A linguagem do colonialismo pode ter modificado; o espírito e a hipocrisia mantêm-se inalterados. Uma nova fase imperial está a desdobrar-se em resposta directa ao levantamento árabe que começou em Janeiro e chocou Washington e a Europa, provocando um pânico estilo Eden. A perda do tirano egípcio, Mubarak, foi dolorosa, embora não irreparável; uma contra-revolução apoiada pelos EUA está a caminho quando o regime militar no Cairo é seduzido com novos subornos e mudança do poder da rua para grupos políticos que não iniciaram a revolução. O objectivo do ocidente, como sempre, é travar a democracia autêntica e recuperar o controle.
A Líbia é a oportunidade imediata. O ataque da NATO contra a Líbia, depois de o Conselho de Segurança da ONU conceder mandato para uma falsa "zona de interdição de voo" para "proteger civis", tem uma semelhança gritante com a destruição final da Jugoslávia em 1999. Não havia cobertura da ONU para o bombardeamento da Sérvia e o "resgate" do Kosovo, ainda que a propaganda repita isso. Tal como Slobodan Milosevic, Muammar Kadafi é um "novo Hitler", a tramar "genocídio" contra o seu povo. Não há evidência disto, tal como não havia genocídio no Kosovo. Na Líbia há uma guerra civil tribal; e o levantamento armado contra Kadafi foi há muito apropriado pelos americanos, franceses e britânicos, seu aviões a atacam residências em Tripoli com mísseis revestido de urânio e o submarino HMS Triumph dispara mísseis Tomahawk, uma repetição do "pavor e choque" no Iraque que deixou milhares de civis mortos e aleijados. Como no Iraque, as vítimas, as quais incluem incontáveis conscritos do exército líbio que foram incinerados, não são povo para os media.
No Leste "rebelde", a intimidação e matança de imigrantes negros africanos não é notícia. Em 22 de Maio, uma peça rara no Washington Post descrevia a repressão, a ilegalidade e os esquadrões da morte nas "zonas libertadas" assim como a visitante Catherine Ashton, chefe da política externa da UE, declarava ter encontrado só "grandes aspirações" e "qualidades de liderança". Demonstrando tais qualidades, Mustafa Abdel Jalil, o "líder rebelde" e antigo ministro da Justiça de Kadafi até Fevereiro, prometia: "Nossos amigos... terão a melhor oportunidade em futuros contratos com a Líbia". A região Leste possui a maior parte do petróleo da Líbia, as maiores reservas da África. Em Março os rebeldes, com orientação de peritos estrangeiros, "transferiram" para Benghazi o Banco Central Líbio, uma instituição integralmente do Estado. Isto é sem precedentes. Enquanto isso, os EUA e a UE "congelaram" quase US$100 mil milhões em fundos líbios, "a maior soma alguma vez já bloqueada", segundo declarações oficiais. É o maior roubo bancário da história.
A elite francesa é entusiástica quanto a ladrões e bombardeamentos. O desígnio imperial de Nicholas Sarkozy é de uma União Mediterrânea (UM) dominada pela França, a qual lhe permitiria retornar às suas antigas colónias no Norte de África e lucrar com investimento privilegiado e trabalho barato. Kadafi descreveu o plano de Sarkozy como "um insulto" que estava a "tratar-nos como loucos". O governo Merkel em Berlim concordou, temendo que o seu antigo inimigo reduzisse a Alemanha na UE, e absteve-se na votação sobre a Líbia no Conselho de Segurança.
Tal como o ataque à Jugoslávia e a farsa do julgamento de Milosevic, o Tribunal Penal Internacional está a ser utilizado pelos EUA, França e Grã-Bretanha para processar Kadafi enquanto as suas reiteradas ofertas de um cessar-fogo são ignoradas. Kadafi é um Mau Árabe. O governo de David Cameron e os seus prolixos generais de topo querem eliminar este Mau Árabe, assim como a administração Obama matou recentemente um Mau Árabe famoso. O príncipe coroado do Bahrain, por outro lado, é um Bom Árabe. Em 19 de Maio foi calorosamente saudado na Grã-Bretanha por Cameron com uma foto nos degraus da Downing Street 10. Em Março, este mesmo príncipe coroado chacinou manifestantes desarmados e permitiu que forças sauditas esmagassem o movimento pela democracia no seu país. A administração Obama concedeu um prémio à Arábia Saudita, um dos mais repressivos regimes da terra, com um acordo de US$60 mil milhões para armamentos, o maior da história dos EUA. Os sauditas têm a maior parte do petróleo. Eles são os Melhores Árabes.
O assalto à Líbia, um crime sob os padrões de Nuremberg, é a 46ª "intervenção" militar britânica no Médio Oriente desde 1945. Tal como seus parceiros imperiais, o objectivo britânico é controlar o petróleo da África. Cameron não é Anthony Eden, mas quase. A mesma escola. Os mesmos valores. No pacote feito pelos media, as palavras colonialismo e imperialismo já não são usadas, de modo que os cínicos e crédulos podem celebrar a violência do estado na sua forma mais palatável.
E tal como o Sr. Mudancinha Esperançosinha ("Mr. Hopey Changey" foi a alcunha que Ted Rall, o grande cartoonista americano, atribuiu a Barack Obama), é bajulado pela elite britânica e lança mais uma insuportável campanha presidencial, o reino anglo-americano de terror prossegue no Afeganistão e alhures, com o assassínio de pessoas por aviões sem piloto – uma inovação EUA/Israel, abraçada por Obama. Para registo, numa contagem de miséria imposta, desde julgamentos e prisões secretas até a perseguição de quem revela segredos, a criminalização de dissidentes e o encarceramento e empobrecimento do seu próprio povo, principalmente negros, Obama é tão mau quanto George W. Bush.
Os palestinos entendem tudo isto. Como os seus jovens enfrentam corajosamente a violência do racismo sangrento de Israel, carregando as chaves dos lares roubados aos seu avós, eles não são sequer incluídos na lista feita pelo Sr. Mudancinha Esperançosinha dos povos no Médio Oriente cuja libertação retarda-se desde há muito. O que os oprimidos precisam, disse ele em 19 de Maio, é uma dose de "interesses da América [que] são essenciais para eles". Ele insulta a todos nós.
Fonte: Resistir.info