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Sílvia Ribeiro

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Vida artificial com finalidades de lucro

Sílvia Ribeiro - Publicado: Terça, 29 Junho 2010 19:41

Silvia Ribeiro

No passado dia 20 de Maio, o controverso cientista Craig Venter anunciou que o Instituto Venter e a sua empresa Synthetic Genomics Inc, tinham construído em laboratório o primeiro genoma completo totalmente artificial, com capacidade de auto-replicação.


Enxertaram este genoma artificial numa bactéria que tinham previamente despojado do seu material genético e conseguiram que o genoma sintético intruso comandasse a bactéria, replicando-se.

São muitos os temas e problemas colocados pela construção e libertação de vida artificial, desde éticos a bélicos – pelo seu alto potencial como armas biológicas –, bem como pelos graves impactos ambientais e económicos que teria.

No entanto, com a arrogância que o caracteriza, Venter anunciou o facto como se fosse uma estreia de Hollywood, encomiando os seus sucessos e desvalorizando os riscos desta nova forma de manipulação da vida. Segundo ele, a construção de vida artificial será a solução para problemas energéticos, climáticos, ambientais, alimentares e de saúde. Tudo em função do lucro que possa conseguir com isso, pelo que patenteou todo o processo e, para que ninguém possa usar ou copiar a sua invenção, introduziu no genoma artificial sequências genéticas que identificam a sua propriedade.

Um exemplo macabro que mostra o tipo de "solução" a que se refere Venter, é a colaboração da Synthetic Genomics, a empresa da qual é co-fundador (com capitais e participação dos mexicanos Alfonso Romo e Juan Enríquez), com empresas que estão entre as mais sujas do planeta: as petrolíferas Exxon e BP. Procuram desenvolver combustíveis a partir da sua produção com micróbios construídos artificialmente e baseados em algas transgénicas e micro-algas com genoma artificial. Tal implicaria a libertação em massa de vida artificial em milhares de quilómetros do mar, com impactos potenciais muito mais além do que alguém possa predizer, já que nunca houve vida artificial em interacção com o meio ambiente e outros organismos vivos.

Com o recente mega-derrame de petróleo no Golfo do México, a BP demonstrou fidedignamente ao mundo que, em função de poupar dinheiro em medidas de segurança, não duvida em pôr em risco enormes áreas naturais e ecossistemas, a vida de milhões de seres vivos e as formas de vida e sustento de centenas de milhares de pessoas. Imagine você o que pode surgir da colaboração entre os entusiastas da manipulação e privatização da vida e da ciência com as empresas mais contaminadoras e irresponsáveis do planeta.

Embora outros cientistas questionem, com razão, que esta seja criação de vida artificial, já que na realidade Venter introduziu um genoma numa bactéria pré-existente, isso não diminui os riscos que esta criação significa. O objectivo de Venter é criar um genoma mínimo que possa ser construído artificialmente para usá-lo como uma plataforma, um "estrutura" a que se possa agregar diferentes genes segundo a função que se procure. Por isso afirma que poderia ser usada em tantos campos: dependeria dos genes que lhe fossem agregados.

Para procurar esses genes, Venter dedicou-se a biopiratear lugares megadiversos do mundo (incluindo o México, o Equador, El Salvador e outros da América Latina e do mundo). Conta agora com uma enorme colecção de genes com características extremas, para os seus fins comerciais. Enquanto os colectava, assegurou que eram para investigação "sem finalidades de lucro". Pouco depois declarou que se conseguisse construir um micróbio artificial para produzir combustíveis, valeria «milhares de milhões de dólares», e «sem dúvida patentearia todo o processo».

O que Venter e outros que trabalham em biologia sintética não mencionam, é que se funcionarem, precisarão de alguma fonte de hidratos de carbono para alimentar esses micróbios artificiais e produzir o que antevêem. Isso significará um ataque massivo com novas fronteiras de exploração e comercialização da "biomassa" do planeta, dos cultivos e bosques existentes e/ou novos açambarcamentos de terra para semear intermináveis monocultivos para processar com micróbios artificiais. Isto acarretará mais impactos ambientais e sociais, com deslocamentos de camponeses, indígenas e outros habitantes nessas terras. Em lugar de procurar o petróleo debaixo da terra, que é biomassa processada em milhões de anos, agora querem converter em hidrocarbonetos e polímeros a biomassa sobre a terra (e o mar), existente ou por semear.

Cada vez há mais provas científicas de que o funcionamento dos genes e a sua relação dentro dos organismos e com o meio, são muito mais complexas do que se acreditava. A construção de vida artificial em laboratório pode "funcionar", mas não há dúvida que violenta os longos processos co-evolutivos naturais dos organismos e do ambiente, com impactos impredizíveis sobre estes.

Por estas e outras razões, o corpo científico-técnico do Convénio de Diversidade Biológica das Nações Unidas acordou em Nairobi, no dia seguinte ao anúncio de Venter, o envio de uma recomendação de moratória à libertação de organismos vivos artificiais, à próxima sessão do Convénio. É apenas um começo, que marca a urgência de um amplo debate social para impedir que empresas e cientistas ávidos de lucro continuem a actuar na impunidade.

Fonte: La Jornada / Infoalternativa.


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