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José André Lôpez Gonçâlez

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O Grande Combate (VIII): O Triunfo Burocrático-Despótico

José André Lôpez Gonçâlez - Publicado: Domingo, 04 Abril 2010 21:30



José André Lôpez Gonçâlez

Temos justificado já que a junção de factores: a estrutura econômica hipotecando uma rápida industrialização em grande escala, a derrota das revoluções uma trás da outra e a pressão burguesa no plano internacional [127] empurravam para uma hierarquização maior cada vez, das instâncias partidárias e de governo do Estado. 


A feroz briga, fechada no estreito cercado do Buro Político do PC (B), permitia o alargamento de um controlo férreo desse órgão sobre o resto do Partido e de um engasgo brutal do conjunto das instituições do proletariado e dos lavradores pobres. 

Na altura de 1927 o Buro Político ficava polarizado em duas linhas de força, uma ocupada pola “ala direitista”: Bukharine (Presidente da Internacional Comunista), Rikov (Presidente do Conselho dos Comissários do Povo), Tomski (Presidente dos Sindicatos), Uglanov (Responsável do Partido em Moscovo) e Kalinine (Presidente dos Sovietes); outra a “estalinista”: Estaline (Secretário Geral), Molotov (Encarregado da agricultura e da organização no Partido), Kosior (Responsável do Partido na Ucrânia) e Esvernik. Entre estas duas posições abalavam de contínuo segundo os debates, Voroshilov (Responsável do Exército) e Rudzutak (Presidente do Comitê da Produção Química).

As luitas que se sucederam — cada grupo apoiando-se em diferentes forças sociais — traduziram um novo cenário com outra dramatis personae: Uglanov e Kosior foram substituídos por Kuibishev (Responsável da Planificação) e Kaganovitch (Responsável de Organização); Bukharine e a seguir Tomski, afastados dos círculos de poder, entanto Voroshilov e Kalinine optavam pola tendência Estaline junto Ordzonikidzé e Mikoiám. Este será o núcleo que deterá, sem discussão nenhuma já, as alavancas principais na União Soviética.

Não tivesse sido possível tal triunfo engenhoca se importantes estratos da sociedade não lhe brindar uma proteção mais ou menos ativa. A alargada camada de quadros dirigentes do Partido e de diretores e técnicos das empresas[128] apostavam por apressar a industrialização, não para alentar ao proletariado com miras à vitória da revolução noutros países, embora por razões nacionalistas de segurança perante o exterior, mais recursos para os negócios e mais incentivos pessoais. A este respeito Claudín, observou que

“a perspectiva da construção integral do socialismo não foi uma meta cientificamente elaborada, mas antes o mito que se agitou na cara do povo soviético para darem uma justificação aos imensos sacrifícios que lhe demandavam. E por isso não valeram para formar às massas como sujeito consciente, exigente e crítico, da sua própria obra, mas ao contrário, para cultivarem nelas uma atitude acrítica, de resignação; para convertê-las em objecto de doada manipulação (...) para afirmar o mito houve de recorrer ao terror”[129].

A par, muitos trabalhadores e pequenos lavradores, fartos de penúrias, atrasamento, extremamente severa pressão disciplinar nas fábricas, salários muito raquíticos, demoras nas remunerações, considerável desprovimento alimentário nas cidades e condições sumamente ásperas de proletarização para os camponeses, desejavam alívio e dignidade para as suas desventuradas vidas conformando um amplo e poderoso basamento social.

Os tons nacionalistas e autocratas principiados polos dirigentes concordavam com as características pessoais da mais alta burocracia conduzindo-os rumo a um sistemático recurso das molas repressivas com que resolverem divergências ideológicas e políticas, reduzindo-as a simples questões administrativas e formalismos disciplinares e, harmonizado com isto, para versões ideológicas encobridoras de realidades muito longe das formulações que oficialmente a eito se manifestavam: função retora dos sovietes e democratização, apoio aos camponeses pobres e assim por diante. O que deu na imposição, desde os centros de poder aos organismos normativos em qualquer graduação, de decisões que contradiziam o próprio funcionamento estabelecido nos estatutos do Partido e até mesmo a legalidade constitucional do Estado. Enquanto o XV Congresso (2 ao 19 de Dezembro de 1927) acordou continuar com uma política econômica sem desequilíbrios entre os sectores industriais nem tirar as proporções entre a indústria e a agricultura, o Comitê Central em 1928 apressou a industrialização com orientação de preferência para os meios de produção com um abusivo descuido dos de consumo. O Buro Político e nomeadamente Estaline, aos poucos, aceleraram ainda mais as cadências sepultando os acordos do XV Congresso[130]. A XVI Conferência de Abril de 1929 assegurou esta política que até 1930 não fora aprovada polo XVI Congresso, dissipando os acordos do XV com uma estrategia radicalmente oposta ao aprovado quase não três anos.

Poder-se-ia, então, interpretar que foram os fados os que empurraram à Revolução para o escuro, triste e sanguinolento beco onde atolou? Uma interpretação nesta via seria mística e de fraco servilismo com as circunstâncias. Que a URSS ficou condenada para uma acumulação socialista primitiva sabemos-lo todos muito bem desde que o dissera Preobrazhenski[131], mas seria todavia errado que tirássemos daí finalmente que a acumulação tivesse que dar em resultado fatal a fusão numa camada social privilegiada dos aparelhos do Estado, das molas econômicas e das alavancas de fundamento do Partido e que a acumulação socialista desse em conseqüência um iniludível rebaixamento das condições vitais dos operários e dos lavradores até os engolir e engrunhir. No entanto, ao contrário, foram essas horríveis condições econômicas as que robusteceram ferreamente o estalinismo. O Estado furtou de coação a gestão dos interesses comuns apoderando-se violentamente das funções dos autônomos corpos organizados dos trabalhadores e lavradores por uma tenaz de coerção e de fraqueza, subordinando as anelações da generalidade aos duma cambada. Órgão omnímodo e despótico, pudo alçar-se sobre o envasamento duma imensa humanidade lavradora e de umas cidades isoladas nesse interminável mar, transformadas polos acontecimentos históricos em agrupações meio-parasitárias de centros administrativos e militares.

Mas, poderia perguntar qualquer, era isso inevitável? Lenine sempre gostou em porfiar que não havia situações sem saída e a luita incansável da Oposição de Esquerda assim o avalia. Uma reação dos quadros bolcheviques pudo trocar de rumo o barco aquele, inclinando a proa do partido na direção donde vinha o vento favorável para a revolução proletária na União Soviética e no mundo. Argumentar que Trotski e os oposicionistas sob-estimaram o Thermidor e os factores objetivos que empurravam para uma “acumulação burocrática”, envolve a superestimação dos burocratas e, disso, que estes sempre tiveram razão. Por isso é que Lukács, como já temos sublinhado, teimou:

“não havia ninguém naquela época em condições de proporcionar uma perspectiva rica em conseqüências teóricas e aplicáveis aos problemas de fases ulteriores”.

Os oposicionistas bolcheviques, polo contra, luitaram com o ponto de mira na relativa autonomia dos factores subjetivos que poderiam provocar uma mudança das condições políticas e econômicas a nível nacional e internacional que arredasse o estalinismo, visto que inclusive no cenário de um estado autenticamente socialista, a consciência da vanguarda do proletariado é primária. Uma reação correta ter-se-ia dado se a vanguarda tivesse compreendido cabalmente para onde ia a Revolução. As raízes e as consequências tarde de mais e bastante dispersadas foram compreendidas. E com estas incompreensões e o caldo de cultivo favorável, a vaga do trunfo dos déspotas sobre o proletariado.

A ferocidade com que Estaline liquidou os seus velhos aliados fraccionais: Zinoviev, Kamenev e Bukharine, aos obreiros, artistas, engenheiros, intelectuais e simples militantes comunistas, não é mais que reconhecimento de que para Estaline próprio o regime que tinha montado andava de cote no gume da navalha. Para manter a ficção de serem herdeiro direto do bolchevismo e de Lenine, entanto expropriava politicamente o proletariado e os camponeses pobres, revertia o internacionalismo, tão caro à tradição do Partido, num pequeno-burguês socialismo num só país e reforçava a grande falsidade com um feroz terror de estado policiado. 

Notas:

[127] Em 1927 Grã-Bretanha rompera relações com a República Soviética; a Polônia procurava anexar a seu domínio à Bielorrússia e à Lituânia e nisso era apoiada polas potências ocidentais; o Kuomintang virou umas relações de amizade noutras manifestamente hostis, animada também polas mesmas potências imperialistas; por fim, não eram alheios a estes enredos os conflitos na Geórgia e na Ucrânia.

[128] Para 1927, entre as 639 grandes fábricas e conglomerados agrícolas da União Soviética, perto das duas terceiras partes dos subdiretores e mais da metade dos diretores não eram militantes comunistas.

[129] La crisis del movimiento comunista. De la Komintern al Kominform, pág. 59.

[130] “Uma vez que a oposição fora amarfanhada, e que os seus dirigentes obrigados em abandoar Moscovo e ficarem dispersos, desapareceram as inibições que contiveram os altos dirigentes do partido. A mudança climática repercutiu na dureza das «medidas extraordinárias» empregadas na quantia arrecadada de grau nos primeiros meses de 1928.” E. H. Carr, La revolución rusa: de Lenin a Stalin. (1917-1929), pág. 187.

[131] Vede: La nueva economía, Ediciones Ariel, Barcelona, 1970 [esta edição é a transcrição literal da edição cubana publicada na Havana em 1968]; De la NEP al socialismo, Editorial Fontamara, Barcelona, 1976 e Por una alternativa socialista, Editorial Fontamara, Barcelona, 1976.


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