Antes, dava-se por descontado que a Terra estava aí, intacta e com recursos inesgotáveis. Agora não podemos mais contar com a Terra sã e abundante em recursos. Ela é finita, degradada e com febre não suportando mais um projeto infinito como imaginávamos.
A presente crise desnuda a falsidade da compreensão dominante da história, da natureza e da Terra. Ela colocava o ser humano fora e acima da natureza com a excepcionalidade de sua missão, de dominá-la. Perdemos a noção de todos os povos originários de que pertencemos à natureza. Hoje diríamos, somos parte do sistema solar, de nossa galáxia que, que por sua vez, é parte do universo. Todos surgimos ao longo de um imenso processo evolucionário. Tudo é sustentado pela energia de fundo e pelas quatro interações que sempre atuam juntas: a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte. A vida e a consciência são emergências desse processo. Nós humanos, representamos a parte consciente e inteligente da Via-Láctea e da própria Terra, com a missão, não de dominar, mas de cuidar dela para manter as condições ecológicas que nos permitem levar avante nossa civilização.
Ora, estas condições estão sendo minadas pelo atual processo produtivista e consumista. Já não se trata de salvar nosso bem estar, mas a vida humana e a civilização. Se não moderarmos nossa voracidade e não entrarmos em sinergia com a natureza dificilmente sairemos do atual imbroglio. Ou substituímos estas premissas falsas por outras melhores ou corremos o risco de nos autodestruir. A consciência deste risco é só de poucos.
Importa reconhecer um dado do processo evolucionário que não sabemos equacionar racionalmente: nele há caos e cosmos, ordens elegantes e terríveis devastações. A Terra mesma no seu percurso de 4,5 bilhões de anos, passou por várias delas. Em algumas perdeu quase 90% de seu capital biótico. Mas a vida sempre se manteve e se refez com cada vez maior vigor.
A última grande dizimação, um verdadeiro Armagedon ambiental, ocorreu há 67 milhões de anos, quando no Caribe, próximo a Yucatán no México, caiu um meteoro de quase 10 km de extensão. Produziu um tsunami com ondas do tamanho de altos edifícios. Ocasionou um tremor que afetou todo o planeta, ativando a maioria dos vulcões. Uma imensa nuvem de poeira e de gases foi ejetada ao céu, alterando, por dezenas de anos, todo o clima da Terra. Os dinossauros que por mais de cem milhões de anos reinavam, soberanos, por sobre toda a Terra, desapareceram totalmente. Chegava ao fim a Era Mesozóica, dos répteis e começava a Era Cenozóica, dos mamíferos. Como que se vingando, a Terra produziu uma floração de vida como nunca antes. Nossos ancestrais primatas surgiram por esta época. Somos do gênero dos mamíferos .
Mas eis que nos últimos trezentos anos o homo sapiens/demens montou uma investida poderosíssima sobre todas as comunidades ecossistêmicas do planeta, explorando-as e canalizando grande parte do produto terrestre bruto para os sistemas humanos de consumo. A conseqüência foi uma sistemática pilhagem de tudo o que a Terra produz. O biólogo E. Wilson fala que a "humanidade é a primeira espécie na história da vida na Terra a se tornar numa força geofísica" destruidora. A taxa de extinção de espécies produzidas pela atividade humana é cinquenta vezes maior do que aquela anterior à intervenção humana. Com a atual aceleração, dentro de pouco – continua Wilson – podemos alcançar a cifra de mil até dez mil vezes mais espécies exterminadas pelo voraz processo consumista humano. O caos climático atual é efeito.
O prêmio Nobel de Química de 1995 o holandês Paul J. Crutzen, aterrorizado pela magnitude do atual ecocídio, afirmou que inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno. É a idade das grandes dizimações perpretadas pela irracionalidade do ser humano(em grego ántropos). Assim termina tristemente a aventura de 66 milhões de anos de história da Era Cenozóica. Começa agora a era da tribulação da desolação terrestre.
Para onde nos conduz o antropoceno? Deixo aberta a questão.