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Amy Goodman

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Democracy now!

Foram Manning, Snowden e Assange que correram riscos para expor os crimes

Amy Goodman - Publicado: Segunda, 12 Agosto 2013 16:21

“A guerra é uma estrutura perigosa, que pode desmoronar-se facilmente e sepultar-nos nos seus escombros”, escreveu Carl von Clausewitz, o general e teórico militar prussiano do século XIX, no seu texto “Da guerra”, há quase 200 anos. 


Esta citação foi tomada do capítulo “A informação na guerra”, um tema que ressoa fortemente na atualidade de lugares tão díspares como Fort Meade, Maryland, onde um tribunal militar acaba de considerar o soldado Bradley Manning culpado de espionagem; até à Embaixada de Equador em Londres, onde o fundador da Wikileaks, Julian Assange, vive há mais de um ano, depois de ter recebido asilo político para evitar ser processado nos Estados Unidos; passando pela Rússia, onde o informador da Agência de Segurança Nacional Edward Snowden recebeu asilo temporário.

 

A condenação de Manning suscitou um interesse momentâneo entre a elite mediática dominante dos Estados Unidos, que dedicou muito pouca atenção ao conselho de guerra que decorreu ao longo de dois meses, apenas a alguns quilómetros ao norte de Washington D.C. Os seguidores de Manning expressaram alívio por ter sido absolvido da acusação mais grave apresentada contra ele: colaborar com o inimigo, algo que teria significado uma condenação a prisão perpétua. No entanto, foi considerado culpado de 20 dos 22 delitos que lhe imputaram, e poderá ser condenado a até 136 anos de prisão. O tribunal pronunciar-se-á sobre a condenação nas próximas semanas.
 
“Bradley Manning é agora um mártir. Todo o mundo entende que Bradley Manning deu informação aos média sobre crimes de guerra e da política em torno da guerra, e alguma dessa informação foi publicada nos média. Não o acusaram de ter trabalhado para interesses estrangeiros, nem de ter beneficiado pessoalmente com as suas revelações. Puseram Bradley Manning numa situação injusta, em que enfrenta uma pena de até 136 anos de prisão. Isso desprestigia o Governo dos Estados Unidos e a justiça desse país”, afirmou Julian Assange a partir da embaixada de Equador em Londres. “O veredicto é claramente uma tentativa de quebrar os informadores, mas não o conseguirão”.
 
Cabe realçar que o ex Secretário da Defesa dos Estados Unidos Robert Gates enviou uma carta ao senador Carl Levin em 2010, na qual escreveu a respeito das informações divulgadas: “Até ao momento, a investigação não revelou que a divulgação tenha posto em perigo qualquer fonte ou método de informação”.
 
Bradley Manning fez uma declaração no início do Conselho de Guerra, na qual assumiu a responsabilidade da divulgação das informações, mas, o que é mais importante, expressou a motivação porque o fez. Manning falou especificamente do vídeo do massacre de uma dezena de civis em Bagdade a 12 de julho de 2007, registado pelo próprio helicóptero Apache que estava a disparar. Duas das vítimas mortais trabalhavam para a agência de notícias Reuters: o câmara Namir Noor-Eldeen, de 22 anos, e o seu motorista, Saeed Chmagh, que tinha quatro filhos.
 
Podemos escutar as próprias palavras de Manning, graças a uma gravação áudio não autorizada da sua declaração, que foi divulgada de forma anónima. Manning afirmou: “No entanto, o aspeto mais aterrador do vídeo, para mim, foi o massacre perpetrado aparentemente com prazer pelo grupo de armas aéreas. Desumanizaram as pessoas sobre as quais disparavam e não pareciam valorizar em nada a vida humana. Referiam-se a eles como 'malditos mortos', e felicitavam-se entre si pela capacidade de matar muitas pessoas ao mesmo tempo. Num momento do vídeo pode ver-se uma pessoa no chão tentando arrastar-se até um lugar seguro. Estava gravemente ferida. Em lugar de chamar uma ambulância, um membro da equipa de armas aéreas solicitou à pessoa ferida que pegasse nas suas armas para ter motivo para disparar sobre ela. “Para mim, isto parece-se muito a um menino que tortura formigas com uma lupa”.
 
Uma das acusações de que Manning foi considerado culpado foi a de “publicação arbitrária”. É uma acusação sem precedentes no direito militar. O advogado de Manning disse que se trata de um delito inventado. O verdadeiro delito, de que ninguém foi acusado, é a arbitrária falta de respeito pela vida humana que Manning denunciou.
 
As revelações de Bradley Manning deram à Reuters e ao mundo uma imagem clara do horror da guerra moderna e da morte violenta de dois trabalhadores dos média no cumprimento do seu dever.
 
Como afirmou o jovem soldado na sua eloquente declaração: “Pensava que se o público em geral, e em particular o público norte-americano, tivesse acesso à informação que continha [as revelações], poder-se-ia suscitar um debate nacional sobre o papel das forças armadas e da nossa política externa em geral, em relação ao Iraque e ao Afeganistão”.
 
De facto, Bradley Manning suscitou o debate. A última onda de revelações, a de Edward Snowden, ajudou a intensificar o debate, e até gerou uma aliança rara no Congresso entre legisladores democratas e republicanos que têm como objetivo restringir o alcance do que muitos consideram um Estado de segurança nacional exacerbado. Se bem que na semana passada a proposta de emenda apresentada pelo representante republicano Justin Amash e pelo democrata John Conyers tenha sido recusada na Câmara Baixa por uma diferença mínima de votos, ambos redigiram um projeto de lei aparte denominado H.R. 2399 com o mesmo objetivo.
 
Carl von Clausewitz escreveu: “A grande incerteza que rodeia os dados disponíveis na guerra constitui uma dificuldade característica, porque, até certo ponto, a ação deve ser dirigida praticamente às escuras”. Bradley Manning realizou atos muito valentes para publicar informação, atravessar a barreira de ocultação da guerra e tornar públicos os perversos mecanismos do tipo de guerra norte-americana moderna. Edward Snowden revelou a sofisticação e o alcance extraordinário do Estado de vigilância nos Estados Unidos, que reprime quem se atreve a revelar informação importante. Entretanto, Julian Assange permanece encerrado nas quatro paredes da embaixada, perseguido pelo crime de publicar informação. No entanto, quem planeou as guerras, aqueles que cometeram os crimes de guerra e os que realizaram a espionagem ilegal estão, de momento, em liberdade.
Artigo publicado em “The Guardian” e "Democracy Now" em 1 de agosto de 2013. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. 
 
Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Tradução para português de Carlos Santos/Esquerda.net.

 


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