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John Pilger

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Em coluna

A ''obtenção'' de Assange e o enlamear de uma revolução

John Pilger - Publicado: Segunda, 10 Outubro 2011 02:00

John Pilger

O Tribunal Superior em Londres decidirá em breve se Julian Assange deve ser extraditado para a Suécia a fim de enfrentar acusações de má conduta sexual. Na audiência de apelo, em Julho, Ben Emmerson QC , advogado de defesa, descreveu toda a saga como "louca".


O promotor público chefe sueco desistiu da ordem de prisão, dizendo que não havia processo para Assange responder. Ambas as mulheres envolvidas disseram que haviam consentido em fazer sexo. Sobre os factos alegados, nenhum crime teria sido cometido na Grã-Bretanha.

Contudo, não é o sistema judicial sueco que apresenta um "perigo grave" para Assange, dizem seus advogados, uma disposição legal conhecida como Entrega Temporária (Temporary Surrender), sob a qual ele pode ser enviado da Suécia para os Estados Unidos secretamente e rapidamente. O fundador e editor do WikiLeaks, que publicou a maior fuga de documentos oficiais da história, proporcionando uma percepção única das guerras de rapina e mentiras contadas por governos, é provável encontrar-se num buraco infernal não diferente da masmorra de tormentos que aprisiona o soldado Bradley Manning, o alegado informante. Manning não foi processado, muito menos condenado, mas em 21 de Abril o presidente Barack Obama declarou-o culpado com um displicente "Ele infringiu a lei".

Esta justiça estilo Kafka aguarda Assange quer a Suécia decida ou não processá-lo. Em Dezembro último, o Independent revelou que os EUA e a Suécia já haviam iniciado conversações sobre a extradição de Assange. Ao mesmo tempo, um grande júri secreto – uma relíquia do século XVIII há muito abandonada neste país – reuniu-se exactamente do outro lado do rio de Washington, num canto da Virgínia que é o lar da CIA e da maior parte do establishment segurança nacional da América. O grande júri é um "remendo", contou-me um importante perito legal: ele recorda os júris só de brancos no Sul que condenavam negros automaticamente. Acredita-se existir uma acusação ainda lacrada.

Sob a Constituição dos EUA, a qual garante a liberdade de expressão, Assange deveria, em teoria, ser protegido. Quando concorria à presidência, Obama, ele próprio um constitucionalista, disse: "Informantes fazem parte de uma democracia saudável e devem ser protegidos de represálias". O seu abraço à "guerra ao terror" de George W. Bush mudou tudo isso. Obama tem perseguido mais informantes do que qualquer presidente estado-unidense. O problema para a sua administração em "obter" Assange e esmagar o WikiLeaks é que investigadores militares não descobriram conivência ou contacto entre ele e Manning, relata a NBC. Não há crime, de modo que algum tem de ser cozinhado, provavelmente em linha com a absurda descrição de Assange, feita pelo vice-presidente Joe Biden, como um "terrorista hi-tech".

Caso Assange vença seu apelo ao Tribunal Superior de Londres, ele poderá enfrentar a extradição directa para os Estados Unidos. No passado, responsáveis dos EUA sincronizaram autorizações de extradição com a conclusão de um caso pendente. Tal como os seus militares predatórios, a jurisdição americana reconhece poucas fronteiras. O sofrimento de Bradley Manning demonstra, juntamente com o recentemente executado Troy Davis e os esquecidos presos de Guantanamo, grande parte do sistema de justiça criminal dos EUA é corrupto se não ilegal.

Numa carta dirigida ao governo australiano, o mais distinto advogado de direitos humanos da Grã-Bretanha, Gareth Peirce, que agora actua em favor de Assange, escreveu: "Dada a extensão da discussão pública, frequentemente na base de suposições inteiramente falsas... é muito difícil tentar preservar para ele qualquer presunção de inocência. O sr. Assange tem agora pendente sobre si não uma mas duas espadas de Damocles, de potencial extradição para duas diferentes jurisdições por dois diferentes alegados crimes, nenhum dos quais são crimes no seu próprio país e a sua segurança pessoal ficou em risco em circunstâncias que são altamente politicamente carregadas".

Estes factos, e a perspectiva de uma grotesca perversão de justiça, têm sido afogados numa campanha de injúrias contra o fundador do WikiLeaks. Ataques profundamente pessoais, baixos, pérfidos e desumanos foram lançados contra um homem não acusado de qualquer crime mas mantido isolado, etiquetado e sob prisão domiciliar – condições nem mesmo atribuídas a um acusado que actualmente enfrenta extradição por uma acusação de assassinar a sua esposa.

Foram publicados livros, efectuados contratos de filmes e profissionais dos media lançaram iniciativas com a suposição de que ele está num jogo tolo e demasiado fraco para processo. Pessoas ganharam dinheiro, frequentemente muito dinheiro, enquanto o WikiLeaks luta para sobreviver. Em 16 de Junho, o editor de Canongate Books, Jamie Byng, quando Assange lhe pediu uma garantia de que o boato da publicação não autorizada da sua autobiografia não era verdadeiro, disse: "Não, absolutamente não. Essa não é a posição ... Julian, não se preocupe. Meu desejo número um absoluto é publicar um grande livro com o qual você fique feliz". Em 22 de Setembro, a Canongate divulgou aquilo a que chamo "autobiografia não autorizada" de Assange sem a permissão ou conhecimento do autor. Era um primeiro rascunho de um manuscrito incompleto e não corrigido. "Eles pensaram que eu estava a ir para a prisão e isso os teria incomodado", contou-me ele. "É como se eu agora fosse uma mercadoria que representa um estímulo para qualquer oportunista".

O editor do Guardian, Alan Rusbridger, considerou as revelações do WikLeaks como "um dos maiores furos jornalísticos dos últimos 30 anos". Na verdade, isto faz parte da sua actual promoção de marketing a fim de justificar o aumento do preço de capa do Guardian. Mas o furo pertence a Assange, não ao Guardian. Compare-se a atitude do jornal em relação a Assange com o seu apoio firme ao repórter ameaçado de processo sob a Lei dos Segredos Oficiais (Official Secrets Act) por revelar as iniquidades do Hackgate. Editoriais e primeiras páginas apresentavam emocionantes mensagens de solidariedade até mesmo do Sunday Times de Murdoch. Em 29 de Setembro, [o jornalista] Carl Bernstein era trazido dos EUA para Londres a fim de comparar tudo isto com o seu triunfo do Watergate. Infelizmente, a mensagem do icónico compadre não foi coerente com o seu passado investigador. "É importante não ser injusto com Murdoch", disse ele, porque "é o mais sagaz empresário dos media do nosso tempo", pois "colocou The Simpsons no ar" e portanto "mostrou que podia entender o consumidor de informação".

O contraste com o tratamento dado a um genuíno pioneiro de uma revolução jornalística, que ousou enfrentar a América desenfreada, apresentar a verdade acerca de como funciona a grande potência, é notável. Um gotejamento de hostilidades transpira do Guardian, tornando difícil aos leitores interpretar o fenómeno WikiLeaks e assumir algo diferente do que o pior acerca do seu fundador. David Leigh, o "editor de investigações" do Guardian, disse a estudantes de jornalismo na Cidade Universitária que Assange era um "monstro Frankenstein" o qual "não costuma lavar-se muito frequentemente" e era "um bocado demente". Quando um estudante confundido perguntou porque dizia isso, Leigh replicou: "Porque ele não entende os parâmetros do jornalismo convencional. Ele e o seu círculo têm um profundo desprezo pelo que chamam os media de referência". Segundo Leigh, estes "parâmetros" foram exemplificados por Bill Keller quando, como editor do New York Times, co-publicou a revelações do WikiLeaks junto com o Guardian. Keller, disse Leigh, era "uma pessoa seriamente ponderada em jornalismo" que tinha de tratar com "uma espécie de hacker sujo e excêntrico de Melbourne".

Em Novembro último, o "seriamente ponderado" Keller jactou-se à BBC de que havia entregue todos os registos de guerra do WikiLeaks à Casa Branca de modo a que o governo pudesse aprová-los e editá-los. Na preparação para a guerra do Iraque, o New York Times publicou, sabe-se agora, uma série de afirmações inspiradas pela CIA de que existiam armas de destruição maciça. Tais são os "parâmetros" que tornaram tantas pessoas cínicas acerca dos chamados media de referência.

Leigh chegou ao ponto de ridicularizar o perigo de que, uma vez extraditado para a América, Assange acabasse por usar "um fato laranja". Trata-se de coisas que "ele e o seu advogado andam a dizer a fim de alimentar a sua paranóia". A "paranóia" é partilhada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos o qual congelou extradições de "segurança nacional" do Reino Unido para os EUA pois o extremo isolamento e as longas sentenças que os acusados podem esperar equivalem a tortura e tratamento desumano.

Perguntei a Leigh porque ele e o Guardian haviam adoptado uma atitude sistematicamente hostil em relação a Assange desde que se separaram. Ele respondeu: "Onde você, tendenciosamente, afirma detectar um 'dedo hostil', outros podem meramente ver objectividade bem informada".

É difícil encontrar objectividade bem informada no livro do Guardian sobre Assange, vendido lucrativamente a Hollywood, no qual Assange é descrito infundadamente como uma "personalidade danificada" e "rígida" ("callous"). No livro, Leigh revelou a password secreta que Assange havia dado ao jornal. Destinada a proteger um ficheiro digital contendo telegramas de embaixadas dos EUA, sua revelação pôs a funcionar uma cadeia de eventos que levou à divulgação de todos os ficheiros. O Guardian nega "totalmente" que fosse responsável pela divulgação. Por que, então, publicar a password?

As revelações do Hackgate do Guardian foram um grande feito jornalístico; o império Murdoch pode desintegrar-se em consequência. Mas, com ou sem Murdoch, há um consenso dos media que faz eco, desde a BBC até ao Sun, à política corrupta e belicista do establishment. O crime de Assange foi ameaçar este consenso: aqueles que fixam os "parâmetros" das notícias e ideias políticas e cuja autoridade como comissários dos media é desafiada pela revolução da Internet.

O antigo jornalista premiado Jonathan Cook, do Guardian, tem experiência em ambos os mundos. "Os media, pelo menos a componente supostamente de esquerda deles", escreve, "deveriam estar a aplaudir esta revolução... Contudo, eles estão sobretudo a tentar cooptá-la, amansá-la ou subvertê-la e [mesmo] a desacreditar e ridicularizar os precursores da nova era... Alguns [da campanha contra Assange] reflectem claramente um choque de personalidades e egos, mas isso também parece subrepticimanete como se a rixa decorresse de uma luta ideológica mais profunda [acerca] de como a informação deveria ser controlada daqui a uma geração [e] com os guardas da portaria a manterem o seu controle".


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