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Immanuel Wallerstein

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Às vésperas de uma nova corrida nuclear

Immanuel Wallerstein - Publicado: Sábado, 19 Abril 2014 17:16

Os Estados Unidos e o Irã estão envoltos em negociações difíceis sobre a possível obtenção, por Teerã, de armas nucleares. A probabilidade de estas negociações resultarem numa fórmula aceita por ambas as partes parece relativamente baixa, porque há, em ambos países, forças poderosas que se opõem frontalmente a um acordo e estão trabalhando com afinco para sabotá-lo.


A visão mais comum, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, é de que se trata, principalmente, de manter um país que se presume inconfiável, o Irã, distante de armas que poderiam ser usadas para se impor diante de Israel e do mundo árabe, em geral. Mas este não é o ponto, definitivamente. Os riscos de o Irã usar uma arma nuclear, se chegar a possuir alguma, não são maiores que os relacionados a cerca de dez outros países, que já têm este armamento. E a capacidade do Irã para proteger as armas contra roubo ou sabotagem é provavelmente maior que a da maior parte dos países.

O problema real é outro. A tentativa de impedir o Irã de se converter numa potência nuclear é algo como tapar uma represa com o dedo. Se se tira o dedo, há uma inundação. O medo é que, neste caso, o planeta poderia passar de dez potências nucleares para vinte ou trinta. Para enxergar isso claramente, é preciso voltar à história das armas nucleares.

A história começa na II Guerra Mundial, durante a qual os Estados Unidos e a Alemanha mantiveram aguda competição para desenvolver uma bomba atômica e usá-la um contra o outro. No momento da rendição alemã, nenhum obtivera êxito, mas os EUA estavam muito mais avançados. Nesse momento, duas coisas ocorreram. Os Estados Unidos e a União Soviética concordaram, na Conferência de Potsdam, que os soviéticos entrariam na guerra contra o Japão três meses após a Alemanha render-se – ou seja, em 8 de agosto de 1945. E os Estados Unidos fizeram seu primeiro teste de explosão nuclear em 16 de julho, depois do fim da guerra com a Alemanha.

Em 6 de agosto – dois dias antes da entrada da União Soviética na guerra contra Tóquio –, os Estados Unidos jogaram uma bomba atômica em Hiroshima. A União Soviética cumpriu sua promessa em 8/8. Para demonstrar que não se tratava de um acontecimento único, os EUA jogaram uma segunda bomba em Nagasaki, em 9/8.

Por que as bombas foram lançadas? O argumento oficial diz que elas encurtaram a guerra de modo considerável. Pode ser: não há como saber. Mas também é razoável assumir que as bombas foram uma mensagem para a União Soviética sobre o poder norte-americano. O timing curioso empresta credibilidade a esta hipótese.

O que aconteceu a seguir? Devido aos compromissos de guerra, os EUA compartilharam com a Grã-Bretanha, imediatamente, os conhecimentos técnicos sobre a bomba atômica. Seguiu-se uma tentativa de obter um tratado internacional que banisse as armas nucleares em todo o mundo. Ela falhou. Em 1949, a União Soviética fez sua explosão e tornou-se a segunda potência nuclear. Em 1952, a Grã-Bretanha explodiu uma arma, e foi a terceira.

Este velho trio de potências, os Big Three, tentou encerrar a lista nesse ponto. Mas a França estava determinada a manter sua reivindicação de ser grande potência, e explodiu uma bomba em 1960. Foi seguida pelos chineses, em 1964. Depois que a República Popular da China obteve seu assento no Conselho de Segurança da ONU, em 1971, todos os cinco membros permanentes deste grupo tinham armas nucleares.

Mais uma vez, os possuidores de tais artefatos tentaram limitar a lista a si mesmos. Havia, claramente, outros dez a vinte países com programas em desenvolvimento. Com o tempo, iriam somar-se ao clube nuclear. As cinco potências nucleares promoveram um acordo que recebeu o nome de Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares (normalmente abreviado para TNP). Ele oferecia uma troca. Os signatários renunciariam a qualquer tentativa de desenvolver armas nucleares. Em contrapartida, as cinco potências nucleares faziam duas promessas: a) um esforço, de sua parte, para reduzir a quantidade de tais armas em sua posse; b) assistência material às potências não-nucleares, para que obtivessem o necessário para o chamado uso pacífico da energia nuclear.

Num certo nível, o acordo foi um sucesso. Quase todos os países o assinaram e quase todos os que haviam lançado programas atômicos concordaram em desmantelá-los. Por outro lado, dois fatos limitaram a utilidade do TNP. Primeiro, não era possível fazer muito em relação aos países que se recusaram a assinar o acordo, ou que renunciaram a ele, depois de o terem firmado. Diversos países recusaram-se a aderir e explodiram bombas mais tarde: a Índia, em 1974; Israel, provavelmente em 1979; o Paquistão, em 1998; a Coreia do Norte, em 2008. Além disso, Israel compartilhou seu conhecimento com um aliado, a África do Sul [dos tempos de apartheid]. E o Paquistão começou a vender conhecimento e armas para outros países.

A segunda consequência negativa é que tornou-se, do ponto de vista técnico, extremamente difícil assegurar-se de que o conhecimento para os usos pacíficos de energia nuclear não pudessem ser transferidos (muito rapidamente) para a produção de armas atômicas. A questão-chave, do ponto de vista técnico, é o uso de urânio e plutônio enriquecidos para a construção de armas e o que foi chamado de “tecnologia de duplo uso”. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) foi criada em 1957, inicialmente para difundir a capacidade dos países para desenvolver usos pacíficos. Mas, em seguida, começou a assumir um papel contraditório, estabelecendo salvaguardas administrativas contra o mau uso de tais conhecimentos. Para ampliar esta ação, foi adotado, em 1993, um “protocolo adicional”, que deu à AIEA poderes muito maiores para supervisionar o uso da tecnologia. Ocorre que ao menos 50 países recusaram-se a assiná-lo – e tal protocolo só compromete os países que concordaram com ele.

O declínio do poder norte-americano reabriu o debate. Parece claro que os EUA são contra a proliferação – mas também perderam credibilidade para bloqueá-la por meios militares. Isso levou diversos países que haviam renunciado às armas nucleares – seja por confiarem na retaguarda militar norte-americana em caso de conflitos, seja por temerem a intervenção norte-americana em sua política interna – a reconsiderar sua desistência das armas nucleares.

As recentes declarações do primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, apontam claramente nesta direção. Claro que haverá contágio regional. Se o Japão buscar possuir armas atômicas, o mesmo será feito pela Coreia do Sul, Austrália e talvez até Taiwan. Tanto o Egito quanto a Arábia Saudita estão refletindo sobre esta possibilidade, assim como o Irã e a Turquia. O Brasil e a Argentina podem não estar muito atrás. Mesmo na Europa, a Suécia, a Noruega e a Espanha podem perfeitamente lançar programas nucleares, e talvez a Holanda. E antigas zonas nucleares da União Soviética – Belarus, Ucrânia e Kazaquistão – têm conhecimento para recomeçar.

Por isso, se não houver acordo entre os EUA e o Irã, o dedo deixará de tapar a represa. É o que está em jogo, nestas difíceis negociações.

Tradução: Antonio Martins (Outras Palavras).


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