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Atilio Borón

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A direita e a sua fábrica de mentira

Atilio Borón - Publicado: Domingo, 24 Abril 2011 16:05

Atilio Borón

A cimeira da extrema-direita mundial em Buenos Aires revela diversas coisas. Por um lado, o crescente desespero do imperialismo em "reorganizar as suas tropas" e tentar recuperar o controle total do continente.


A heróica resistência de Cuba (onde o VI Congresso do Partido Comunista de Cuba acaba de ratificar a continuação do projecto socialista, devidamente atualizado); a força política radical dos processos em curso na Venezuela, Bolívia e Equador e, finalmente, a persistência de uma orientação latino-americanista e integracionista no Brasil, Argentina e Uruguai geram ansiedade nos administradores imperiais.

O resultado da primeira volta das eleições no Peru e a probabilidade de uma vitória de Ollanta Humala é outra dor de cabeça para o ocupante da Casa Branca. Daí a hiperatividade dos publicistas imperiais, com Mario Vargas Llosa como aclamada figura de proa, acompanhado por figuras pouco apresentáveis tais como Joseph M. Aznar, derrotado numa eleição por mentir descaradamente aos espanhóis sobre os atentados de Atocha, e Arnold Schwarzenegger, o arquiteto da destruição progressiva do mais importante sistema de universidades públicas nos Estados Unidos, a Universidade da Califórnia, que combinou amplos critérios de inclusão social com altos níveis de excelência académica.

A chegada à Argentina deste contingente, organizado e financiado por poderosos "think tanks" da direita radical, como a Mount Pelerin Society, o Instituto Cato, a Heritage Foundation e o National Endowment for Democracy, com laços estreitos com os serviços de inteligência dos Estados Unidos e um desonroso activismo ao serviço das mais criminosas ditaduras latino-americanas, demonstra a internacionalização agressiva da direita, sob a direção geral de Washington, e a importância que atribuem à "reconquista" deste continente.

Mas o evento também revela algo que nem mesmo o uso virtuoso da linguagem de Vargas Llosa, ou os artifícios retóricos de outro visitante, Fernando Savater, pode esconder: o neoliberalismo é uma receita que só serve para enriquecer os ricos e empobrecer os pobres . Estão aí a comprová-lo os casos, já não da América Latina mas da Europa rica e dos próprios Estados Unidos, exemplos claros da debacle a que levam às políticas neoliberais. Num movimento sem precedentes, a agência de notação Standard & Poors acada de modificar a perspectiva de títulos da dívida dos EUA de "estável" para "negativa".

O neoliberalismo transformou a superpotência imperialista numa nação de mendigos que irá sobreviver enquanto os chineses, japoneses e sul-coreanos estiverem dispostos a continuar a emprestar-lhes dinheiro. A dívida pública dos EUA chegou a 47 mil dólares per capita, e a nível mundial já supera de 14.000.000 de milhões de dólares, um montante igual ao seu PIB, enquanto há apenas 30 anos oscilava em torno de 1.000.000 de milhão de dólares. Um sucesso das políticas neoliberais, é claro! Por sua vez, a crise na Europa, que começou na Grécia, já alastrou com o seu "efeito dominó" a Portugal e Irlanda; Itália e Espanha estão no fio da navalha, enquanto a França, Inglaterra e Alemanha vêem a sua situação deteriorar-se dia após dia. Mas os ideólogos e propagandistas do neoliberalismo persistem no seu sermão, pois nas águas turbulentas da crise o capital financeiro fortalece-se à custa dos milhões que são declarados em bancarrota. Três milhões de mutuários de hipotecas em falta nos Estados Unidos não impediram que o salário anual dos principais CEOs de Wall Street voltasse aos níveis multimilionários. Numa palavra, os nossos ilustres visitantes não são nada mais do que um bando de vigaristas e publicitários, que no seu ideologismo barato ignoram os dados que emergem da experiência.

Uma vez que os participantes do conclave de Buenos Aires insistem tanto nos benefícios do neoliberalismo para a nossa região (e nas virtudes do modelo chileno, tão exaltada por um dos seus porta-vozes, ele também um participante na reunião, Sebastian Edwards) é oportuno dar uma olhadela ao que pensam os latino-americanos das políticas neoliberais.

A consultora Latinobarómetro publica uma pesquisa anual das opiniões e atitudes políticas e sociais da população em 18 países da região. Os seus dados são ainda mais relevantes porque é uma empresa com um forte viés conservador e insuspeita de ser crítica do neoliberalismo. Em edições anteriores do relatório anual esqueceu-se de mencionar que em 2002 tinha havido um golpe de Estado na Venezuela. Agora, na página 26 do seu relatório para o ano de 2010, diz-se que nesse ano no Equador "houve um incidente confuso com as forças policiais, que foi qualificado por alguns como "golpe"." Deixamos os leitores tirarem as conclusões por si mesmos. Bem, nesse documento perguntou-se aos entrevistados se eles acreditam que as privatizações foram benéficas para o seu país. Seria bom que Don Mario e seus amigos dessem uma espreitadela nestes dados, porque na América Latina no seu conjunto apenas 36 por cento respondeu afirmativamente. E se se observam os dados para o Peru apenas 31 por cento deu a mesma resposta, 34 por cento no Chile e 30 por cento na Argentina (1). Quando interrogados sobre a sua satisfação com os serviços públicos privatizados (outro dos cavalos de batalha do neoliberalismo), apenas 30 por cento dos latino-americanos responderam que Sim, 27 por cento no Chile e no Peru, e 30 por cento na Argentina. Questionados sobre a situação económica dos seus países, 27 por cento dos entrevistados no Chile - ou seja cerca de um em cada quatro - dizem que é Boa ou Muito boa, contra 17 por cento na Argentina (igual à média latino-americana ) e escassos 10 por cento no Peru de Alan García e seu (agora) admirador, Mario Vargas Llosa. Quando a pesquisa perguntou "quão justa é a distribuição da riqueza", o país com a maior proporção de pessoas que dizem que é "justa ou muito justa" é a muito criticada - pelos organizadores desta maratona publicitária – Venezuela bolivariana, com 38 por cento, em comparação com 14 por cento no Peru e 12 por cento na Argentina e no Chile, país que os nossos visitantes sugerem imitar pelas suas conquistas económicas e sociais, embora 88 por cento da população entrevistada dissesse que a atual distribuição de riqueza é injusta. De fato, um detalhe insignificante para os ideólogos de direita.

Poderíamos continuar a fornecer fatos e números que revelam a profunda insatisfação com os resultados das políticas neoliberais na América Latina. Claro que isso não vai mudar nem um pouco a posição dos nossos visitantes. Assim como os teólogos medievais insistiram em que a Terra era plana, enquanto contemplavam as esferas do Sol e da Lua, estes anunciantes modernos estão a fazer o seu trabalho, sem se intimidarem com os dados da experiência. A sua missão é propagar estas "mentiras que parecem verdade", para usar uma frase incisiva do escritor e notável publicista do império, que com a sua florida e precisa prosa teve a delicada tarefa de dar credibilidade a um golpe que os nossos povos pagam com a sua dor e, muitas vezes, com suas vidas.

Nota:

(1) Estes e outros números estão disponíveis no Corporationn Latinobarómetro, Relatório 2010. www.latinobarometro.org

Tradução de Vermelhos.net


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