Ollanta Humala nunca foi um homem de esquerda. É muito mais um militar nacionalista e indigenista moderado e com confusas ideias etnocaceristas. Se conseguiu o apoio do direitista Mario Vargas Llosa e do ex-presidente indígena Alejandro Toledo, isso não ficou tanto a dever-se ao abandono de boa parte do seu programa inicial – mais radical porque colocava a ideia de uma assembleia constituinte e a possibilidade de algumas estatizações e de modificações no sistema de impostos – mas à maleabilidade do candidato, que mostrou ser sensível às pressões do centro-direita.
A importância do seu triunfo eleitoral não reside tanto na sua audácia ou nas suas posições mas em ter evitado que o Perú voltasse a cair nas mão da direita repressora, corrupta e ditatorial que tinha apoiado Alan Garcia e Alberto Fujimori e que, em bloco, votou desta vez em Keiko Fujimori, que se rodeou dos piores elementos que tinham apoiado a ditadura do seu pai.
A eleição colocou meio Perú contra a outra metade. Por Humala votaram os indígenas da serra e do sul, e os intelectuais atemorizados pelo perigo de uma nova ditadura fujimorista; por Keiko Fujimori votaram os pobres mais recuados das cidades, a maioria das camadas urbanas médias, conservadoras e racistas, e as direitas unidas, apoiadas e estimuladas pela embiaxada dos EUA. Os votos de Humala reivindicam terra, direitos, respeito e dignidade e opõem-se à destruição dos seus territórios pela grande mineração estrangeira, que é o esteio do grande capital no Peru. Os votos de Fujimori que realmente contam, os da direita empresarial e rentista, querem evitar que os sectores populares se organizem e mobilizem, e conquistem espaços de poder. É por isso que a reacção da Bolsa de Lima, imediatamente após ser conhecida a vitória de Humala, foi uma queda catastrófica de títulos que obrigou ao seu encerramento, ou seja, foi um semi-golpe financeiro.
As repercussões da vitória de Humala serão maiores no plano internacional do que no nacional, na medida em que a sua presidência reforça Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, e também porque Humala procurará um estreito entendimento, nas áreas política e conómica, com o Brasil, reforçando desse modo a influência brasileira – conservadora – face aos EUA e a construção de cordão sino-brasileiro que ligue a costa atlântica com a do Pacífico. Para além disto, rompeu-se o elo central da cadeia que unia Colômbia, Peru e Chile no apoio a Washington e que assegurava ao imperialismo o controlo da costa do Pacífico na América do Sul.
No plano nacional, em contrapartida, é muito provável que os indígenas e os pobres que votaram massivamente Humala lhe vão exigir respostas para as suas reclamações económicas, sociais, ambientais e democráticas, e entrem em conflito com um governo que nem pode nem quer defrontar-se com a grande mineração estrangeira e com a direita apoiada pelo imperialismo. Humala, como bom militar e como refém dos seus aliados, seguramente que procurará tergiversar, e acabará por reprimir. Perante a impossibilidade de vitória das guerrilhas e da revolução em geral, o general nacionalista Velasco Alvarado realizou uma “revolução passiva” (aplicando a concepção de Gramsci), decapitou o latifúndio e eliminou a servidão no sentido de modernizar em termos capitalistas o Peru rural.
Humala, todavia, não dispõe sequer de condições para tentar repetir o velasquismo, porque nem a burguesia está assustada perante uma rebelião indígena, nem existe no Peru uma esquerda relevante, nem conta com a maioria dos altos comandos nas forças armadas. O seu “progressismo” tem, portanto, grandes limites, a não ser que os aymaras de Punos e os quechuas do resto das serras peruanas, influenciados pelo exemplo boliviano, rompam os limites que o novo presidente pretenderá impor. Sobretudo porque, para pressionar o Chile e obter uma saída para o mar, irá crescer na Bolívia a ideia de reforçar os laços com o Peru para fazer reviver parcialmente, agora em novas condições para afrontar o imperialismo estado-unidense e a oligarquia chilena, a efémera Confederação peruano-boliviana que foi derrotada pela aliança entre o imperialismo britânico e a oligarquia chilena. O general Cáceres, “el Taita”, o “herói dos Andes”, como é sabido acabou a reprimir os mesmo indígenas em que se tinha apoiado para derrotar os chilen os com a sua guerra de guerrilhas.
O cacerista Humala optou já, antes mesmo de chegar ao palácio de Pizarro, por se limitar a seguir a política que fracassou com o governo do indígena Toledo, ex-funcionário das instituições imperialistas internacionais, juntando-lhe apenas a promessa de conseguir que as empresas mineiras paguem um imposto sobre os superlucros, coisa que elas se recusarão a cumprir. As opções são, por conseguinte, a preparação de um golpe anti Humala ou a asfixia “pacífica” do novo governo através de uma série de pressões económicas ou, no campo oposto a criação, a partir do apoio alcançado por Ollanta Humala, de uma esquerda peruana que aprofunde e radicalize o processo agora apenas possível. Mas isso requereria um intervalo relativamente alargado e confuso, já que não existe o núcleo de uma tal esquerda anti-capitalista nem nenhuma das forças existentes com relativa importância coloca as bases programáticas para uma tal luta. O mais previsível, portanto, será uma aguda instabilidade social e política no Peru, com um governo nacionalista dançando na corda bamba.