar a Argentina a pagar, no melhor dos casos, mais da metade das suas reservas ou, no pior, uma soma superior a 100 mil milhões de dólares, quando essas reservas ascendem só a 38 mil milhões de dólares, as suas exportações caem em valor e o crescimento económico se reduz fortemente.

Publicado originalmente no La Jornada, 20 de junho de 2014.

Tradução de Luis Leiria/Esquerda.net.


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