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José André Lôpez Gonçâlez

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Em coluna

Argumentos para entendermos a crise atual

José André Lôpez Gonçâlez - Publicado: Segunda, 10 Mai 2010 02:00



José André Lôpez Gonçâlez

(Apontamentos para a discussão com os trabalhadores. I parte.)


Semelha existir um consenso geral de ter entrado a humanidade desde o ano 2008 numa nova e convulsa etapa da história de imprevisíveis consequências. Até mesmo os apologistas mais acérrimos do sistema não duvidam qualificar este momento como uma ponte entre formas de produzir e reproduzir a vida avelhentadas e uma nova época, escura nas suas contornas principais, mas cuja arribada se julga inexorável.

Está, por outro lado, na boca do conjunto social, bem que em forma pouco elaborada, a ideia de atravessarmos um umbral que vai além de um problema econômico. Que tudo quanto acontece no mundo é muito mais do que um desfase conjuntural, para atingir caráteres comovedores dos próprios valores de relação social assentados e até mesmo os piares do próprio Estado.

Dito isto, cumpre salientar que a assunção da séria problemática da crise não veio acompanhada de uma explicação profunda da mesma. Toda a sociedade enxerga que algo não corre bem e que o conjunto dos valores e tramas sociais esfianham por todo o lado o tecido, ainda ontem considerado resistente e para a eternidade até, sem se compreender que é o que acontece, quais as causas profundas que nos levaram ao olho de um furacão incontornável e incontrolável. Tudo o mais, os "expertos" comentaristas dos rádios, jornais e das televisões – dos conservadores mais retrógrados até os reformistas mais à esquerda - propõem milagrosas receitas – quando não pedestres saídas - com mais carga ideológica do que conhecimento profundo e certo. Soluções apenas aparentes que voltam uma vez e outra ao pragmatismo e ao empirismo mais superficiais renunciando à partida ao conhecimento das causas históricas e estruturais subjacentes aos sintomas evidentes .

Nem as explicações de tipo neo-ricardiano, nem as neo-malthusianas, nem as neo-keynesianas, nem tão sequer as que afundam as raízes no ecologismo burguês, tem servido de guia para iluminar um modelo convincente do curso, natureza e saída da crise que abala o planeta.

Neste cenário os marxistas, têm algo a dizer, para além do dever de estudar a problemática de forma a guiar os trabalhadores por rotas bem diferentes às postuladas polas correntes ideológicas dominantes no seio das organizações operárias, sejas sindicais e mesmo aquelas que se chamam de esquerda.

Com a crise, as contradições todas do sistema capitalista, no seu imparável processo de acumulação agomaram abertamente naqueles países onde as condições vitais dos trabalhadores tinham alcançado mais elevadas cotas. Parece que tudo vem dar-nos a razão os marxistas quando tínhamos afirmado milhares de vezes que o tão anelado "pleno emprego" e a gratuidade dos sistemas básicos de proteção social tornaram-se incompatíveis, a olhos vistos, com a implacável lógica acumulativa do capital.

Dum ponto de vista marxista a acumulação de capital recria as condições da crise. Assim, acumulação e crises vem sendo dous momentos diferentes do processo histórico de reprodução do capital. A crise é a forma que adota num momento dado este processo negando até certo ponto os níveis alcançados pola acumulação, recriando e reajustando a estrutura orgânica do capital às condições para uma ulterior expansão, embora sobre bases tanto institucionais quanto estruturais diferentes respeito das anteriores.

Os ideólogos da burguesia vieram dizer na época do relativo auge econômico, que o progresso continuado havia superar as desigualdades sociais e afastaria de vez e para sempre, no correr do tempo, os conflitos. Dizendo-o com a sua boca: a democracia [entenda-se aqui por democracia a chamada representativa ou burguesa. Leia-se a este respeito o maravilhoso artigo do Celso Alvarez Cáccamo, em 1 de Maio deste ano no Diário Liberdade: A perfeição da democracia pós-representativa] é a menos má das formas de governo e o capitalismo o melhor dos sistemas econômicos.

Toda a maranha ideológica encobridora[1] e todas as ilusões legitimadoras quando a orgia expansionista forçava a máquina a todo quanto tinha caiu de golpe de noite para a manhã vindo à luz a natureza real e depredadora das relações de exploração.

O último covalho que lhes resta aos apologistas do capitalismo é tentar colar nas inúmeras palestras postas à sua disposição em rádios, televisões, imprensa escrita e internet a sua ideologia: a "economia" está doente porque "todos" – homens e mulheres viventes - intervimos nela, e intervimos mal, todos somos culpáveis (do menos qualificado trabalhador aos grandes acionistas das corporações industriais e bancárias), logo "entre todos" temos que pôr remédio a essa doença que nos atinge a todos por igual, tanto ao rico quanto ao pobre, a quem trabalha como àquele que fica no desemprego e daí, "Todos temos que pôr da nossa parte" e... isso há requer sacrifícios... malgrado aconteça que aqueles que terão de os fazer hão ser ... os de sempre.

Os marxistas propomos uma saída diferente de tudo em tudo a este beco sem saída. Propomos uma saída política (também os cantores do capitalismo, mesmo que os disfarcem com pretensos argumentos científicos e técnicos) pois do que se trata é de saber quem comanda, quem domina o capital e o próprio Estado.

O marxismo tem definido desde o Manifesto do Partido Comunista o processo histórico com palavras de queimante atualidade: a luita de classes. Estas palavras definem a cousa com cirúrgica precisão. E a definição é o princípio certo para dar com a solução do problema levantado.

Da produção e reprodução da relação social de dominação capitalista resulta o capital. Com a relação social, pressuposto da existência do capital desde que o trabalhador vende a sua força de trabalho, porque se isso não acontecesse deixaria de existir o capital.

Mas o trabalhador não vende apenas a sua força de trabalho, não produz e reproduz somente essa relação social , também a alarga.

Cumpre destes pressupostos ir passo a passo desvendando o processo que desembocou na crítica situação do tempo presente e, em consonância com o que vimos dizer, tentar enxergar as medidas que o grande capital há tentar impor-nos, quais as medidas que o Estado – como comando do grande capital – há tramar para fazer cair o maior peso possível sobre as costas dos mais humildes e qual o caminho que os comunistas propomos a todos os trabalhadores para nos sacudir tão abafante pressão tirando já de vez a pesada lousa que esmaga a humanidade e ameaça inclusive a vida toda do planeta.

Quando se fala da ótica do marxismo de crise, fala-se a princípio do ciclo industrial. A hipótese de Marx de se desenvolver o capitalismo através de ciclos cuja duração é, aproximadamente, de sete anos, vê-se corroborada empiricamente – última ratio que revalida as teses de qualquer ciência - desde que se têm registrado desde os anos vinte do século XIX até a primeira década do XXI, vinte e três crises de sobreprodução.

Do nosso ponto de vista, os movimentos especulativos que se registaram - a quem os governos, a mídia e todos quantos "expertos" falam e escrevem, fazem com tanto finca-pé responsáveis, não podem ser o ponto de partida para analisarmos a treboada que abala o mundo mas, a reafirmação de as crises serem provocadas por um anárquico crescimento de produção em todos os ramos que leva, queira-se ou não, à sobreprodução. Os movimentos especulativos não podem explicar a crise atual, mais bem acontece ao contrário, são os sintomas da crise de reprodução e a queda da taxa de lucro o que explica os movimentos de especulação e a fedorenta agiotagem. E todos os dados levam-nos confirmar encontrarmos-nos numa crise de acumulação para cuja hipotética superação parecem inviáveis as terapias monetárias, fiscais e de investimento público que tentem pôr os estados em andamento apressadamente, mesmo semelharem acertadas prima facie.

Ainda acrescentamos que a mimética aplicação social hoje de todas aquelas receitas que resultaram eficazes no tempo atrás, hão surtir efeitos não apenas diferentes, mas agravantes dos desajustamentos e desequilíbrios de hoje em dia.

É a lei objectiva do valor – determinante tanto dos preços das mercadorias quanto da distribuição de recursos entre os diversos ramos, incluindo o mercado de trabalho – quem deita luz para entendermos as crises periódicas do capitalismo e, naturalmente, a presente crise.

Se estudarmos com rigor o movimento dos preços – e falamos em preços tendo presente que estes não são mais que valores expressos em tempo de trabalho, ainda que modificados – pode se observar que o incremento dos preços de mercadorias como o petróleo, as máquinas-ferramentas ou o ouro tiveram, no percurso dos últimos sessenta e cinco anos, taxas de incrementos quase parelhos, enquanto mercadorias como o aceiro, a roupa e o calçado acusaram uma alta bem mais limitada. Este facto põe às claras a maior taxa de crescimento da produtividade do trabalho em ramos da produção como os do aço ou o têxtil frente a outros, como o ouro ou o petróleo muito menos desenvolvidos.

O movimento do "dinheiro como valor de uso para a fixação dos preços"[2], lá onde a produtividade do trabalho é maior, ou de outra maneira, com maior taxa de rendibilidade em relação ao capital colocado, tem determinado o movimento dos preços como não podia acontecer de outra maneira.

Contudo, fugiremos na exposição, de uma reduzida e simplista explicação monocausal. Isso, do nosso ponto de vista, seria distorcer a realidade, torná-la inoperativa para os trabalhadores agir com sucesso. A explicação tem que partir todavia de duas razões mutuamente combinadas: uma sobreprodução de mercadorias e uma sobreprodução de capital, ou, por outras palavras, uma combinação da queda da taxa meia de lucro com a queda da demanda dos bens de consumo.

Ora bem, que se diga que a presente crise é uma crise clássica de sobreprodução é dizer muito, mas também quase nada como cotação do fenômeno, desde que cada crise tem de necessidade semelhanças com a anterior, isto é, ajusta-se a regras gerais que podem ser descritas e analisadas com leis certas, e dissemelhanças desde que cada crise mostra umas características próprias, únicas, que a afasta das outras.

Vamos, pois, na procura destas características mais marcantes.

1.- De forma surpreendentemente anômala, os preços das mercadorias já na anterior crise dos anos oitenta cresceram. Por segunda vez na história do capitalismo não se olha nenhures quedas generalizadas dos preços [não quer dizer que os preços de alguns produtos não tenham caído, isso sabe-o qualquer que não se negue ver a realidade e vaia diário às lojas procurar as mercadorias para a sua mantença. Afirmamos que este fato não é generalizável, que é cousa bem diferente]. Eis a primeira característica que não se nos pode escapar.

Por outro lado, paradoxalmente, o pote do capitalismo atufou em prosperidade, até o momento que ficou sem fôlego numa ardente lareira ateada apressadamente com uma rima de estelas de dívida: o que não se podia mercar com os ingressos comprava-se com créditos (dívidas a curto, meio ou longo prazo), tudo quanto não se podia investir com a mais-valia arrancada invertia-se com créditos (dívidas a curto, meio ou longo prazo). É o que se chama de borbulha financeira.

Mas, equivocaram-se de meio a meio aqueles que sonhavam poder enriquecer-se com dívida durante o processo inflacionista que se passou, o sorriso terá-se-lhe congelado já e deveram cair da burra em baixo. Com certeza compravam-se casas, terrenos e prédios deitando mão dos créditos e fazendo os pagamentos com moeda muito desvalorizada. Mas, contudo isso, esqueciam as mais das vezes, com falta de lógica por vezes espantosa, que a dívida tem de ser reembolsada e o interesse pago desde que é para isso que se fazem os empréstimos. Assim acontece, que ao medre da inflação acompanhou-lhe como parelha de dança invisível, mas chegando solícita à cita, a dama do acréscimo da taxa de interesse e a resultas desta dança fatal no ingresso corrente, o descendo da capacidade de compra e poupança.

2.- A divisão do trabalho vinculada à crescente socialização é a segunda característica que se encontra na crise atual.

As relações políticas que mudaram desde a revolta dos países colonizados –do Terceiro Mundo na linguagem dos média – empurraram também para a mudança no reparto da mais-valia entre as burguesias dos países imperialistas e as dos países colonizados e semi-colonizados. A parte apanhada polas burguesias subsidiárias coloniais é, contudo, muito fraca ainda - não debe ir para lá do 4% ou 5% do total – mas trouxe mudanças nos repartes não só entre os países imperialistas e os coloniais e semi-coloniais, mas também nos intercâmbios entre as próprias potências imperialistas. Esta mudança não pode ser tomada à ligeira e a análise destas mudanças permite compreender a história dos anos cinquenta até hoje com as inúmeras e sangrentas intervenções das potências imperialistas no continente americano, África e Ásia.

3.- Um terceiro rascunho que há que salientar é o fato de apesar ter enfraquecido o movimento operário na escala universal durante a orgia liberal pouco antes e a derrubada do "socialismo realmente existente", a burguesia não teve força avonde para derrotá-lo de jeito tão esmagador como o tinha feito na época dos fascismos triunfantes (é esse esmagamento o que permite – em parte – explicar o cumprido boom do após-guerra da II Guerra Mundial, mas não é este o momento para falar disso), entre outras razões porque a correlação de forças entre a burguesia e o proletariado (tomando-os numa acepção universal) nem era a mesma já dos anos vinte – cinquenta do século XX, nem as classes intermédias tinham o poder numérico e, sobretudo, econômico que alcançaram naquela época.

É de muita importância assinalar que o que caracterizou o estalido das crises foi de caminho do fortalecimento da classe da burguesia e do enfraquecimento brutal da classe dos proletários: o desemprego maciço, os despedimentos de massas e o fechamento de fábricas jogou sempre um fator de primeira ordem na mudança da correlação de forças em favor da classe compradora de força de trabalho frente dos trabalhadores. Já desde a antecedente crise pôde-se ver que a derrota operária – sendo como foi importante - não chegara a ser tão profunda para, de regra, a relação do volume das rendas de força de trabalho em relação com o volume total sofressem uma mudança significativa.

Acho que esta é uma das razões que podem explicar porque é tão profunda a crise presente e, com quase total certeza, prolongar-se-á por muito tempo. Daqui saca-se que os choques entre a burguesia e os trabalhadores hão resultar fortíssimos [leia-se o artigo Greve Geral na Grécia: milhares tentam assaltar Parlamento burguês, em Diário Liberdade, 5 de Maio de 2010] à escala universal visto o relativo equilíbrio de forças.

Neste cenário a classe dominante está obrigada a acelerar vias com as que impor a sua disciplina. Quais as possíveis saídas que se podem olhar de aqui a pouco para relançar a agônica economia do tempo pressente – sempre do ponto de vista da burguesia - é o que o movimento operário deve analisar para poder agir.

Eis algumas:

A.- O apressamento da automatização massiva dos processos produtivos (inerente ao próprio modo de produção). A França pode servir de exemplo. Nos últimos anos o número de trabalhadores empregados na indústria diminuiu de 27% para 21%. Esta rebaixa, sem dúvida é muito significativa, não consegue mudar, contudo, o esmagador peso numérico dos operários industriais em relação à massa total assalariada, para não falar do peso do seu montante salarial em relação ao proletariado total e, sobretudo, da capacidade política potencial de liderança respeito do conjunto da população. E por outro lado também nos diz que a taxa de exploração cresceu de forma espetacular ou dito de outra maneira, a relação capital constante / capital variável cresceu.

B.- Combinado com esta tendência galgante para a automatização, a burguesia tentará empurrar mais e por atacado, fórmulas para a expansão do trabalho informal, chamado de negro ou lixo, incrementando as horas de trabalho e quase apagando a divisão entre tempo de trabalho e tempo de lazer. O processo de automatização tende ir de mãos dadas com o processo de degradação das condições tanto de saúde laboral, o "tempo para si" e a massa salarial em relação ao desgaste da força de trabalho. Isto é, um abraço da mais-valia absoluta com a mais-valia relativa. Mas, uma tentativa assim, de violento golpe à reprodução da força de trabalho, há provocar, de necessidade, um incremento da briga entre a resistência – mais ou menos organizada[3] - à tendência relativa à queda dos salários e a resistência à queda da taxa de lucro, quer dizer, um combate polo troço de bolo da mais- valia[4].

Marx sinalou em O Capital que a força de trabalho entende-se como o conjunto das faculdades físicas e espirituais existentes na corporalidade (Leiblichkeit), na personalidade vivente (Lebendigen Persönlichkeit) do ser humano[5]. O fenômeno, ordinário já nos tempos presentes, não faz mais que corroborar fielmente o asserto de Marx com mais força hoje do que fora em tempos de Marx. Tendo presente a importância disto que, aliás, é corroborado na frágua da prática, ainda o é mais desde que constata uma outra característica neste estágio do desenvolvimento capitalista: a galgante tendência à taylorização do trabalho do sector serviços e do trabalho assalariado intelectual - com as características próprias desta camada de trabalhadores de individualização salarial e flexibilização horária – que joga para o enfraquecimento da organização coletiva do trabalho e os resultados fatais sobre as organizações da classe obreira, sobretudo das organizações sindicais.

D.- Aguarda-se um combate a morte polo salário indireto. Note-se que hoje nos países do centro do sistema este salário atinge o 40% do total do salário do trabalhador durante a sua vida produtiva. O apagamento significaria, de triunfar as pretensões da burguesia, um rebaixamento de, polo menos, 40% desse salário indireto que haveria fluir para os bolsos da burguesia incrementando a um tempo o poder da burguesia respeito dos operários.

A impossibilidade objectiva de rebaixar os salários direta e globalmente por uma descarnada resistência dos operários mostra-se com absoluta evidência neste anelo recorrente desde os primórdios dos anos oitenta do século XX.

E.- A chamada deslocação. Seria de parvos minimizar tal fenômeno, mas há que advertir que neste assunto não convém ser exagerados confundindo a análise principal.

Empiricamente tem-se detectado, desde há tempo bastante, uma orientação da burguesia imperialista a exportar máquinas-ferramentas e equipamentos industriais para os países da periferia capitalista. De fato, o volume de exportação de máquinas-ferramentas e de equipamentos industriais tem aumentado nas últimas décadas. Mas, torna-se impossível exportar máquinas-ferramentas sem isto não criar indústrias e, com isso, novas contradições e entraves para tentar corrigir a curva da queda da taxa de lucro (mesmo mantendo e acrescentando até, a massa). E, por outro lado, desde que se criam novas indústrias nos países semi-colonias não pode deixar de acontecer o fortalecimento do proletariado na esfera universal.

5.- Na época do imperialismo clássico da primeira guerra mundial, os capitais fluíam dos países imperialistas para os coloniais e semi-coloniais determinando assim a divisão do trabalho internacional onde, o Terceiro Mundo fornecia de matérias primas e alimentos os países centrais.

Está-se a assistir a uma remodelação da divisão internacional do trabalho. Há uma frenética corrida visando os grandes monopólios para o sector agrícola. A queda da taxa meia de lucro pola ração crescente entre o trabalho morto e o trabalho vivo na indústria empurra a procura de novos sectores de inversão com menor composição orgânica[6]. Por vez primeira na história do capitalismo houve um desprazimento dos países do Terceiro Mundo como exportadores de alimentos a serem países importadores e dependentes quebrando ao passo a soberania alimentar a quem a tinha dantes.

Esta mudança de paradigma é, de qualquer ponto de vista, extremamente perigoso. Deitar nas mãos de muito poucas corporações o destino alimentício de centenas de milhões de pessoas, para não falarmos de milhares de milhões, e um empobrecimento absoluto – para não falar do simples desaparecimento - das variedades de plantas e animais, pode hipotecar a vida não só da geração atual, mas das futuras e até mesmo o destino do planeta.

6.- As tentativas de transformação dos serviços em produção de mercadorias e a transformação mediante a micro-eletrônica dos serviços públicos em privados: um deslocamento massivo do ensino e da medicina dos setores públicos para os privados.

Em resumo. A crise atual, segundo todos os indícios, vai ser de muito longa duração desde que a burguesia se sente incapaz objetivamente para impor de forma total e radical as suas medidas por fraqueza da classe dos operários e paralelamente a classe dos operários não pode impor os seus interesses por fraqueza subjectiva, pola marcante ausência de consciência de classe e de direção revolucionária. Mas esta situação de instável equilíbrio não pode durar sempre.

[1] Nem mesmo um pensador tão poderoso como Ricardo escapou à "necessária" harmonia do sistema capitalista, quem para explicar as crises recorrentes deste sistema teve que recorrer à bioquímica como sarcasticamente escreveu Marx: «Ricardo supõe que a força produtiva do trabalho aumenta na indústria mercê à acumulação do capital, decresce na agricultura. Fugindo da economia, refugia-se na química orgânica.» (Elementos fundamentais para a Crítica da Economia Política (borrador), pág. 288, t. 2, ed. Siglo XXI, Madrid, 1972, [Embora Jevons abondo o superasse desde que fazia vir as crises e os males da economia capitalista nada menos que... das manchas solares].

[2] Marx: Elementos fundamentales para la crítica de la Economía Política, 1857-1859 (der Grundri?e...), Espanha, Ed. S. XXI, 1989, Vol. I, p. 209; e no Marxists Internet Archive: em português: http://antivalor2.vilabol.uol.com.br/textos/marx/marx_40.html em inglês: http://www.marxists.org/archive/marx/works/download/Marx_Grundrisse.pdf

[3] Marx explicou em Salários, preços, lucros (leia-se no Marxists Internet Archive: http://www.marxists.org/portugues/marx/1865/salario/index.htm) o que segue: "Os sindicatos (...) fracassam em alguns casos por usarem pouco inteligentemente das suas forças. Em geral, são deficientes ao se limitarem a uma guerra de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente (...) em lugar de empregar as suas forças organizadas como alavanca para a emancipação definitiva da classe operária, isto é, para a abolição definitiva do sistema do trabalho salariado.

[4] A exploração não é apenas uma categoria econômica, mas também ética: é a proporção da dimensão prática de uma pessoa sobre outra; é uma relação social; é, como já temos dito, a relação de existência do capital.

[5] El Capital, Ed. Siglo XXI, México, 1979, Vol I/1-3, 203,2-23 e no Marxists Internet Archive, seção em alemão: Zur Kritik der Politischen Ökonomie, http://www.mlwerke.de/me/me13/me13_003.htm

[6] Chama-se composição orgânica à relação direta entre o Capital Constante (prédios, maquinário, matérias primas, investimentos para investigação, créditos bancários ou a outras empresas, matérias semi-elaborados ou elaborados em estocagem, etc.) e o Capital Variável (tanto salários diretos: aqueles recebidos diretamente polos trabalhadores, quanto indiretos: aqueles que são recebidos por prestações como podem ser a segurança social, ajudas a pessoas dependentes em razão da sua idade e das pessoas que menos se podem valer por si, seja por natureza psíquica, seja por problema físico, etc., e os diferidos: pagamentos a desempregados, aposentados, etc.)


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