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Immanuel Wallerstein

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Aliança EUA-Paquistão: cada vez mais tremida

Immanuel Wallerstein - Publicado: Quinta, 04 Agosto 2011 02:00

Immanuel Wallerstein

Ambos países estão espantados com a ideia de que a sua estreita aliança pode chegar ao fim. Mas pode.


Os Estados Unidos e o Paquistão têm sido estreitos aliados geopolíticos quase desde o nascimento do Paquistão em 1948. No passado, tinham necessidade um do outro. O mesmo acontece hoje. Mas as suas prioridades e objectivos políticos tornaram-se mais e mais distantes. Ambos estão espantados com a ideia de que a sua estreita aliança pode chegar ao fim. Mas pode.

A origem da aliança foi bastante simples e directa. No processo de retirada britânica da Índia, dois estados, não apenas um, passaram a existir. Essencialmente, o Paquistão separou-se da Índia. Desde então, os dois países têm estado em conflito permanente. O maior medo de cada um deriva das acções do outro. Houve três guerras entre ambos os países – em 1947-48, em 1965, e em 1971. As duas primeiras foram provocadas pela disputa de Caxemira, cujo resultado foi uma partição de facto, que nenhum dos lados jamais aceitou como legítima. A terceira foi sobre a secessão do Bangladesh do Paquistão, na qual a Índia se alinhou com o Bangladesh.

O resultado do conflito contínuo foi a recusa de ambos os países de assinar o Acordo de Não-Proliferação Nuclear, e o desenvolvimento, por parte de ambos os países, de armas nucleares. A Índia começou primeiro, provavelmente em 1967. Seguiu-se o Paquistão, provavelmente em 1972. Em 1998, ambos tinham completado o processo e tinham um arsenal de armas. As armas nucleares podem ter tido sobre os dois países o mesmo efeito positivo que tiveram sobre os Estados Unidos e sobre a União Soviética – uma superprudência não-declarada em relação às hostilidades militares, por medo das consequências.

A Índia seguiu desde o início uma política de não-alinhamento na Guerra Fria. Os Estados Unidos definiram basicamente esta política como sendo de inclinação para a União Soviética. Para limitar o impacto desta dita inclinação, Washington uniu forças ao Paquistão. Embora o Paquistão esperasse dos EUA o apoio para recuperar a metade da Caxemira que não controlava, o que os Estados Unidos queriam do Paquistão era o seu apoio ao controlo geopolítico dos EUA sobre o mundo muçulmano a seu oeste – o Afeganistão, o Irão e o mundo árabe. Os Estados Unidos perceberam que era condição para este apoio a estabilidade interna do Paquistão. Por isso, sustentaram uma sucessão de regimes militares repressivos. Não ficaram de todo infelizes quando os militares depuseram e executaram o principal líder civil, Zulfikar Ali Bhutto, que na década de 1970 tentou desenvolver uma política externa nacionalista, independente do controlo dos EUA.

O Paquistão e a República Popular da China nasceram no mesmo ano. A China também adoptou uma política de estreita amizade com o Paquistão. Os seus motivos não eram muito diferentes dos dos Estados Unidos. Pequim não gostava das ligações da Índia à União Soviética, especialmente por considerar (e ainda considera) a Índia como um rival político e económico na Ásia, com quem eles também tinham uma guerra ou "conflito de fronteira", em 1962. A China também não tem gostado do apoio contínuo que o governo indiano deu ao Dalai Lama.

Três coisas começaram a perturbar as relações EUA-Paquistão nos últimos 20 anos. A primeira foi o colapso da União Soviética e, portanto, o fim da "guerra fria". Este acontecimento combinou-se com o fim do programa Nehru de desenvolvimento interno patrocinado pelo Estado, e a sua substituição por um programa neoliberal inspirado pelo Consenso de Washington. De repente, as relações entre a Índia e os Estados Unidos aqueceram consideravelmente, para o desgosto do Paquistão, e também da China.

Em segundo lugar, a política interna do vizinho Afeganistão mudou também. Nos anos 80, o Paquistão e os Estados Unidos juntaram forças contra o envolvimento militar da União Soviética no Afeganistão, ao qual Gorbachev pôs fim. Mas e depois? Não é segredo que o serviço de espionagem paquistanês, o ISI, apoiava firmemente a tomada do governo afegão pelos taliban. Mas o regime taliban ofereceu o seu país como base para a al-Qaeda, que os Estados Unidos chegaram a considerar o seu flagelo, antes mesmo do ataque bem-sucedido da al-Qaeda, em solo dos EUA, no 11 de Setembro de 2001.

Em terceiro lugar, com o derrube dos taliban em 2002, por força de uma invasão liderada pelos EUA, as forças da al-Qaeda recuaram para bases seguras no Paquistão. O programa da al-Qaeda era, se não assumir directamente o governo do Paquistão, pelo menos forçá-lo a enfraquecer, até mesmo a romper, os seus laços com os Estados Unidos. Embora hoje o Paquistão tenha um primeiro-ministro civil, o poder real ainda reside nas forças armadas. E, dentro das forças armadas, o ISI ainda parece desempenhar um papel muito forte, talvez determinante,.

A acumulação das três mudanças levou a uma situação em que, como em 2005, os Estados Unidos e o Paquistão pareciam concordar com muito poucas coisas importantes. Mas os dois países pareciam, no entanto, permanecer ligados um ao outro, pareciam pensar que ainda precisavam um do outro. Ainda assim, tornaram-se cada vez mais desconfiados dos motivos e das acções de um e do outro.

Do ponto de vista do governo dos EUA, o Paquistão era a principal fonte de apoio externo aos taliban no Afeganistão, com quem os EUA (e a Nato) estavam em conflito directo. Uma parte desse apoio veio dos chamados taliban paquistaneses, difíceis de distinguir da al-Qaeda. A segunda parte deste apoio veio do ISI e, talvez, de ramos mais amplos das forças armadas do Paquistão.

Tornou-se cada vez mais evidente para os Estados Unidos que os militares paquistaneses não estavam dispostos nem eram capazes de conter as forças dos taliban paquistaneses/al-Qaeda. Pior ainda, alguns dos militares do Paquistão podem ter-se chocado activamente com eles. A reacção dos EUA foi intervir directamente no Paquistão de duas maneiras. A primeira foi usar os seus drones para atacar directamente alvos considerados perigosos. Claro, os drones são notoriamente difíceis de manipular. Tem havido uma grande quantidade de "danos colaterais", suscitando constantes e repetidos protestos do governo paquistanês. A segunda maneira foi prosseguir por conta própria a finalmente bem-sucedida perseguição a Osama bin Laden, sem informar as autoridades oficiais paquistanesas, em quem os Estados Unidos claramente não confiavam, para que não houvesse fuga de informação sobre o ataque que estava a ser preparado.

Se os Estados Unidos já não confiam nas autoridades paquistanesas, a desconfiança é ainda maior no sentido inverso. O Paquistão tem uma grande garantia para a sua segurança – as suas armas nucleares. Enquanto as tiverem, sentem-se defendidos da Índia e de qualquer outro país. Acreditam, muito firmemente, que os Estados Unidos gostariam, de alguma forma, de se apoderar desse arsenal. Isto não é totalmente irracional, já que os Estados Unidos temem que a al-Qaeda, ou outras forças hostis, possa conseguir ter acesso a essas armas e que o governo paquistanês possa não estar em posição de impedi-lo. É claro que uma tentativa dos EUA de assumir o controlo do arsenal está longe de ser uma proposta prática. Mas não há dúvida que há quem pense nisso no governo dos EUA.

Assim, cada lado está agora a jogar as suas cartas com o outro. Os Estados Unidos estão a ameaçar cortar ou reduzir drasticamente a ajuda financeira e militar. O governo é incentivado a seguir esta via por um Congresso dos EUA francamente hostil à aliança com o Paquistão. O Paquistão está a retaliar com a retirada das tropas que tinha estacionado na fronteira afegã, tornando mais fácil que nunca aos taliban paquistaneses o envio de ajuda militar aos taliban afegãos. O Paquistão está também a lembrar aos Estados Unidos que tem um outro aliado poderoso, a China. E a China está muito feliz por continuar a apoiar o Paquistão.

A fraqueza do regime do Paquistão é interna. Poderá continuar a controlar uma situação cada vez mais anárquica? A fraqueza dos Estados Unidos é não ter quaisquer opções reais no Paquistão. Jogar muito duro com o regime paquistanês pode desfazer os seus esforços por retirar do Afeganistão (e do Iraque e da Líbia), com danos mínimos.

Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net


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