Portugal não só é o país europeu com o maior fosso entre ricos e pobres, como este tende a crescer. Enquanto os salários dos trabalhadores portugueses são em média 50% inferiores aos da EU, os dos gestores (públicos e privados) são superiores. Se na Alemanha um gestor ganha em média 10 vezes mais que um trabalhador, no nosso país ganha 33 vezes mais.
Vem isto a propósito da bandalheira a que chegou o regime democrático no nosso país, com a justiça transformada numa anedota e instrumento de disputa político-partidária, a comunicação social instrumentalizada como nunca e a economia transformada num negócio de “padrinhos”. Com as finanças próximas do colapso, aí estão as receitas que FMI, União Europeia, gover no, patrões e analistas propõem para tirar Portugal da crise es trutural em que se encontra mergulhado há mais de uma década: reduzir os gastos do Estado despedindo, baixando salários, cortando nas reformas e outras despesas e regalias sociais.
Recentemente, num debate do Prós e Contras, o presidente da Confederação do Comércio Português, brutal, sem meias palavras, disse aquilo que o grande patronato, lóbis e fazedores de opinião vêm dizendo de for ma diplomática: está na altura de o governo “mandar para a rua metade dos funcio nários públicos”, reduzir drasticamente as reformas, os salá rios e as regalias sociais. Sem isso não há saneamento da dívida pública, competi tividade, crescimento das exportações e sal vação para a econo mia. O sector priva do já fez a sua parte, en cerrando empresas e despedindo — e os números do desemprego estão aí para o mostrar, disse, com a sobranceria do dever cumprido —, chegou a “vez de o Estado fazer a sua”. Ninguém discordou, à excepção de Medina Carreira, que nos últimos tempos se tem destacado pelas desassombradas e demolidoras análises à economia e cáus ticas críticas à classe política, que diz reduzida a carreiristas cor ruptos, sub servientes e sem qualquer préstimo. Instado a pronunciar-se sobre o que havia dito o presidente da CCP, res pondeu que tal conversa é uma perda de tempo. Por quê? Porque o patronato (por viver à sombra do Estado) e a classe política não lhe merecem qualquer respeito nem crédito. Para ele, tal programa (com que concorda) só será aplicado no dia em que os senhores do FMI e do Banco Europeu desembarcarem no aeroporto de Lisboa para disciplinarem a “nossa” economia. A mudança nunca virá de dentro, tal é a degradação e o peso do Estado. A classe política é medíocre e corrupta e a empresarial não está habituada a correr riscos, mas a viver dos favores do Estado, sob a sua protecção e dependente das obras públicas. São de tal maneira desqualifica dos que jamais terão a coragem e a clarividência necessária para efectuar as reformas que se impõem, disse.
Com a “esquerda” que temos, eternamente entretida a dar moral e conselhos à burguesia sobre a melhor condução dos ne gócios, a sensibilizá-la para os graves problemas sociais e os malefícios decorrentes da ganância, da preponderância do económico sobre o político, estamos condenados ao empobrecimento e a pagar os custos das crises. Como uma fatalidade, empurram-nos para uma opção viciada: a de escolher como vamos ser “espremidos”.
Nunca como agora foi necessária uma outra esquerda.