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Guillermo Almeyra

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Em coluna

Sobre cartas, ética e política

Guillermo Almeyra - Publicado: Domingo, 11 Setembro 2011 02:00

Guillermo Almeyra

Nas cartas do subcomandante Marcos a Luis Villoro destacam-se a exigência de unir estreitamente a ética com a política e o forte sentimento democrático que leva à solidariedade com o SME e com o movimento promovido por Javier Sicília.


No exemplo do militante indígena que põe Marcos, o sentimento de responsabilidade para a comunidade -embora esta não lhe reconheça seus esforços e contribua e lhe ponha multas por não assistir a assembleias ejidales devido a suas tarefas na junta de bom governo e o critique por privilegiar suas atividades políticas- e a coerência que o impulsiona a não pedir nada a mudança de seu trabalho são, sem dúvida, exemplos de ética. Esta, como no caso da proibição de mentir, roubar e ser flojos dos indígenas andinos, não é compatível com o capitalismo, já que o mesmo se baseia na exploração dos trabalhadores pelos zánganos sociais, no engano e o despojo dos bens alheios, e requer como humus cultural o egoísmo generalizado do "primeiro eu".

Mas a ética não pode ter vigência só individual nem impera em abstrato: um preso político deve mentir para não dar informações daninhas para seus colegas, um combatente, se puder, deve roubar informações ao inimigo, e qualquer operário sabe que há que opor ao salário à empreitada, que o obriga a ser o capataz de si mesmo e, naturalmente, poupa esforços.

Existe uma ética de classe que obriga a pensar no interesse do conjunto dos trabalhadores e dos oprimidos, ao qual deve subordinar-se o interesse individual e o do próprio grupo. Em política, ela obriga a ver a realidade para a modificar. Isto é, obriga a ser consequente na luta pela libertação nacional e social, autocriticando-se e criticando também os amigos quando cometem erros, tratando de reforçar todo o que puder ser positivo para a organização dos trabalhadores e os povos oprimidos.

Não basta pois com dar solidariedade ao SME, embora essa seja uma atitude indispensável e muito louvável. É necessário sobretudo impulsionar a tentativa do SME, de outros sindicatos e de grupos de esquerda de dar vida a uma OPT, ou seja, um partido dos trabalhadores e suas organizações, com um programa anticapitalista e anti-imperialista, o qual seria um progresso na independência em frente aos partidos pró-capitalistas e ao Estado, embora isso, aparentemente, faça concorrência à outra campanha, porque o interesse geral dos explorados e oprimidos está sobre o interesse de qualquer organização.

O mesmo propõe-se em outros terrenos. O Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade é muito importante porque é uma expressão do repúdio social à militarização do país e à interpenetração entre os narcos e o Estado e a homogenização dos métodos de ambos. Deve ser apoiado, com certeza. Mas também é necessário tratar de dar um maior entendimento político e social sobre qual é a raiz histórica da violência extrema no México -sobre a qual se apoiam as atrocidades dos narcos- e da colombianização atual do México, promovida pelos Estados Unidos, que também fomenta o armamento dos delinquentes, a corrupção e a submissão dos governantes, bem como o consumo da droga (que é a indústria mais florescente na crise mundial capitalista, por seus altos lucros monetários e políticos e porque se estende devido ao desespero de milhões, que aumenta o consumo de estupefacientes).

O Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade é um sobressalto democrático da sociedade, não um impulso da mesma decorrente de uma esperança ou de um desejo imperioso de mudança. Isso não lhe tira nada de sua importância mas sim torna ilusoria a ideia de que possa ser, por si mesmo, o detonante de uma mobilização popular espontânea, de um movimento cidadão, de uma ação política de massas à margem dos partidos que estão integrados no Estado. O instrumento para a organização política dos trabalhadores com independência dos partidos capitalistas e do Estado, em troca, poderia ser a OPT promovida pelo SME, se fosse reforçada por comunidades indígenas, movimentos estudantis e cidadãos, e com ele poderia colaborar o MPJD.

Em suas cartas, Marcos critica corretamente os que acham que um bocadinho de papel em uma urna basta para mudar o país. Efetivamente, o que há que mudar é o relacionamento de forças entre as classes, que está marcada pela escassa mobilização popular, que é esporádica e está desorganizada. Nesta situação, vamos encontrar-nos ante as eleições organizadas pelo poder para se perpetuar e se reforçar. Qual é a alternativa? Votar ou abster-se. Mas abster-se simplesmente é votar pelos que hoje estão no poder. Fica então utilizar o voto como castigo e como elemento de organização do que sim conta, isto é, da criação de elementos de poder popular (comitês de moradores, polícias comunitárias, conselhos de autodefesa, tendências democráticas nos sindicatos), e ali onde for possível, de experiências de autonomia e autogestão. Ou seja, fica a utilização não eleitoralista do processo eleitoral, embora afinal se ponha um boletim opositor na urna (seja esta a da OPT ou inclusive a de AMLO). Porque o que importará é a organização pré e pós eleitoral, onde os votantes se farão sujeitos, aprenderão, afirmarão sua independência, criarão germes de poder.

Não é possível sair da luta de classes tal qual se dá em todos os terrenos, inclusive o das urnas. Pintar-se o cabelo ou vestir-se diferente para protestar contra o sistema não é algo novo (Alphonse Daudet no século XIX se punha um colete vermelho intenso quando todos vestiam de negro). É simpático e compreensível, mas é um protesto passivo e individual que não leva a nada. O que há que mudar é o interior das cabeças, não o penteado. Para isso, sem dúvida, há que ter princípios éticos -não mentir, basear-se no interesse coletivo-, mas também há que ensinar todos os dias a fazer política.

Fonte: La Jornada.

Tradução: Diário Liberdade.


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