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Atilio Borón

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Espanha, qual Espanha?

Atilio Borón - Publicado: Segunda, 16 Abril 2012 22:51

Atilio A. Boron

[Tradução do Diário Liberdade] O confronto entre o governo argentino e a empresa Repsol YPF desencadeou uma virulenta reação de servidores públicos do governo ultraconservador espanhol.


As declarações do ministro de Assuntos Exteriores, José Manuel García-Margallo, da vice-presidenta do governo Soraya Sáenz de Santamaría, e do secretário de Estado de Espanha para a União Europeia, Iñigo Méndez de Vigo, revelam que, apesar do longo tempo decorrido, estes servidores públicos da coroa ainda não interiorizaram o resultado da batalha de Ayacucho, que em 1824 terminou de demolir os restos do império espanhol nesta parte do mundo. Tanto a sua encenação -rostos endurecidos de fúria, frases estrondosas, dedo indicador em riste de García-Margallo- como o conteúdo amenaçador de suas declarações, especialmente as do tal Méndez de Vigo, dizendo que a Argentina se converteria em um "pária internacional" e sofreria "consequências péssimas" caso se afetassem os interesses de Repsol YPF, são uma oportuna lembrança de que, lamentavelmente, as piores tradições do colonialismo espanhol seguem vivas e regurgitam a cada vez que sentem que alguma de suas antigas colônias se afasta do curso de ação marcado pelas antiga metrópoles.

A violência simbólica desatada nestes dias inscreve-se no sórdido panorama que apresenta a Espanha atual, atribulada por uma profunda crise econômica e pelo fenomenal retrocesso experimentado em matéria de direitos cidadãos e liberdades públicas. Faz escassamente um par de dias que o presidente do governo, Mariano Rajoi, fez pública sua intenção de vigiar e manietar as redes sociais, fazendo com que toda convocação de protestos ou manifestações políticas de qualquer tipo feita através das mesmas será qualificada nada menos que como um "delito penal". Tudo isto com o afã de impedir que as vítimas do brutal ajuste neoliberal possam lutar contra a injustiça de um projeto  qual só e exclusivamente se preocupa com salvaguardar os interesses do capital, não o bem-estar do povo.

O argumento mais utilizado por estes acesos servidores públicos da coroa é que qualquer agressão à Repsol YPF seria um ataque à Espanha e, portanto, aos espanhóis. Não há que cair nessa armadilha. O litígio não é com a Espanha ou os espanhóis, mas com sua burguesia, que explora e desangra os povos tanto fora como dentro da Espanha, coisa que hoje é evidente até para um cego. Porque a Espanha não é essa quadrilha de saqueadores profissionais, dignos descendentes dos que cometeram em nossas terras o maior genocídio da história, apoiados pela maléfica aliança entre a cruz e a espada. A Espanha não são esses especialistas em esvaziar empresas e em arrancar chorudos lucros, como já fizeram por toda a América Latina e o Caribe, sob a proteção de seus padrinhos políticos, sejam estes Felipe González, José María Aznar ou Mariano Rajoi. Espanha não é essa coroa nauseante e parasitária, afundada na lama de escândalos que "a imprensa séria" da península se encarrega de dissimular. Para nós, Espanha é a poesia de Miguel Hernández, Rafael Alberti e Federico García Lorca; as pinturas de Pablo Picasso; a música de Manuel de Falla e Pablo Casals; a filosofia de Manuel Sacristán Luzón e de meu inesquecível mestre Adolfo Sánchez Vázquez. Espanha é o extraordinário labor dos republicanos exilados no México: Wenceslao Roces, José Gaos e Eugenio Imaz, entre outros, exímios tradutores ao castelhano do Capital e outros textos de Karl Marx, bem como de muitos outros autores do pensamento clássico. Espanha, por último, é o invencível heroísmo do Maracujá e dos anarquistas e comunistas que lutaram contra a barbárie franquista, da qual Rajoi, Aznar e o Partido Popular são indiscutíveis herdeiros. Estes energúmenos, tardios sobreviventes de um conjuro medieval, representam com seus exabruptos de hoje, o pior da Espanha. São os cães guardiães dos filibusteros de terno e gravata, que semeiam miséria dentro e fora da Espanha. A luta é contra essa Espanha, não contra os espanhóis nem muito menos contra a outra Espanha, com a qual nos sentimos fraternizados.


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