Não existe nenhuma outra interpretação de quem escreve esta afirmação. Foi expressa em reiteradas ocasiões não apenas por manifestantes da direita nas ruas, mas por seus principais líderes e instigadores locais: Leopoldo López (ex-prefeito do município de Chacao, em Caracas, e chefe do Partido Voluntad Popular) e María Corina Machado, deputada pelo Súmate na Assembleia Nacional da Venezuela. Em mais de uma ocasião referiram-se às intenções ansiadas em seus protestos, utilizando uma expressão em que, regularmente, apelam ao Departamento de Estado: "mudança de regime", forma amável e eufemística que substitui o desprestigiado termo "golpe de estado". O que se busca é precisamente isso: um "golpe de estado" que ponha um ponto final na experiência chavista. A invasão à Líbia e a derrocada e linchamento de Muammar El Gadafi são exemplos de "mudanças de regime". Há meio século os Estados Unidos propõem, sem êxito, algo similar em Cuba. Agora o estão tentando, com todas as suas forças, na Venezuela.
Esta feroz campanha contra o governo bolivariano - na realidade, um processo de fascistização de longa data - tem raízes internas e externas, intimamente ligadas e solidárias num objetivo comum: acabar com o pesadelo instaurado pelo Comandante Hugo Chávez desde que assumira a presidência em 1999. Para os Estados Unidos, a autodeterminação venezuelana afirmada sobre as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, a derrota da ALCA e dos avanços dos processos de integração e unidade na América Latina e no Caribe – a UNASUL –, o Mercosul ampliado, a CELAC, Petrocaribe, entre outros, impulsionados como nunca antes pelo líder bolivariano, são desafios intoleráveis e inadmissíveis, merecedores de um castigo exemplar. Para a oposição interna, o chavismo significou o fim das regalias e negociações que obtinha por sua colaboração com o governo dos Estados Unidos e as empresas norte-americanas no saque e pilhagem da receita petrolífera, e que encontrou nos líderes e organizações políticas da Quarta República seus sócios menores e imprescindíveis operadores locais. Tanto Washington quanto seus peões estavam certos de que o chavismo não sobreviveria ao desaparecimento físico de seu fundador. Porém, com as eleições presidenciais de 14 de abril de 2013, suas esperanças se esfumaçaram: Nicolás Maduro venceu Henrique Capriles por uma porcentagem muito pequena, mas suficiente e indiscutível, de votos. A resposta destes oligarcas travestidos em notáveis figuras da república foi, primeiro, desconhecer o veredito das urnas e, depois, desencadear violentos protestos que tiraram a vida de mais de uma dezena de jovens bolivarianos, deixando cerca de cem feridos, além da destruição de numerosos edifícios e propriedades públicas. Cabe lembrar que até o dia de hoje, dez meses após as eleições presidenciais, Washington não reconheceu formalmente a vitória de Nicolás Maduro. Em contrapartida, o inverossímil Prêmio Nobel da Paz demorou poucas horas para reconhecer como vencedor das eleições presidenciais hondurenhas de 24 de novembro passado – viciadas até o indizível e fraudulentas como poucas – o candidato da "embaixada", Juan O. Hernández. O imperialismo não erra ao eleger seus inimigos: os Castro, Chávez, agora Maduro, Correa, Morales. Contrariamente ao que alguns ingenuamente defendem, não existe uma direita que seja "oposição leal" a um governo genuinamente de esquerda. Menos ainda quando se trata de uma direita manipulada por controle remoto pela Casa Branca. Caso se comporte com lealdade é porque esse governo já foi colonizado pelo capital. Em que pese a violência dos militantes da Mesa de Unidad Democrática, que defendia a candidatura de Capriles, o governo conseguiu restabelecer a ordem nas ruas. Contribuíram para isso a clara e enérgica resposta governamental e, além disso, a certeza que tinha a direção do MUD de que as eleições municipais de 8 de dezembro – que a direita caracterizou como um plebiscito – permitiriam derrotar o chavismo para depois exigir a imediata renúncia de Maduro ou, no pior dos casos, convocar um referendo revocatório antecipado, sem ter que esperar até meados de 2016, tal como estabelece a Constituição. Porém, a jogada acabou mal, porque foram amplamente derrotados por quase um milhão de votos e nove pontos percentuais de diferença.
Atônitos ante o resultado inesperado que, pela primeira vez, oferecia ao governo bolivariano a possibilidade de gerir durante dois anos os assuntos públicos e administrar a economia sem ter que envolver-se em campanhas eleitorais agressivas e com o objetivo de distrair, os antichavistas peregrinaram a Washington para redefinir sua estratégia em função das necessidades geopolíticas do império e receber ordens, dinheiro e ajudas de todo tipo para sustentar seu projeto desestabilizador. Derrotados nas urnas, agora a prioridade imediata era, como fez Richard Nixon no Chile de Salvador Allende, em 1970, "fazer ranger a economia". Daí as sabotagens, as campanhas de desabastecimentos programados e a especulação cambial desenfreada (segundo recomenda em seu manual de operações o especialista da CIA, Eugene Sharp), os ataques na imprensa, onde as mentiras e o terrorismo midiático não conhecem limite ou escrúpulo moral algum e, depois, como conclusão, "esquentar a rua" buscando criar uma situação similar à da cidade de Bengasi, na Líbia, capaz de desbaratar por completo a economia e desatar uma gravíssima crise de governabilidade que torna inevitável a intervenção de alguma potência amiga, que já sabemos quem é, para que acuda em auxílio dos venezuelanos para restaurar a ordem quebrada.
Uma após outra, todas estas iniciativas terminaram em fracasso, porém nem por isso a direita abandonará seus propósitos sediciosos. Leopoldo López acaba de se entregar a justiça e é de se esperar que esta faça cair sobre ele e sobre sua copincha, María Corina Machado, todo o peso da lei, já que carregam várias mortes em suas mochilas. O pior que poderia acontecer com a Venezuela seria o governo ou a justiça não perceber o que está escondido dentro do ovo da serpente. Em situações como estas, e diante de inimigos como estes, qualquer tentativa de "reconciliação nacional" ou de "linha branda" é o caminho seguro para a própria destruição. Os fascistas e o imperialismo só entendem a linguagem da força. López e Machado deverão receber um castigo exemplar, sempre dentro do marco da legalidade vigente. Não se devem descartar violentas manifestações para sua imediata libertação e, tampouco, se devem descartar a hipótese de que, em seu desespero, a direita possa apelar a qualquer custo, por mais absurdo que seja. Porém, o julgamento e castigo dos instigadores de tanto derramamento de sangue não serão suficientes para evitar o risco de uma brutal derrocada do governo bolivariano. A única garantia está na ativa mobilização e organização das massas chavistas para sustentar "sua revolução", com seus muitos acertos e, também, seus erros. Apenas isso permitirá evitar o perigo de um assalto fascista ao poder que colocaria um sangrento fim à gestão bolivariana, desencadeando uma onda reacionária que repercutiria por todo o continente. Assim, o que está em jogo nestas horas não é somente o futuro da Venezuela, mas o de toda Nossa América.
Publicado no dia 19/02/14 no blog do autor.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB).