Na Roma antiga, especialmente no fim da República, oligarcas recorreram à violência das multidões para impedir, intimidar, assassinar ou tirar do poder a facção dominante do Senado. Ainda que nem a facção dominante nem a oposição representassem os interesses da plebe, dos trabalhadores assalariados, pequenos agricultores ou escravos, o uso das “multidões” contra o Senado eleito, o princípio do governo representativo e o governo da República, estabeleceram a base para a ascensão dos autoritários “Césares“ (líderes militares) e a transformação da República Romana num estado imperialista.
Demagogos, a soldo de pretendentes a imperadores, acicataram os ânimos de uma turba diversificada de entre a população mais desfavorecida e descontente, vadios e ladrões (latrones), com promessas, dinheiro e garantia de posições numa nova ordem. Amotinadores profissionais cultivavam laços com os oligarcas “acima” deles e com os manifestantes “abaixo”. Deram voz às “queixas da população” e articularam protestos questionando a legitimidade dos governantes em exercício, enquanto preparavam o terreno para o governo de uma minoria. Normalmente, quando os oligarcas que pagavam chegavam ao poder numa toada de violência popular manipulada, rapidamente suprimiam as manifestações, pagavam aos demagogos pela via do clientelismo no novo regime ou recorriam discretamente a assassinatos no caso dos “líderes de rua” que se recusassem a reconhecer a nova ordem. Os novos governantes mandavam os velhos senadores para o exílio, expulsavam-nos e tiravam-lhes as suas posses, manipulavam novas eleições e autoproclamavam-se “salvadores da República”. Tiravam os camponeses das suas terras, renunciavam ao cumprimento de obrigações sociais e não pagavam subsídios alimentares às famílias urbanas pobres nem fundos para obras públicas.
O uso da violência das multidões e dos “protestos de massas” desempenhava muitos papéis: (1) servia para destabilizar um regime eleitoral; (2) fornecia uma plataforma para os oligarcas que os financiavam deporem um regime incumbente; (3) iludia o facto de que a oposição oligarca perdera eleições democráticas; (4) dava à minoria política uma “aparência de legitimidade”, quando ela era incapaz de actuar num quadro constitucional e (5) permitia a tomada ilegítima do poder em nome duma pseudo-maioria, nomeadamente as “multidões na praça central”.
Alguns comentadores de esquerda apresentam dois argumentos contraditórios: por um lado, alguns simplesmente reduzem o ataque ao poder, por parte da oligarquia, a uma “luta entre elites” que nada tem que ver com os “interesses da classe trabalhadora”, enquanto outros mantêm que as “massas” nas ruas protestam contra um “regime elitista”. Alguns argumentam mesmo que, com exigências populares e democráticas, estas revoltas são progressistas e deveriam ser apoiadas como um “terreno para a luta de classes”. Por outras palavras, a “esquerda” deveria juntar-se às revoltas e contestar a liderança dos oligarcas nas revoltas encenadas!
O que estes progressistas não querem reconhecer é que os oligarcas que manipulam estas revoltas de massas são líderes autoritários que rejeitam completamente os processos democráticos e eleitorais. O seu objectivo é estabelecer uma “junta” que elimine todas as instituições democráticas políticas e sociais e imponha políticas e instituições mais repressivas e reaccionárias do que as que substituem. Algumas pessoas de esquerda apoiam as “massas revoltosas” apenas devido à sua “militância”, número, e a coragem de vir para a rua, sem verem quem são os seus líderes, os seus interesses e ligações à elite que beneficia de uma “mudança de regime”.
Todas as designadas “revoltas de massas” na Europa de Leste e na antiga União Soviética tiveram os seus líderes populares que exortaram as massas em nome da “independência e democracia” mas eram pró-NATO, pró-imperialismo ocidental e ligadas às elites neoliberais. Quando o comunismo caiu, os novos oligarcas privatizaram e venderam os sectores mais lucrativos da economia deixando milhões sem trabalho, desmantelaram o estado-providência e entregaram as suas bases militares à NATO para o estabelecimento de tropas estrangeiras e mísseis apontados à Rússia.
Toda a esquerda “anti-stalinista” nos EUA e na Europa Ocidental, com algumas notáveis excepções, comemorou estas revoltas controladas por oligarcas na Europa de Leste e alguns participaram mesmo, depois das revoltas, nos regimes neoliberais. Uma razão clara para a queda do “Marxismo Ocidental” proveio da sua incapacidade de distinguir uma revolta democrática popular genuína de uma sublevação de massas financiada e manipulada por oligarcas rivais!
Um dos mais claros e recentes exemplos de uma revolução manipulada de “poder popular” nas ruas para substituir um representante eleito de um sector da elite por um “presidente” ainda mais brutal e autoritário, ocorreu em 2001 nas Filipinas. O Presidente Joseph Estrada, mais popular e independente (mas claramente corrupto), que desafiara sectores da elite Filipina e da actual política externa dos EUA (enfurecendo Washington ao aliar-se ao venezuelano Hugo Chavez) foi substituído, através de manifestações nas ruas de mulheres da classe média com soldados à paisana junto a Gloria Makapagal-Arroyo. A Senhora Makapagal-Arroyo, que tinha ligações estreitas aos EUA e ao exército filipino, desencadeou uma terrível onda de brutalidade denominada “democracia dos esquadrões da morte”. O derrube de Estrada foi activamente apoiado pela esquerda, incluindo sectores da esquerda revolucionária, que rapidamente se tornaram alvo de uma campanha de assassinatos sem precedentes, desaparecimentos, tortura e prisão, por parte da recém-empossada “Senhora Presidente”.
Revoltas de massas contra a democracia, no passado e no presente: Guatemala, Irão e Chile
A utilização de multidões e sublevações de massas por oligarcas e imperialistas tem uma longa e notável história. Três dos mais sangrentos casos, que marcaram durante décadas as suas sociedades, aconteceram na Guatemala em 1954, no Irão em 1953 e no Chile em 1973.
Jacobo Árbenz, democraticamente eleito, foi o primeiro presidente da Guatemala a iniciar a Reforma Agrária e a legalizar os sindicatos, em especial entre os camponeses sem terra. As reformas de Árbenz incluíram a expropriação de terras em pousio sem utilização, que pertenciam à United Fruit Company, um enorme conglomerado norte-americano do sector agrícola. A CIA usou as suas ligações aos oligarcas locais e generais e coronéis da direita para instigar e financiar protestos de massas contra uma suposta “tomada do poder pelos comunistas” na Guatemala sob o governo do Presidente Árbenz. O exército usou a violência manipulada das multidões e a “ameaça” da Guatemala poder tornar-se um “satélite soviético” para encenar um golpe sangrento. Os líderes do golpe receberam apoios aéreos da CIA, dizimaram milhares de apoiantes de Árbenz e transformaram o interior em “campos de morte”. Nos 50 anos seguintes, partidos políticos, sindicatos e organizações de camponeses foram banidos, cerca de 200 000 guatemaltecos foram assassinados e milhões foram deslocados.
Em 1952, Mohammed Mossadegh foi eleito presidente do Irão numa plataforma nacionalista moderada, depois do derrube do brutal monarca. Mossadegh anunciou a nacionalização da indústria petrolífera. A CIA, com a colaboração dos oligarcas locais, dos monárquicos e demagogos, organizou gangues “anticomunistas” de rua que encenaram manifestações violentas para servir de pretexto a um golpe monárquico-militar. Os generais iranianos controlados pela CIA trouxeram o Xá Reza Pahlavi da Suíça e, nos 26 anos seguintes, o Irão foi uma ditadura monárquico-militar, cuja população foi aterrorizada pela Savak, a polícia secreta assassina.
As companhias petrolíferas dos EUA receberam as maiores concessões de petróleo; o Xá juntou-se a Israel e aos EUA numa nefasta aliança contra os dissidentes nacionalistas progressistas e trabalhou com eles lado a lado para minar estados árabes independentes. Dezenas de milhares de iranianos foram mortos, torturados e exilados. Em 1979, uma revolta popular de massas dirigida por movimentos islâmicos, partidos nacionalistas e socialistas e sindicatos acabou com a ditadura do Xá e da Savak. Os islamitas instalaram um regime radical nacionalista clerical, que se mantém no poder até hoje, apesar de décadas de campanhas de desestabilização financiadas pelos EUA-CIA, que financiaram grupos terroristas e movimentos liberais dissidentes.
O Chile é o caso mais conhecido de violência de multidões financiada pela CIA que conduziu a um golpe militar. Em 1970, o Dr. Salvador Allende, socialista democrata, foi eleito presidente do Chile. Apesar dos esforços da CIA para comprar votos para bloquear a aprovação do Congresso dos resultados eleitorais, da sua manipulação de manifestações violentas e duma campanha de assassinato para precipitar um golpe militar, Allende assumiu funções.
Durante o mandato de Allende como presidente, a CIA financiou diversas “acções directas”, desde pagar a líderes corruptos de um sindicato de mineiros para encenarem greves, e a associações de camionistas para recusar transportar bens para as cidades, até à manipulação de grupos terroristas como o Patria y Libertad nas suas campanhas de assassinatos. O programa de desestabilização da CIA foi especificamente designado para provocar instabilidade económica, através de escassez artificial e racionamento, de modo a incitar o descontentamento da classe média. Isto tornou-se óbvio quando se viram manifestações de donas de casa batendo tachos e panelas. A CIA procurou incitar um golpe militar através do caos económico. Milhares de proprietários de camiões foram pagos para não guiar os seus camiões levando a escassez de bens nas cidades, enquanto terroristas da direita rebentavam com centrais, deixando bairros na escuridão e comerciantes que recusavam juntar-se à “greve” contra Allende viam as suas lojas vandalizadas. A 11 de Setembro de 1973, aos cânticos de “Jacarta” (celebrando um golpe da CIA na Indonésia), uma junta de generais chilenos apoiados pelos EUA tirou o poder a um governo eleito. Dezenas de milhares de activistas e apoiantes do governo foram presos, mortos, torturados e forçados ao exílio. A ditadura desnacionalizou e privatizou o sector mineiro, a banca e indústria transformadora, seguindo os ditames do mercado livre dos economistas treinados por Milton Friedman (os Chicago Boys). A ditadura pôs fim a 40 anos de bem-estar, reformas na legislação laboral e agrária, que haviam tornado o Chile o país mais avançado socialmente na América Latina. Com os generais no poder, o Chile tornou-se o “modelo neoliberal” para a América Latina. A violência dos gangues e a chamada “revolta da classe média” levou à consolidação do poder oligárquico e imperialista e a um reinado de 17 anos de terror sob a ditadura do General Augusto Pinochet. Toda a sociedade foi brutalizada e, com o regresso da política eleitoral, mesmo os antigos partidos “de esquerda” conservaram as políticas económicas neoliberais da ditadura, a sua constituição autoritária e o alto comando militar. A “revolta da classe média” no Chile resultou na maior concentração de riqueza nas mãos dos oligarcas na América Latina até hoje!
O uso e o abuso das “revoltas de massas” hoje: Egipto, Ucrânia, Venezuela, Tailândia e Argentina
Em anos recentes, as “revoltas de massas” tornaram-se o instrumento de escolha quando oligarcas, generais e outros imperialistas procuram “mudanças de regime”. Alistando uma série de nacionalistas demagogos e líderes de ONG financiados por imperialistas, criaram as condições para o derrube de governos democraticamente eleitos e encenaram o estabelecimento dos seus próprios regimes de “mercado livre”, com credenciais “democráticas” duvidosas.
Nem todos os regimes eleitos sob cerco são progressistas. Muitas “democracias”, como a Ucrânia, são governados por um conjunto de oligarcas. Na Ucrânia, a elite que apoia o Presidente Viktor Yanukovich, decidiu que entrar numa relação de estado-cliente com a União Europeia não era do seu interesse e procurou diversificar os seus parceiros internacionais de negócio, mantendo ao mesmo tempo relações lucrativas com a Rússia. Os seus opositores, que estão actualmente por detrás das manifestações em Kiev, defendem uma relação de estado-cliente com a UE, o estabelecimento de tropas da NATO e o corte de relações com a Rússia. Na Tailândia, o Primeiro-ministro democraticamente eleito Yingluck Shinawatra representa uma secção da elite económica com ligações e apoio nas zonas rurais, especialmente no Noroeste, bem como extensas relações comerciais com a China. Os opositores estão sedeados na cidade, mais próximos dos militares-monarquistas e são a favor de uma agenda neoliberal pura, ligada aos EUA, contra a agenda rural patronal-popular da Senhora Shinawatra.
O Governo egípcio de Mohamed Morsi, democraticamente eleito, levou a cabo uma política islamita moderada, com algumas restrições no exército e afastamento em relação a Israel e apoio aos palestinianos em Gaza. Nos termos do FMI, Morsi procurou um compromisso. O regime de Morsi avançava quando foi derrubado: nem islamita nem secular, não favorecendo os trabalhadores mas também não favorecendo o exército. Apesar de todos os seus diferentes grupos de pressão e contradições, o regime de Morsi permitiu greves laborais, manifestações, partidos de oposição, liberdade de imprensa e reunião. Todas estas liberdades democráticas desapareceram depois de vagas de “revoltas de massas nas ruas”, coreografadas pelos militares, terem criado condições para os generais tomarem o poder e estabelecerem a sua brutal ditadura, prendendo e torturando dezenas de milhares e ilegalizando todos os partidos da oposição.
Manifestações de massas e acções directas lideradas por demagogos têm também como alvo governos progressistas democraticamente eleitos, como a Venezuela e a Argentina, a juntar às acções contra democracias conservadoras, como as acima citadas. A Venezuela, sob o governo dos presidentes Hugo Chavez e Vicente Maduro, prossegue um programa anti-imperialista e pró-socialista. Às “revoltas de gangues” juntam-se vagas de assassinatos, sabotagem de serviços públicos, escassez artificial de bens essenciais, difamação mediática e campanhas eleitorais da oposição com financiamento externo. Em 2002, Washington aliou-se com os seus colaboradores políticos, oligarcas estabelecidos em Miami e Caracas e gangues locais armados, para montar um “movimento de protesto” como pretexto para um golpe planeado pelos militares e empresários. Os generais e os membros da elite tomaram o poder e depuseram e prenderam o Presidente Chavez, democraticamente eleito. Todos os caminhos da expressão e da representação democrática foram fechados e a constituição foi anulada. Em resposta ao rapto do “seu presidente”, mais de um milhão de venezuelanos mobilizou-se espontaneamente e marchou até ao Palácio Presidencial para exigir a restauração da democracia e o regresso de Hugo Chavez à presidência. Apoiados pelos largos sectores pró-democracia e pró-Constituição das forças armadas da Venezuela, os protestos de massas levaram à derrota do golpe e ao regresso de Chavez e da democracia. Todos os governos democráticos que enfrentam revoltas de grupos financiados pelo imperialismo e pelos oligarcas deveriam estudar o exemplo da Venezuela, que infligiu uma derrota aos generais e oligarcas dos EUA. A melhor defesa para a democracia encontra-se na organização, mobilização e educação política da maioria eleitoral. Não chega participar em eleições livres; uma maioria educada e politizada deve também saber como defender a sua democracia nas ruas tanto como nas urnas.
As lições do golpe falhado de 2002 foram muito lentamente apreendidas pela oligarquia venezuelana e pelos seus patrões dos EUA, que continuaram a desestabilizar a economia numa tentativa de ameaçar a democracia e tomar o poder. Entre Dezembro de 2002 e Fevereiro de 2003, quadros superiores do petróleo corruptos da nominalmente pública companhia de petróleo PDVSA (Petróleos da Venezuela) organizaram um bloqueio “de patrões” parando a produção, exportação e distribuição local de petróleo e produtos refinados do petróleo. Sindicalistas corruptos, ligados ao National Endowment for Democracy, dos EUA, mobilizaram os trabalhadores do petróleo e outros funcionários no apoio ao bloqueio, na sua tentativa de paralisar a economia. O governo respondeu mobilizando os outros trabalhadores do petróleo que, com uma minoria significativa de quadros intermédios, engenheiros e técnicos especializados, apelaram à classe trabalhadora venezuelana para tomar os campos de petróleo e instalações dos “patrões”. Para contrariar a grande escassez de gasolina, o Presidente Chavez assegurou o fornecimento por parte de países vizinhos e aliados no exterior. O bloqueio foi vencido. Vários milhares de apoiantes do golpe foram despedidos e substituídos por gerentes e trabalhadores democratas.
Não tendo conseguido derrubar o governo democrático por via das “revoltas de massas”, os oligarcas voltaram-se para um plebiscito ao governo de Chavez e, mais tarde, apelaram a um boicote eleitoral à escala nacional, ambas iniciativas derrotadas. Estas derrotas fortaleceram as instituições democráticas da Venezuela e diminuíram a presença de legisladores da oposição no Congresso. Os falhanços repetidos da elite para tomar o poder levaram a uma nova estratégia em múltiplas vertentes, utilizando: (1) ONG’s financiadas pelos EUA para explorar reivindicações locais e mobilizar residentes em torno de problemas da comunidade; (2) arregimentar ladrões para sabotar serviços, particularmente fornecedores de energia, assassinar camponeses que receberam títulos de propriedade na sequência da reforma agrária, bem como altos responsáveis e activistas; (3) grandes marchas de campanha eleitoral e (4) desestabilização económica por via da especulação financeira, transacções cambiais ilegais com o estrangeiro, especulação e açambarcamento de bens de primeira necessidade. O objectivo destas medidas é incitar o descontentamento das massas, usando o controlo dos media para preparar outro assalto ao poder financiado pelos EUA.
Violentos protestos de rua por estudantes da classe média da Central University, de elite, foram organizados por demagogos financiados por oligarcas. As “manifestações“ incluíram sectores da classe média e habitantes pobres das cidades descontentes pelas situações de escassez artificial e cortes de energia. As causas do descontentamento popular foram rápida e eficazmente respondidas no topo por enérgicas medidas governamentais: os comerciantes envolvidos em acções de açambarcamento e especulação foram presos; os preços dos bens essenciais foram reduzidos; os bens açambarcados foram apreendidos dos armazéns e distribuídos pelos pobres; a importação de bens essenciais foi aumentada e os sabotadores foram perseguidos. A intervenção eficaz do Governo teve eco junto da massa da classe trabalhadora, a classe média baixa e os habitantes pobres do campo e da cidade e restabeleceu o seu apoio. Os apoiantes do Governo saíram para a rua e fizeram fila nas urnas para derrotar a campanha de desestabilização. O governo ganhou claramente as eleições, o que lhe permitiu agir decisivamente contra os oligarcas e quem os apoiava, em Washington.
A experiência venezuelana mostra como uma enérgica resposta do governo pode restabelecer o apoio e aprofundar mudanças sociais progressistas para a maioria. Isto acontece porque a intervenção progressista em força, por parte do governo, contra os oligarcas antidemocratas, combinada com a organização, educação política e mobilização da maioria dos votantes, pode derrotar decisivamente estas revoltas de massas encenadas.
A Argentina é um exemplo de um regime democrático enfraquecido que tenta agradar simultaneamente a oligarcas e a trabalhadores, às elites do sector agrícola e mineiro e círculos da classe média dependentes das políticas sociais. O governo eleito de Kirchner-Fernandez enfrentou “revoltas de massas” numa série de manifestações de rua instigadas por exportadores por causa de impostos; a classe média-alta de Buenos Aires revoltou-se por causa do “crime, desordem e insegurança”, houve uma greve dos polícias à escala nacional “por causa dos salários”, polícias que “olharam para o lado” enquanto grupos de “proletários”, na verdade ladrões de rua, pilharam e destruíram lojas. Tudo somado, estas vagas de violência de gangues na Argentina parecem ser parte de uma desestabilização politicamente dirigida pela Direita autoritária que instigou ou, pelo menos, explorou estes acontecimentos. Para além de chamarem os militares para restabelecer a ordem e cedendo às exigências “salariais” da polícia em greve, o Governo de Fernandez não foi capaz ou não quis mobilizar o eleitorado democrático em defesa da democracia. O regime democrático permanece no poder, mas está cercado e vulnerável aos ataques dos opositores domésticos e imperialistas.
Conclusão
As revoltas são espadas de dois gumes: podem ser uma força positiva quando acontecem contra ditaduras militares como as de Pinochet ou Mubarak, contra monarquias absolutas autoritárias como a Arábia Saudita, um estado colonialista e racista como Israel, e ocupações imperialistas como contra os EUA no Afeganistão. Mas têm que ser dirigidas e controladas por líderes populares locais que procurem restaurar o governo da maioria democrática.
A História, desde a Antiguidade aos nossos dias, ensina-nos que nem todas as “revoltas de massas” atingem, ou mesmo são motivadas, por objectivos democráticos. Muitas serviram oligarcas que pretendiam derrubar governos democráticos, líderes totalitários que procuravam estabelecer regimes fascistas e pró-imperialistas, demagogos e autoritaristas que pretendiam enfraquecer regimes democráticos enfraquecidos, e militaristas que pretendiam começar guerras com ambições imperialistas.
Hoje as “revoltas de massas“ contra a democracia tornaram-se um procedimento operacional habitual para os governantes da Europa Ocidental e EUA, que procuram contornar os procedimentos democráticos e estabelecer clientes pró-imperialistas. A prática da democracia é denigrida enquanto os gangues são louvados nos media imperialistas. É por isto que os terroristas e mercenários islâmicos armados são chamados “rebeldes” na Síria e as multidões nas ruas de Kiev (Ucrânia) que tentam pela força depor um governo democraticamente eleito são rotulados “democratas pró-Ocidente”.
A ideologia que enforma as “revoltas de massas” varia desde “anticomunista” e “antiautoritária” na Venezuela, até “pró-democracia” na Líbia (mesmo quando bandos tribais e mercenários massacram comunidades inteiras), no Egipto e na Ucrânia.
Estrategas imperialistas sistematizaram, codificaram e tornaram operacionais “revoltas de massas” a favor do poder dos oligarcas. Peritos internacionais, consultores, demagogos e funcionários de ONG’s arranjaram carreiras lucrativas à medida que viajam para “lugares estratégicos” e organizam “revoltas de massas”, arrastando os países-alvo para uma colonização “mais profunda” por via de uma “integração” europeia ou em torno dos EUA. A maioria dos líderes locais e demagogos aceitam esta dupla agenda: “protestem hoje e submetam-se a novos senhores amanhã”. As massas nas ruas são enganadas e depois sacrificadas. Acreditam que chegará um ”novo dia” do consumismo ocidental, empregos mais bem pagos e maior liberdade pessoal… apenas para serem enganados quando os seus novos governantes enchem as prisões com opositores e muitos dos antigos manifestantes, sobem os preços, cortam salários, privatizam as companhias do estado, vendem as firmas mais lucrativas a estrangeiros e duplicam a taxa de desemprego.
Quando os oligarcas “encenam” revoltas de massas e tomam conta do regime, os grandes derrotados incluem o eleitorado democrático e muitos dos manifestantes. Pessoas de esquerda e progressistas, no Ocidente ou no exílio, que haviam apoiado as “revoltas de massas” sem pensar, irão publicar os seus ensaios académicos sobre “a revolução (sic) traída”, sem admitirem a sua própria traição de princípios democráticos.
Se e quando a Ucrânia entrar na União Europeia, os exuberantes manifestantes de rua irão juntar-se a milhões de desempregados na Grécia, em Portugal e na Espanha, bem como a milhões de pensionistas brutalizados por “programas de austeridade” impostos pelos seus novos governantes, a “Troika” em Bruxelas. Se estes, que antes se manifestavam, tomarem mais uma vez as ruas, em revolta contra a “traição” dos seus líderes, poderão disfrutar da vitória, sob os bastões da “polícia treinada pela NATO e União Europeia”, enquanto os media ocidentais se terão deslocado para outro sítio em apoio à “democracia”.
Tradução de André Rodrigues P. Silva