Michael Powell é o presidente da associação nacional de cabo e telecomunicações (NCTA, na sigla em inglês), que constitui o principal grupo de pressão da indústria da televisão por cabo. É também ex-diretor da Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês), o organismo encarregado de ditar as normas de telecomunicações do país. O seu atual alvo de destruição é a neutralidade da Internet. O campo de batalha é em Washington, D.C., dentro do quartel geral da FCC. Os maiores fornecedores de serviços da Internet, companhias como Comcast, Time Warner Cabo, AT&T e Verizon, juntam forças para acabar com a neutralidade da rede. Milhões de cidadãos, juntamente com milhares de organizações, outras empresas, artistas e investidores tentam salvá-la.
O que é a neutralidade da Internet? É o princípio fundamental de que qualquer pessoa na rede pode aceder a qualquer outra, que os utentes podem aceder com a mesma facilidade a um pequeno site lançado a partir de uma garagem assim como a um dos principais portais da Internet como o Google ou o Yahoo. A neutralidade na rede é a proteção da Internet contra a discriminação. Então, porque é que estes grandes fornecedores de serviços da Internet querem eliminar algo tão bom? Por ganância. Os principais fornecedores de serviços da Internet já obtêm imensos lucros. Mas se for permitido que se crie uma Internet com vários níveis, em que alguns fornecedores de conteúdos paguem mais para que as suas páginas ou as suas aplicações sejam carregadas mais rapidamente, eles poderão obter lucros extra. Recordemos que os utentes já pagam para aceder à Internet. Agora, companhias como Comcast pretendem cobrar também a quem se encontra do outro lado da conexão da Internet, com o que arrecadariam milhares de milhões de dólares provenientes tanto dos utentes como dos fornecedores de conteúdo.
Ao se eliminar a neutralidade da Internet, os principais fornecedores de conteúdos, já consolidados e com vasto capital, pagarão pelo privilégio dos seus conteúdos serem acessíveis através de uma “via rápida” na Internet. Os sites mais pequenos e as novas aplicações não terão o mesmo acesso, e ficarão presos numa “pista” de circulação mais lenta. A era das novas pequenas empresas impulsionadoras de inovação chegará abruptamente ao fim. Já não se fundarão companhias de alta tecnologia em dormitórios de residências estudantis. Levará mais tempo a carregar esses sites que os oferecidos pelas grandes companhias.
A Comissão Federal de Comunicações é uma típica agência reguladora “capturada” pelas empresas que supostamente deveria regular, e cujos funcionários costumam alternar entre a função pública e o trabalho para estas empresas. O atual diretor da FCC, nomeado pelo Presidente Barack Obama, é Tom Wheeler, que previamente foi presidente da associação nacional de cabo e telecomunicações, cargo que hoje é ocupado por Powell, e depois encabeçou o grupo de pressão da indústria das comunicações sem fio. Basicamente, Tom Wheeler e Michael Powell trocaram de posição um com o outro. Lamentavelmente, ambos desempenham o mesmo papel: representar os interesses das grandes empresas.
Foi durante a direção de Michael Powell que a FCC declarou a indústria da banda larga um “serviço de informação”, limitando assim o alcance da regulamentação nessa indústria. No seu recente discurso de abertura da assembleia anual da associação nacional de cabo e telecomunicações, Powell qualificou esta medida como “uma mudança para uma regulamentação mais leve”. No entanto, a elevada retórica de Powell não passa o teste do riso. O serviço de banda larga nos Estados Unidos é, em média, de uma qualidade muito inferior à de outros países, e bem mais caro.
Os ativistas pretendem que a FCC volte a declarar a banda larga como serviço público, tal como o é o serviço telefónico. Imaginemos o que sucederia se às companhias telefónicas fosse permitido reduzir a qualidade dos nossos telefonemas porque não fazemos um pagamento extra por um serviço de primeira classe. Ou imaginemos o que sucederia se a água que sai das nossas torneiras fosse menos pura que a água do vizinho, porque ele faz um pagamento extra por água de maior qualidade. Estes serviços estão regulados. Todas as pessoas acedem ao mesmo serviço, sem discriminação.
No passado mês de janeiro, um tribunal federal anulou o regulamento da FCC para uma "Internet Aberta", argumentando que embora a FCC tenha a faculdade de regular a Internet, as suas normas não seguiam nenhuma lógica. Ao declarar apropriadamente o serviço de Internet como serviço público, a FCC pode regulá-lo, legal e sensatamente.
Quase dois milhões de pessoas já se pronunciaram a favor da neutralidade na Internet e estão a apelar para a reclassificação dos serviços de Internet. Esse é o ato que segundo Michael Powell provocaria a “Terceira Guerra Mundial”. Michael Powell pode ameaçar com o início de uma guerra por causa de certas políticas, mas deveria ter cuidado com o que deseja. Como diretor da FCC, lá pelo ano 2003, liderou os esforços para permitir uma maior concentração dos média, o que provocou uma forte reação pública. Finalmente, as normas permissivas que ele propôs foram derrotadas. O Congresso aprendeu a lição após as manifestações contra as leis para a regulação da Internet conhecidas como SOPA e PIPA. O clamor contra elas foi mundial e implacável.
Agora, o centro de atenção é a Comissão Federal de Comunicações. Tom Wheeler tem a oportunidade de escutar milhões de cidadãos preocupados e corrigir os erros do passado. Ou pode seguir as ordens de Michael Powell e o seu exército de lobistas. Se o fizer, na sua carreira ficará também uma mancha indelével.
Artigo publicado em Democracy Now em 15 de maio de 2014. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.Texto em inglês traduzido por Fernanda Gerpe para espanhol. Tradução para português de Carlos Santos/Esquerda.net.