Uribe tinha conseguido mudar a constituição colombiana, há quatro anos, que não incluía a reeleição, baseado no apoio que nenhum outro presidente tinha conseguido, com um governo centrado na "segurança democrática", que consistia na tentativa de resolução militar do conflito com as guerrilhas, apelando para tudo nesse enfrentamento, desde os grupos paramilitares até operações cruéis e impiedosas do Exército, com total apoio dos EUA. Seu apoio chegou a estar acima dos 80%.
Quando a Justiça rejeitou a demanda de Uribe para tentar uma segunda reeleição, o jogo parecia alterar-se apenas um pouco. Juan Manuel Santos, seu ex-ministro de Defesa, seu delfim preferido, imediatamente assumiu o cargo de continuador do uribismo. Já naquele momento as pesquisas apontavam para uma vitória de Santos, mas agora no segundo turno, enfrentando a candidata do Partido Conservador, também da base governista.
A oposição se desgarrava entre uma série de candidatos com níveis baixos de apoio, pela própria fragmentação. O Pólo Democrático, que havia deslocado a bipolaridade tradicional entre liberais e conservadores, chegando em segundo lugar quatro anos antes, com Carlos Gaviria, tinha tido um resultado inesperado nas prévias internas, quando ele foi derrotado por Gustavo Petros, um candidato mais moderado, proclive a aliança com outros partidos de oposição. O certo é que Petros esteve longe de galvanizar o voto de esquerda, tornando-se apenas um entre outros tantos candidatos opositores, em maior ou menor grau.
De repente começou a mudar a preferência do eleitorado, revelando como, liberado da liderança de Uribe e sua chantagem da "segurança democrática", os colombianos foram se dando conta que já não seria necessário manter a prioridade da luta contra a violência – na visão redutiva do governo, da violência guerrilheira.
Uribe havia perdido as eleições nas principais cidades – Bogotá, Cali, Medellin – nas eleições de novembro de 2007, porque o eleitorado vota por critérios de políticas sociais, em nível local. Mas no cenário político nacional Uribe mantinha um apoio amplo, até essa circunstância recente.
Antonas Mockus tinha sido um folclórico prefeito de Bogotá, reitor da principal universidade publica da Colombia, uniu-se a outros bom ex-prefeitos, usou a sigla verde – que apenas serve para simbolizar que representaria algo novo, sem nenhum conteúdo ecológico especifico – e, depois de não ter tido um resultado positivo nas eleições parlamentares, de repente começou a se diferenciar dos outros candidatos e a catalizar o voto do cansaço de Uribe. Propôs a outro candidato moderado retirar sua candidatura e somar-se a ele como candidato a vice e pareceu ganhar mais fôlego que os outros. É como se, dado que a "segurança democrática" já se incorporou ao consenso nacional, queriam isso e algo mais, que Santos não oferece, porque se apresenta como a continuidade dura e pura de Uribe, acreditando que esse era o caminho seguro de vitória.
Mockus rapidamente chegou ao empate técnico e superou Santos, particularmente no segundo turno, em que parece canalizar definitivamente o voto que quer virar a página do uribismo que, de qualquer maneira, remete a um tempo de violências, escândalos, chantagens, narcotráfico, que os colombianos parecem querer superar.
Mockus diz que manterá a política de "segurança democrática", que não negociará com as Farc enquanto mantenham seqüestrados – recusando assim a proposta da senadora Piedad Cordoba de passar das liberações unilaterais das Farc aos intercâmbios humanitários de prisioneiros dos dois lados -, mas que colocará a ênfase na legalidade, no combate aos excessos que caracterizaram o governo Uribe.
Pode-se imaginar que acenará também com a normalização das relações com os países da região – especialmente com o Equador e com a Venezuela, propiciando o desafogo das dificuldades econômicas que a suspensão das compras de Caracas produziu na economia colombina – além de buscar aprofundar as relações com outros países, em particular com o Brasil.
Dificilmente tocará nas bases militares norteamericanas. Tampouco pode-se prever uma virada nas relações econômicas externas privilegiadas, transferindo-as dos EUA para os processos de integração regional. Ao contrário, é mais provável que, buscando limpar a imagem suja da Colômbia em termos de direitos humanos, trate de preencher os requerimentos que o Congresso norteamericano, dominado pelos democratas, demandam para assinar um Tratado de Livre Comércio com os EUA.
De qualquer forma, quaisquer que sejam os elementos de mudança e de continuidade, será positiva a provável derrota de Uribe e de seu candidato. Sairá de cena o personagem cujo governo mais ameaça a convivência pacifica e a construção de processos de integração política regional. Piñera perderá seu aliado privilegiado e os EUA o sonho de construção de um pólo duro, com o Chile, o Peru e a Colômbia, para se contrapor àquele da integração regional, composto pelo Brasil, pela Argentina, pelo Uruguai, pelo Paraguai, pela Venezuela, pela Bolívia e pelo Equador. A Colômbia poderá começar a sair do pesadelo que se abateu sobre o país nas últimas décadas.