1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (0 Votos)
António Barata

Clica na imagem para ver o perfil e outros textos do autor ou autora

Em coluna

Iraque – Democratizar à bomba

António Barata - Publicado: Terça, 20 Abril 2010 00:00

António Barata 

Dizem-nos que as eleições recentemente realizadas no Iraque foram um êxito, um sinal claro de que começa a dar frutos a nova orientação estratégica,  posta em marcha pelo general Petreus e Obama: a participação nas eleições  aumentou,  os sunitas abandonaram em grande número a resistência armada,  deixaram de boicotar o “Estado”  e as eleições, a  Alcaida  caminha para a  derrota, o país democratiza-se, dizem. 


No entanto,  vista mais de perto,  a realidade dos factos aponta numa direcção diferente.  Em primeiro lugar,  as “eleições”  não foram livres porque se  realizaram  com o Iraque sob ocupação.  E  nunca o poderão ser  enquanto esta durar;  em  segundo lugar, o seu único  objectivo  foi  legitimar  a invasão e a  ocupação e criar as condições mínimas para a consolidação do controlo interno do Iraque capaz de permitir a retirada americana em 2011. 

Nestas circunstâncias, as eleições foram tudo menos a normal expressão da vontade do povo do Iraque, que tem 40 mil dos seus habitantes presos por actividades políticas e de guerrilha e outros 5 milhões refugiados ou deslocados. Tal como no Afeganistão, não passaram de uma farsa em que a vontade popular foi substituída por “arranjinhos” locais entre lacaios e colaboracionistas internos e as potências regionais, num quadro de preservação dos interesses imediatos dos EUA e da EU. E acima de tudo, uma mão sobre os recursos energéticos do Médio Oriente.

Se, ao contrário do que aconteceu nas eleições anteriores, a resistência contra a ocupação decidiu não recorrer a acções armadas contra a campanha nem impedir ou dificultar a adesão popular, a verdade é que não participou nelas por as considerar ilegais. Se a isto juntarmos o facto de os resultados eleitorais não terem correspondido ao que se esperava, apesar do “processo eleitoral” ter sido condicionado desde a primeira hora para que os resultados fossem convenientes aos EUA e aos seus parceiros ocidentais, o que ressalta é a fragilidade da orientação estratégica dos EUA pós-Bush.

PRESOS NA SUA PRÓPRIA ARMADILHA

Tal como aconteceu no Vietname, os norte-americanos encaminham-se para o desastre com a ideia de substituir os seus soldados por iraquianos e, principalmente, por mercenários; de apoiar e promover o poder fictício de lacaios, grupos sectários e provocadores, uns ao serviço dos ocupantes, outros de interesses regionais sauditas e iranianos; de aliciar e acenar com concessões às resistências sunita e xiita e aos nacionalistas curdos com o objectivo de os manterem sob controlo.

É certo que diminuíram as baixas americanas, o que permitiu reduzir a pressão contra a guerra nos EUA e na Europa. Mas multiplicaram-se as iraquianas, nada se sabendo quanto às ocorridas entre as forças mercenárias, não contabilizadas, que constituem o maior contingente militar e de segurança no Iraque. Basta um olhar mais atento e informado para facilmente percebermos que não diminuiu a oposição dos iraquianos à ocupação, que as tensões sectárias, étnicas e nacionais permanecem, que o Curdistão iraquiano é de facto um Estado dentro do Estado, que as milícias sunitas e xiitas que observam tréguas não só não desarmaram, como podem a qualquer momento voltar à luta, que os interesses e agentes das potências regionais estão à espreita e trabalham para a desagregação do Iraque, nomeadamente o Irão, país cujo regime tem forte influência entre os xiitas e no Sul do Iraque, e com quem Obama se tem procurado entender sobre a partilha das influências regionais, o acesso aos recursos do Iraque e à consolidação do poder interno.

Evidência clara das dificuldades dos ocupantes, e do terreno movediço em que assenta o pseudopoder que tutelam, os resultados eleitorais acabaram por não produzir os resultados esperados no que respeita à consolidação do poder interno iraquiano e à criação de condições para uma retirada dos EUA no próximo ano. Ao contrário do que se esperava, quem ganhou as “eleições” não foi Nouri al-Maliki, o homem de mão dos EUA e agente da CIA durante o regime de Saddam Hussein (ficou em segundo lugar), mas Ayad Allawi, o candidato colaboracionista xiita apoiado pelos sunitas. Ficou em terceiro lugar a Aliança Nacional Iraquiana, integrando vários grupos xiitas, o maior grupo étnico. Por seu lado os curdos, numa clara afirmação de que são um Estado dentro do estado iraquiano e de que a sua ligação ao Iraque é apenas formal, ignoraram mais uma vez o acto eleitoral. Em consequência, em vez da pacificação, democratização e reforço do poder interno, multiplicam-se os implacáveis e violentos confrontos armados a que as facções colaboracionistas têm vindo a recorrer para a resolver as disputas políticas, e que tiveram início no Verão passado, como forma de pressão negocial.

Estes resultados, além de provocarem já o acirramento das disputas sectárias, vão também obrigar a renegociar o frágil acordo que permitiu a realização das eleições, ano e meio depois da data inicialmente anunciada. Esse foi o tempo necessário para as facções colaboracionistas xiita, sunita e curda se entenderem sobre a divisão do poder, o controlo dos ministérios e territórios, a garantia para cada uma das etnias e nacionalidades de uma fatia do parlamento, a repartição dos lucros do petróleo (a privatizar), a revisão da lei eleitoral (foram impedidos de participar nas “eleições” 16 partidos e mais de 500 candidatos, suspeitos de ligações à resistência ou ao partido de Saddam Hussein, o Baas), etc.  A renegociação ainda vai ter de lidar com a complicada exigência sunita para a  integração  no Estado  dos  mais de 100 mil  milicianos sunitas  armados pelo general Petreus  para combater a  sua própria  resistência  –  o que fizerem com relativo  êxito.  O frágil princípio de compromisso pré-eleitoral, a não ser satisfeito, levará ao rompimento dos acordos estabelecidos por esta facção com os norte-americanos e os seus parceiros de poder, com os consequentes boicotes ao parlamento e ao governo, o recrudescimento das lutas sectárias, do banditismo armado e, em menor número, a passagem de algumas destas milícias para a resistência, onde de resto algumas delas já estiveram, o que faria a guerra voltar à intensidade e aos caos dos primeiros quatro anos.

PERSPECTIVAS SOMBRIAS

Os EUA estão a ser vítimas da sua própria acção. Ao invadirem o Iraque, submeteram-no a uma lógica colonial, de fragmentação social, para melhor manobrar e dominar. Com isso liquidaram qualquer possibilidade de a médio prazo se vir a constituir um poder interno, do tipo neocolonial, minimamente viável, o que compromete uma retirada americana nos prazos previstos e a mais longo prazo. Há quem fale na eternização da presença militar ocidental. Se os norte-americanos retirassem em 2011, seria o colapso do poder fantoche iraquiano, a guerra civil e o desmembramento do Iraque. Todos o sabem, não é novidade nenhuma. Perante um quadro destes, com um poder interno de tal maneira frágil e volátil, o Iraque transformar-se-ia numa segunda Somália. Para um desastre destes não acontecer – o que implicaria o catastrófico enfraquecimento do controlo geoestratégico das potências ocidentais sobre o Médio Oriente e os seus recursos naturais, perigando a sua tutela sobre uma das maiores reservas mundiais de petróleo e deitando por água abaixo os negócios fabulosos da “reconstrução”, das empresas de mercenários e da indústria de guerra dos EUA – o governo norte-americano não tem outra solução que não seja a continuar a ocupação e a manter uma dispendiosa e sofisticada presença militar que está a absorver uma fatia em crescimento galopante do seu Orçamento de Estado, que já se situa acima dos 700 mil milhões e é responsável pelo acelerado crescimento da colossal divida externa dos EUA.

Sintoma claro das dificuldades em que se encontram os ocupantes para saírem do atoleiro em que se meteram é o silêncio cauteloso da administração Obama, ao mesmo tempo que os chefes militares dos EUA no Iraque pedem novo adiamento da retirada das suas tropas.

 

Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.