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Atilio Borón

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Em coluna

Lenine, a 90 anos da sua morte

Atilio Borón - Publicado: Sexta, 24 Janeiro 2014 12:57

Compartilho esta reflexom sobre Lenine, ao se completarem hoje 90 anos da sua morte.


O estourido da Revoluçom de Fevereiro surpreende Lenine no seu exílio suíço. Tal como tantos outros exilados, livra umha dura batalha para regressar à Rússia, o que finalmente concretiza um par de meses mais tarde. Lenine chegou a Petrogrado na noite de 16 de Abril de 1917. Tal como narra o grande historiador Edward Wilson, isto foi o que se passou à sua chegada à Estaçom Finlándia, ponto final de seu périplo:

“A estaçom terminal dos comboios procedentes da Finlándia tinha umha sala reservada para o Czar e quando chegou o comboio, muito tarde, ali foi levado Lenine polos camaradas que fôrom recebê-lo. No cais exterior, um oficial aproximou-se dele e fijo a saudaçom. Lenine, surpreendido, devolveu a saudaçom. O oficial deu a ordem de firmes a um destacamento de marinheiros com baioneta calada. Focos elétricos iluminavam o cais e bandas de música tocavam a Marselhesa. Umha tempestade de palmas e vítores elevou-se de umha multidom que se apinhava em redor. “O que é isto?”, perguntou Lenine retrocedendo uns passos. Respondêrom-lhe que eram as boas-vindas a Petrogrado que lhe dedicavam os trabalhadores e marinheiros revolucionários; a multidom tinha estado gritando umha palavra: “Lenine”. Os marinheiros apresentárom armas e o comandante pujo-se às suas ordens. Dixérom-lhe ao ouvido que queriam que falasse. Avançou uns passos e tirou o chapéu de coco:

Camaradas marinheiros -começou-, saúdo-vos sem saber se acreditam ou nom nas promessas do Governo Provisório. Mas afirmo que quando vos falam amavelmente, quando vos prometem tanta cousa, estám a enganar-vos e estám a enganar todo o povo russo. O povo precisa é de paz, o povo precisa é de pam, o povo precisa é de terra, e o que lhe dam é guerra e fame, e permitem os latifundiários continuarem a desfrutar da terra. Temos que luitar pola revoluçom social, luitar até o fim, até a completa vitória do proletariado. Viva a revoluçom socialista mundial!”

Fonte: Edmund Wilson, Hacia la Estación de Finlandia. Ensayo sobre la forma de escribir y hacer historia (Madrid: Alianza Editorial, 1972), pp.547-550.

Este trecho do esplêndido livro de Wilson dá-me pé para fazer um par de comentários:

Lenine, no seu exílio em Zurique, compreendeu como ninguém duas cousas. Primeiro, que no enquadramento da revoluçom que tinha estourado em fevereiro de 1917, o papel dos Sovietes era fundamental e estava chamado a eclipsar por um tempo o partido. Fiel ao seu profundo sentido da autocrítica e à ideia de que o marxismo nom é um dogma e sim um guia para a açom, nom hesitou um instante em lançar umha original palavra de ordem: “Todo o poder aos Sovietes”, pondo provisoriamente em suspenso “nesse contexto de dissoluçom e falência do czarismo e auge revolucionário- o papel reitor que durante tanto tempo tinha atribuído nos seus escritos e na sua prática política ao partido. Nom é preciso assinalar que este verdadeiro tour de force foi fortemente resistido polos seus camaradas, ou ridicularizado polos liberais russos que achavam que a Rússia se tinha convertido em Inglaterra e que se encontravam a uns passos do estabelecimento de umha democracia liberal e de umha monarquia constitucional. A cegueira e o fetichismo político de uns e outros impedia que percebessem a imensa potência do impulso revolucionário que a guerra, as fames e a arrogáncia da aristocracia e da burguesia russas alimentavam sem cessar, impulso que inexoravelmente acabaria com o czarismo e abriria as portas da revoluçom socialista. Para Lenine, o tránsito de fevereiro para a revoluçom social requeria o protagonismo dos Sovietes, mais que o do partido. Muitos pensavam que o de Lenine era um extravio próprio de um emigrado que depois de longos anos de exílio nom compreendia o que estava a acontecer na Rússia. A realidade demonstrou exatamente o contrário.

Segundo, a espantosa precisom com que captou o estado de consciência das massas russas -aquilo que Fidel tantas vezes tem chamado a “consciência possível” das massas, os conteúdos cognitivos e avaliativos que estám em condiçons de assimilar e assumir como ponto de partida para as suas luitas. Lenine compreendeu que o que requeria a tumultuosa frágua da revoluçom nom eram grandes discursos teóricos ao estilo dos que faziam Kautsky e os acólitos da social-democracia alemá. Que, na hora dos fornos, para utilizar a expressom de Martí, o único que se devia ver era a luz, e que os soldados, camponeses e operários russos dificilmente veriam essa luz nas teses marxistas sobre a composiçom orgánica do capital ou na tendência decrescente da taxa de lucro. Essa luz que os mobilizaria e lançaria para a luita tinha que se sintetizar numha proposta que interpelasse com simplicidade e contundência as massas russas. Lenine achou isso ao plasmar umha palavra de ordem simples, compreensível e de umha extraordinária efetividade política: “Pam, terra e paz”.

Eis esta breve lembrança de um momento crucial na vida do grande revolucionário russo, que dirigiu e conduziu, até sua morte, a primeira revoluçom socialista da história. Sobreviviente a custo de duas tentativas de assassinato -a última das quais, em agosto de 1918, deixou-lhe marcas indeléveis no seu corpo que, anos mais tarde, precipitariam a sua morte-, Lenine faleceu poucos meses antes de fazer os 54 anos de idade, num dia como hoje (21 de janeiro) faz exatamente noventa anos. Ao abrir umha nova era na longa marcha da humanidade para a construçom da sua própria história, o seu legado, e o da Revoluçom Russa, demonstrárom por muitas razons serem imperecíveis. Alguns, inclusive em certa esquerda libresca ou posmoderna, nom concordam; mas a direita e o imperialismo, com infalível instinto de classe, nom se enganam e sabem que qualquer esforço é pouco com tal de apagar da face da terra a figura de Lenine e a epopeia da Revoluçom Russa. Precisamente por isso devemos comemorar este novo aniversário do seu falecimento.

Fonte: Primeira Linha.


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