Por isso, se queremos vislumbrar o que avança (ou retrocede) no país, é necessário ampliar a visão, olhando para outros elementos. Mesmo avanços reais que possam ter ocorrido não podem nos impedir de ver o muito em que se falta avançar.
Como mostra o gráfico mais abaixo, há uma melhoria do coeficiente de Gini, acentuadamente a partir do Governo Lula. Contudo, a própria diminuição da desigualdade de renda se deve em grande parte por uma ação redistributiva do governo através de programas sociais, do que por uma mudança no padrão de desenvolvimento brasileiro.Segundo o presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - vinculado ao Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil), o economista Márcio Pochmann, nos dados de seu artigo no jornal Valor Econômico no dia 8 de setembro deste ano, "Tributação dos ricos":
"O impacto distributivo do Estado brasileiro se mostrou inegável, com queda no grau de desigualdade pessoal da renda de 9,5%, passando de 0,55, em 2003, para 0,50, em 2009 (índice de Gini, quanto mais próximo de 1 mais desigual a distribuição). Se desconsiderada a atuação do Estado sobre os rendimentos do conjunto da população, ou seja, a renda original sem incluir as políticas de transferências de renda, a redução no grau de desigualdade seria de apenas 1,7% (de 0,64, em 2003, para 0,63, em 2009)".
Evolução do Coeficiente de Gini ao longo dos últimos vinte anos no Brasil
(estatísticas geradas a partir do Ipeadata, com dados do PNAD)
Tendo em vista que a tarefa de realizar um raio-x completo da realidade brasileira exigiria um aprofundamento maior e demandaria mais tempo que o possível agora, optar-se-á em pegar dois elementos que são característicos da formação social brasileira: a tributação e a concentração fundiária. Ao longo da história a tributação brasileira sempre foi das mais perversas, servindo à concentração de renda, tributando mais os mais pobres e os trabalhadores e tributando menos os mais ricos e o capital. E, se há um elemento histórico-estrutural no Brasil é o problema fundiário.
Segundo Pochmann, a "arrecadação tributária, [...] permanece fortemente concentrada na parcela da população de baixa renda". Para ele, o sistema de tributação é regressivo: os brasileiros com renda de até 2 salários mínimos (s.m.) pagam em tributos o equivalente a 48,9% de sua renda, enquanto os que recebem mais de 30 s.m. pagam o equivalente a apenas 26,3% de sua renda em tributos.
Vários são os fatores apontados pelo presidente do IPEA, entre eles a inexistência de "tributação sobre as grandes fortunas no país, sem qualquer contribuição ao fundo público, devido à ausência de taxação específica conforme verificado nas economias desenvolvidas". Como também a tributação regressiva de alguns impostos: "os tributos diretos sobre a propriedade rural (ITR) e urbana (IPTU) seguem inacreditavelmente regressivos, uma vez que sinais exteriores de riqueza concentrada manifestada por latifúndios e mansões em progressão sigam quase imunes à contribuição justa ao fundo público. Além disso, constata-se também que o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) permanece sem incidir sobre aviões, helicópteros e lanchas". E vários são os mecanismos usados pelos mais ricos para fugir à tributação: "a ausência de tributação nas aplicações financeiras de residentes nas operações realizadas no exterior, sobretudo nos chamados paraísos fiscais. Em 2009, [...] somente os recursos aplicados em quatro dos 60 paraísos fiscais (Ilhas Cayman, Virgens Britânicas e Bahamas, mais Luxemburgo) [...] representaram mais de ¼ do total de recursos considerados investimentos diretos externos (IDE) pelo Banco Central. A [...] escassa regulação permite que esses recursos aplicados externamente possam retornar legalizados e com contida tributação".
Já se analisarmos os dados dos números do cadastro de imóveis do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) entre 2003 e 2010 ver-se-á que se ampliou a concentração fundiária. Em 2003, 112 mil proprietários possuíam 215 milhões de hectares. Já em 2010, 130 mil proprietários amealham 320 milhões de hectares. Ou seja, em 2003 cada um desses proprietários possuía per capita 1.920 hectares. Em 2010, cada um deles passou a possuir per capita 2462 hectares, um crescimento de 28%. Se levarmos em conta apenas as terras improdutivas o crescimento é de 44%, com os latifundiários passando de uma per capita de hectares de 2293 em 2003, para 3304 em 2010. O número de latifundiários com terras abaixo da produtividade média passando de 58 mil para 69 mil, um crescimento de quase 12%. É preciso notar que os números absolutos de terras improdutivas subiriam muito se a tabela de referência, do censo agropecuário de 1975, fosse atualizada com índices que refletissem as mudanças tecnológicas que foram implementadas no campo brasileiro.
É possível falar que houve avanços? É. Contudo, os avanços ainda não se estenderam ao conjunto da sociedade brasileira. E, principalmente, para que não derivem de ações estatais, é necessário uma mudança com a estrutura de desenvolvimento brasileiro. Para isso, no entanto, as mudanças deveriam ser estruturais, sendo necessário verdadeiras reformas de base, que rompessem em definitivo a articulação dependente do Brasil na economia mundial. Isso ocorrerá? Não se sabe, a história, como sempre, continua em aberto.