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Atilio Borón

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Bachelet: "antipolítica" + antipartido = governo dos mercados

Atilio Borón - Publicado: Quarta, 25 Dezembro 2013 01:54

Se existe algo que pode esvaziar de conteúdo um projeto democrático é a combinação entre abstencionismo eleitoral e o repúdio aos partidos políticos.


Precisamente, é isto que está ocorrendo no Chile a partir da vitória de Michelle Bachelet numa eleição na qual quem verdadeiramente arrasou foi abstencionismo, que arregimentou 59% do eleitorado, enquanto Bachelet obteve apenas o apoio de 25% do mesmo. Não é preciso ser um Prêmio Nobel da Ciência Política (praga até agora inexistente) para concluir que a democracia chilena enfrenta uma grave crise de legitimidade: a "antipolítica". Ou seja, a indiferença cidadã ante o predomínio indiscutível dos grandes interesses privados expressa, de maneira categórica, o triunfo ideológico do neoliberalismo num país onde não apenas a economia possui este signo ideológico, mas que também o assume como sua divisa uma sociedade que tem mais de quarenta anos de doutrinamento nos valores mais exacerbados do individualismo burguês.

A apatia cidadã não é um capricho. Pode ser explicada por um fato bem simples: uma democracia que durante mais de vinte anos se desinteressou pela sorte da cidadania (ao passo que se esforçava para assegurar os lucros dos capitalistas), depois de certo tempo, apenas podia colher apatia, desinteresse e, em alguns casos, o aberto repúdio de amplos setores da sociedade. Não surpreende que a última pesquisa do Latinobarómetro tenha certificado que, interrogada sobre qual é a forma preferível de governo, quase um terço da mostra entrevistada no Chile, exatamente 31%, declarasse preferir um governo autoritário ou que "dá na mesma" qualquer tipo de regime político. Na Venezuela, no entanto, para tomar o caso de um governo ferozmente atacado pela imprensa hegemônica na região por conta de seus supostos "déficits democráticos", responderam da mesma maneira apenas 11% dos entrevistados. E como assegura a teoria política, a qualidade de uma democracia se mede, entre outras coisas, pelas crenças políticas de seus cidadãos. Não é este o único indicador no qual a Venezuela bolivariana supera quase todos os países da região, começando pelo Chile.

A vitória do neoliberalismo e a exaltação dos valores mercantis se traduzem naturalmente na derrota da política nas mãos do mercado; do espaço público subjugado pela esfera do privado, dominada pelas grandes empresas. Ao anterior, soma-se a preocupante declaração feita por Bachelet no dia seguinte a sua vitória quando disse (tal como reproduzido pelo Página/12 em sua edição de 17 de dezembro) que "as decisões que vou tomar, não são apenas de gabinete. A coalizão que me apoia é uma coisa, a constituição do governo eu vou decidir". Em outras palavras, o pior dos mundos: apatia cidadã combinada com a desmobilização ou marginalização dos partidos políticos e, por extensão, dos movimentos sociais ou de outras formas de organização são a expressão das aspirações, expectativas e interesses das classes e camadas sociais que compõem a sociedade chilena. Por acaso a futura presidenta acredita que desse modo poderá avançar na reforma da antidemocrática constituição pinochetista, do regressivo regime tributário e da educação convertida num negócio que oferece enormes lucros aos empresários que ganham com ela, para nem falar em revogar a antiquada e reacionária legislação trabalhista que, todavia, subsiste no Chile? Sem uma população re-politizada (como soube ser o Chile de Allende) e sem partidos políticos e movimentos sociais que canalizem e potencializem as aspirações populares, a democracia chilena continuará sendo presa fácil das classes dominantes, dos grandes empresários que, de dentro e de fora do Chile, vem controlando o estado e os sucessivos governos, desde o golpe de 11 de setembro de 1973.

Conviria que, considerando o anterior, Bachelet refletisse sobre o que mais de uma vez sentenciara George Soros: "os cidadãos votam a cada dois anos, os mercados votam todos os dias". Controlar esse nefasto influxo cotidiano dos mercados – eufemismo para não designar por seu nome de grande capital – será uma missão impossível evitar a armadilha da "antipolítica" e sem garantir que os partidos, sobretudo os de esquerda, joguem um papel protagonista em seu governo. Do contrário, o trânsito dessa frágil democracia sem cidadãos para uma plutocracia desenfreada será tão acertado como inevitável.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB).


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