A iniciativa foi anunciada pelo presidente Evo Morais após o desastre das negociações sobre mudança climática em Copenhague no passado dezembro. É uma resposta à urgência do caos climático e uma interpelação aos governos do Norte e outros que, como o Brasil, Índia, China e África do Sul, assinaram -de costas a todos os outros e a anos de negociações em Nações Unidas- o chamado "Entendimento de Copenhague", uma burla aos povos do Sul mais afectados pelo caos climático.
As metas de redução de gases de efeito de estufa a que se comprometeram os países assinantes desse acordo (sem nenhuma obrigação legal), garantem que o planeta irá continuar aquecendo vertiginosamente, aumentando a temperatura média do globo até 4 graus Celsius antes de 2050. É uma catástrofe de proporções épicas, segundo os relatórios científicos de referência em Nações Unidas. Este nível de aquecimento provocará furacões, inundações e secas bem mais violentas e extremas, o desaparecimento de todos os glaciares (e a debacle de fornecimento de água em grandes áreas ligadas), o extermínio dos recifes de corais, a extinção de quase a totalidade de animais e plantas actualmente em risco de extinção, menor rendimento (até de 30-40%) em culturas básicas, situações de fome extremamente agravadas nos países da África subsaariana, o desaparecimento ou dano irreversível de zonas costeiras e países insulares, a redução drástica de água doce por salinização das camadas freáticas e outros desastres maiúsculos.
Esta debacle anunciada (e assinada) é o contexto mundial da próxima conferência em Cochabamba. A resposta dos movimentos e organizações sociais do mundo a esta iniciativa foi contundente e em massa, em parte pela preocupação sobre o tema, mas também pela necessidade de chamar as coisas por seu nome. É refrescante que em lugar de requintes diplomáticos, desde a convocação se estabeleça que "a mudança climática é produto do sistema capitalista", e que os temas a debate vão directo ao osso de problemas reais.
Há mais de 13.000 assistentes registados, de uma centena de países, a maioria de povos originários, camponeses, movimentos e organizações sociais de países latino-americanos. Também delegados de governo de 90 nações, porque a Bolívia "convoca os povos e movimentos sociais e defensores da Mãe Terra no mundo e convida os cientistas, académicos, juristas e governos que querem trabalhar com os seus povos". Assistirão uma maioria de países do Sul, mas entre outros, França, Rússia e Espanha também enviarão delegados.
A análise das causas estruturais e sistémicas que provocam a mudança climática e medidas de fundo e estratégias para as enfrentar são um dos eixos centrais da conferência. Também debater e lembrar um projecto de Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra; sentar as bases para um Tribunal Internacional de Justiça Climática; lembrar propostas para as negociações de mudança climática de Nações Unidas (que em dezembro reunirão em Cancum) sobre temas que incluem a crítica e perigos do comércio de carbono, migrantes climáticos, tecnologias, povos indígenas, agricultura e soberania alimentar, florestas e outros.
Os temas a debater estão organizados em 17 grupos de trabalho que decorrerão em mesas durante a conferência, além de uma centena de eventos autogeridos por movimentos e organizações do mundo. As maiores organizações sociais da Bolívia participaram numa "pré-cimeira" no final de março, para acordarem os contributos para cada mesa. Assistiram delegados da Central Operária Bolívia, a Confederación Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia, a Confederação Nacional de Mulheres Camponesas Indígenas Originárias da Bolívia "Bartolina Sisa", o Conselho Nacional de Ayllus e Markas do Qullasusyu, a Confederação de Povos Indígenas da Bolívia e a Confederação Sindical de Comunidades Interculturales da Bolívia. Os seus contributos estão no site da conferência (www.cmpcc.org). Constituem um arco-íris de fortes críticas e propostas, que inclui também contradições dentro dos próprios temas -sobre o qual terá oportunidade de debater em Cochabamba- e com posições e estratégias governamentais. Os movimentos de Bolívia estão vivos e exigem contas ao governo continuamente a partir das suas próprias autonomias e visões.
Muitos outros movimentos sociais, camponeses, indígenas, ambientalistas de outros países preparam-se para a conferência. A Coordenadora Andina de Organizações Indígenas, desde seu segundo congresso realizado em março em Equador, expressou: "A crise climática não se resolve com dinheiro (...) Julgaremos aos países e empresas trasnacionais responsáveis pela mudança climática, expulsaremos as empresas que danificam a Pachamama, resistiremos os projectos que danificam a terra e o água e impediremos concessões nos nossos territórios (...) de projectos extractivos (mineração, petróleo, florestais e hidroeléctricas) para deter o maltrato à Mãe Terra".
Ainda que estarão em franca minoria também assistirão quem se propõem o contrário, tanto de governos como empresas e interesses comerciais. Por exemplo, entre os eventos auto-organizados há um de promotores de geo-engenharia, para tentar ganhar legitimidade a tão arriscada e absurda alternativa. Estas e outras propostas serão contestadas no que, sem dúvida, será uma meta da discussão global sobre a mudança climática.
Fonte: La Jornada (Tradução do DL).