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Sílvia Ribeiro

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Não há planeta B

Sílvia Ribeiro - Publicado: Quinta, 18 Março 2010 14:30

Sílvia Ribeiro

Um sector heterogéneo, que abarca alguns cientistas, grandes investidores, poderosos governos e um ou outro ambientalista despistado, convergem em impulsionar a geo-engenharia ou manipulação do clima, alegando que não se podem alterar as causas da crise climática.


Propõem então um “plano B”: técnicas para manipular grandes partes do planeta, desde oceanos à estratosfera, para contrariar os efeitos do aquecimento global. Sabem que implica enormes riscos e por isso afirmam que é só para casos de emergência – que eles mesmos definirão quando ocorrem. 

O lóbi do carvão (lobistas das indústrias de petróleo, energia e transportes), que durante décadas negou que havia mudança climática, mudou o discurso. Agora aceitam-na, mas são grandes entusiastas da geo-engenharia. Para estas poderosas indústrias (e os governos que as servem), é excelente a perspectiva de não ter que mudar nada: propõem esfriar o planeta com tecnologias de alto risco, enquanto continuam a aquecê-lo sem cessar. Assim mantêm o lucro que obtêm com as sujas actividades que provocam a mudança climática, e conseguem ganhos adicionais com novos megaprojectos de geo-engenharia.

O péssimo resultado das negociações sobre o clima em Copenhaga em Dezembro passado alentou mais estes piratas globais, que contam com um reduzido mas influente sector científico que lhes tece o discurso de justificação. A geo-engenharia, que era vista como um absurdo, agora ocupa lugares em publicações científicas e grandes meios. Instituições como a Sociedade Real do Reino Unido, a Academia de Ciências dos Estados Unidos e outras, têm organizado relatórios e seminários que concluem que se deve investir recursos públicos (além de privados) na investigação e experimentação de geo-engenharia. São relatórios parciais, com participação de geo-engenheiros e nenhuma ou escassa apreciação crítica e independente, mas servem de base para a acção de alguns governos. Em Fevereiro de 2010, os comités de ciência e tecnologia dos Estados Unidos e Reino Unido convocaram audiências com participação quase exclusiva de promotores da geo-engenharia. Depois anunciaram que estão a elaborar legislação para financiar e permitir estas experiências.

Isto é muito grave, porque o que se fizer para manipular o clima – um sistema global e interdependente – não é, nem nunca será, competência de alguns ou poucos países, é problema de todos. Falar de “legislação nacional” é simplesmente um subterfúgio para justificar experiências que seguramente terão impactos dramáticos noutros países, inclusive bem longe de onde se iniciem.

Para atalhar a crítica, os impulsores da geo-engenharia convocaram uma reunião em Asilomar, Califórnia, neste Março, para criar códigos de conduta voluntários, imitando a reunião que no mesmo lugar fizeram os biotecnólogos em 1975, para evitar a regulação e supervisão independente.

Uma das propostas que mais se impulsiona actualmente é injectar nanopartículas enxofradas na estratosfera, para criar sombras gigantes que tampem os raios solares. David Keith, entusiasta da geo-engenharia, conseguiu publicar recentemente um artigo pretensamente sério sobre o tema, na revista Nature (28/1/2010). Inspira-se na erupção do vulcão Pinatubo em 1991 nas Filipinas, cuja nuvem vulcânica baixou a temperatura global 0,5 graus enquanto se manteve. Claro que qualquer pessoa que tenha estado na área de alcance de uma nuvem vulcânica, sabe que a sua descida tem impactos: a cinza tóxica danifica cultivos, flora, fauna e seres humanos. Provoca acidificação de mares e bosques.

Os que propugnam este método – tornado público pelo prémio Nobel Paul Crutzen em 2006 – sabem que as partículas injectadas cairão posteriormente, causando danos similares em mar e terra, além da morte prematura de centenas de milhares de pessoas (meio milhão estimado). Crutzen retorquiu que também a mudança climática ameaça a vida das pessoas. Também se agravará o buraco na camada de ozono, que já tem impactos sérios em vários países do mundo: aumento notável do cancro de pele em humanos e cegueira em gado comprovados.

Alan Robock, um eminente climatólogo, analisou a proposta de criar estes parasóis enxofrados. Além de confirmar vários dos impactos nomeados, indicou que ainda que as experiências se fizessem no Árctico (com a ideia de esfriar os países do Norte, que é o objectivo dos seus promotores) teriam impactos nos padrões de precipitação e ventos globais, alterando as monções na Ásia e aumentando a seca na África. Robock assinala que isto poria directamente em risco as fontes de água e alimentos de uns 2 mil milhões de pessoas (Science, 29/1/2010). Explica também que, para saber o que aconteceria com a injecção de enxofres, teria que realizá-la a uma escala de tal magnitude que não seriam “experiências”, seria emprego de geo-engenharia, com efeitos irreversíveis, porque, uma vez colocadas na estratosfera, as partículas não se podem retirar à vontade.

Esta é apenas uma das técnicas de geo-engenharia que são impulsionadas, que se soma a outras como as de fertilização oceânica (essas foram detidas por uma moratória global das Nações Unidas em 2008). A geo-engenharia é um plano dos mesmos governos e empresas que provocaram a mudança climática, para nos convencer que poderão resolver o desastre com um “plano B” que trará mais e novos riscos que o anterior, mas que lhes permitirá manter os seus privilégios.

Eles terão desenhado o seu plano B, mas não existe um planeta B. É imperativo mudar as causas, não os sintomas, da mudança climática. A única regulação necessária sobre geo-engenharia é uma proibição global de qualquer experiência ou aplicação no mundo real.

Fonte: La Jornada / Infoalternativa.


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