Foi quanto bastou para que se erguessem em coro os indignados democratas que comandam os nossos destinos, devidamente acolitados pelos seus ideólogos e propagandistas. Clamando uns para que Otelo fosse preso e julgado, outros lembrando que ele era um assassino, dirigente e inspirador de terroristas que assassinaram inocentes, e por aí fora.
Certamente que as sugestão de Otelo para que os militares realizem um novo 25 de Abril é uma patetice. Não pelas razões apontadas pela generalidade dos nossos democratas, mas pela simples razão que nas actuais forças armadas portuguesas nada há de democrático e progressista, não restando também qualquer vestígio do espírito do 25 de Abril. Os militares que realizaram o 25 de Abril foram todos, sem excepção, saneados ou expulsos das forças armadas, tendo alguns deles passado pela prisão. E também é público o seu alinhamento com as doutrinas da NATO, o entusiasmo com que participaram e participam nas agressões imperialistas à ex-Jugoslávia, Afeganistão, Iraque e Líbia, o seu empenhamento na luta "anti-terrorista" e a total identificação política e ideológica com tudo o que seja doutrina militar e de segurança com origem nos USA. Para além das reivindicações salariais, as únicas que se conhecem são as de mais e mais sofisticados meios de guerra para que possam fazer melhor figura junto dos parceiros da NATO e terem um papel acrescido nas agressões aos povos que não estejam nas boas graças dos imperialismos americano e europeu.
Ao contrário do que pensa Otelo, um golpe de estado nas actuais circunstâncias só poderia ser de direita e fascizante. O que, tendo em conta a evolução que está a ter a União Europeia, poderá vir a ser uma ameaça bem real – o facto de estarem a ser nomeados governos não eleitos (Grécia e Itália), impostos pelo directório franco-alemão, com a maior das naturalidades, é algo que nos deve começar a preocupar – principalmente aos países "incumpridores" onde a agitação política social ameace a aplicação da receita do FMI e da EU.
Por outro lado, um golpe militar só teria algum sentido se ele resultasse de um processo de desagregação das forças armadas em resultado das lutas operárias e populares. O que está a anos-luz de ser o caso. O que fez com o golpe militar do 25 de Abril redunda-se numa crise revolucionária foi o desgaste a que os militares estiverem sujeitos por 13 anos de guerra colonial. Foram precisos 13 anos de guerra, e a percepção cada vez mais palpável de que Portugal caminhava para a derrota militar, para que as suas cabeças dos militares começassem a mudar. Foi graças ao sacrifico dos povos colonizados em luta, suportando massacres e atrocidades inomináveis – que passados mais de 40 anos ainda continuam por revelar em toda a sua dimensão e crueza –, que se começou a gerar na tropa portuguesa da altura a mentalidade que os impediu de reprimir o povo quando foi chamada a fazê-lo em 74/75.
Que os políticos do regime e seus porta-vozes na comunicação social se "indignem" contra a sugestão de subverter o regime actual nada tem de estranho. Está por assim dizer, na ordem natural das coisas. Tal como "esquecerem-se" do bombismo, dos assassinatos e dos assaltos às sedes dos partidos de esquerda, das bombas na embaixada de Cuba, nos escritórios da companhia aérea moçambicana, em que morreram pessoas, nos assassinatos do padre Max, de sindicalistas e militantes de esquerda cometidos pela ELP-MDLP e outros grupos de direita chefiados por grandes democratas como Spínola, Cónego Melo, Ferreira Torres, etc., e da conivência do PS, PSD e CDS com tais actividades.
Mais difíceis de compreender são os silêncios e as críticas vindas da esquerda que, no primeiro caso nada tem a objectar às calúnias lançadas sobre Otelo, a FUP e as FP-25, qualificando-os de assassinos, bandidos, terroristas ou, no segundo caso, as de Mário Tomé, acusando a sugestão de Otelo de protofascista. O que chama a atenção é a defesa que acabam por fazer do sistema democrático, ignorando que ele de facto não é mais que a ditadura de uma classe, a burguesia, e a forma de governo por excelência do capitalismo. E mais, o repúdio de qualquer ideia de revolução e de violência armada, e de subversão das democracias, resignando-se á convicção de que elas são a máxima liberdade a que os oprimidos podem aspirar.
O que está errado na sugestão de Otelo não é a ideia do derrube violento do actual regime, mas a de que os militares se poderem substituir aos trabalhadores e ao movimento popular, como se eles fossem portadores de qualquer coisa inata que os fizessem interpretes das suas lutas e aspirações.