Na realidade, estes assuntos carecem de substância: a questão dos iranianos é, em parte, a clássica paranoia de Washington e em parte, uma tática para pressionar nossos países e para ilhar, demonizando, o Irã. A lavagem de dinheiro é outra acusação que carece de fundamento, sobre tudo quando quem a discute tem, a uns 100 quilômetros da Casa Branca, um dos paraísos fiscais mais importantes do mundo: o Estado de Delaware, que torna público, por todos os meios, que qualquer companhia que instalar ali sua sede, ainda que seja um pequeno escritório, estará isenta do pagamento de impostos por todos os recursos produzidos por suas subsidiárias que desenvolvam suas atividades fora dos pequenos limites deste estado, seja dentro dos Estados Unidos ou no exterior. Por isso, 70% das 500 maiores transnacionais listadas na revista Fortune têm seus escritórios centrais nesse estado, que ainda se vangloria de ter uma legislação que "não coloca limites à usura".
Dados destes antecedentes e tendo sempre em conta que jamais se pode confiar na mentirosa benevolência do imperialismo e seus porta-vozes (quem tem dúvidas, melhor que reflita sobre o ocorrido com Kadafi), a hipótese que se considera com mais força para compreender o sentido do convite de Obama diria que está motivada pelo desejo de sabotar, por hora diplomaticamente, o projeto integracionista representado pela Unasul e ilhar os governos de esquerda da região, principalmente a Venezuela de Chávez.
O Acordo do Pacífico, recentemente promovido pelos Estados Unidos e apoiado pelo México e, na América do Sul, por Colômbia, Chile e Peru, equivale a introduzir o Cavalo de Tróia dentro da Unasul. Não é casual que o inesperado convite para se reunir durante a Cúpula do G-20 em Cannes tenha chegado pouco depois de a presidente pronunciar dois discursos enfaticamente favoráveis à Unasul, no domingo (23) à noite, logo depois de sua rotunda vitória eleitoral. A doentia obsessão de Washington é acabar com o experimento bolivariano e apoderar-se do petróleo da Venezuela, como já o fez com o Iraque e com a Líbia.
Para os falcões estadunidenses — dos quais Obama é solícito mordomo — a estreita relação consolidada ao longo desses anos entre a Argentina e a Venezuela é um incômodo obstáculo que deve ser removido o quanto antes. A estratégia para 2012, ano em que será celebrada a crucial eleição presidencial na Venezuela, é chegar nesse momento com um Chávez debilitado por una intensa campanha desestabilizadora — que já começou! — que inclui desabastecimentos seletivos de artigos de primeira necessidade, assassinatos feitos por paramilitares colombianos infiltrados ilegalmente no país, o lupenproletariado recrutado para instalar uma sensação de absoluta insegurança cidadã, e o permanente clamor da "imprensa independente" (na realidade, a única instância organizativa que tem a direita tendo em conta a debilidade de suas expressões partidárias) denunciando supostas restrições à liberdade de imprensa em um país onde a partir de um jornal, uma rádio ou uma televisão pode ser feita a apologia do assassinato ou a incitação à violência com total impunidade.
Dentro desta estratégia global, separar a Argentina do projeto integracionista sul americano é um passo estratégico da maior importância. Avançar até esse objetivo parece ser o único sentido possível do convite feito pelo mandatário estadunidense.
Tradução:Vanessa Silva