Mais que saber se chegámos aqui por causa deste ou daquele governo, ou se a cul pa é do PS ou do PSD, de Sócrates e Guterres ou de Cavaco e Barroso, interes sa perceber que faliu o modelo de desen volvimento e crescimento seguido por to dos os governos desde a adesão de Por tugal à União Europeia e ao euro. Este modelo foi unanimemente aceite e defen dido por todas as classes e camadas da bur guesia e contou com larga aceitação po pular. A onda cavaquista que varreu o país nos anos 80 e 90 correspondeu de facto a uma profunda transformação do país, tanto económica como na sua composição de classe – desapareceram as indús trias pesadas e com elas as grandes con centrações operárias, a agricultura e as pescas tornaram-se pouco mais que residuais, e com isso cresceu a dita classe média e os sectores de serviços alimentados por uma prosperidade que não durou mais de uma década. Com a torneira dos euros a jorrar milhões de euros, o país convenceu-se que ia ser sempre assim, que os fundos seriam eternos e o "capitalismo popular" uma realidade. O "comunismo" estava morto e enterrado, tal co mo as ideologias. Os poucos que se atre viam a dizer o contrário eram olhados com desdém ou como mentes empeder nidas e fossilizadas, ainda agarradas a uto pias que tinham redundado em coisas tenebrosas.
Passado um quarto de século, os fun dos secaram, o "capitalismo popular" reve lou-se uma fraude e as ideologias per manecem. O fosso entre ricos e pobres alargou-se, e com ele a miséria. Em vez da paz e da felicidade prometidas por Mário Soares, Cavaco Silva, Freitas do Ama ral e outros, o país encontra-se de novo envolvido em aventuras militares, agora ao serviço do braço armado dos EUA, a NATO, e com uma dívida externa três vezes superior à sua capacidade para gerar riqueza. O desemprego tornou-se es trutural e a fome ameaça tornar-se en démica. O resultado de 25 anos de "re formas estruturais", de participação no "pro jecto europeu" e de moeda única são a pior década de desenvolvimento eco nó mico do país e o seu afundamento.
Se já era reduzida a capacidade de os países periféricos e economicamente mais fracos influenciarem os rumos da União Europeia, agora, com a crise, isso passou a ficção. Governos de países como o nos so já não são mais que comissões executivas das decisões do Banco Central Europeu, do Ecofim e das acordadas pela Alemanha e a França. Bruxelas tornou-se fonte de onde emanam as ideias que iluminam essas comissões executivas no combate à crise, ideias que estão a pro vocar profundas rupturas sociais. Daí esse fenómeno estranho que é o de vermos go vernos (uns da União Europeia, outros de países em processo de adesão) que su púnhamos distantes ideológica e geo graficamente e com realidades económi cas e sociais diversas, como o português, o espanhol, o grego, o irlandês, o italiano, o romeno ou o ucraniano, a convergirem exactamente na mesma receita de com bate à crise: cortar nos salários, nos servi ços sociais e facilitar os despedimentos, tornando-os mais baratos para o patrona to, precisamente quando a pauperização e o desemprego atinge níveis inimaginá veis. Convergência que só se explica de uma maneira – limitam-se a aplicar o que do exterior lhes impõem. O que, no caso português, leva à situação curiosa de ver mos o governo a avançar com medidas mais duras que as pedidas pela direita e pelas confederações patronais, para quem (dizem elas) as actuais leis laborais não cons tituem qualquer obstáculo aos des pedimentos. Mas como os burocratas da União Europeia pensam que se tem de me xer nas leis laborais, a comissão execu tiva chefiada por Sócrates cumpre. Sem outra coisa para oferecer, lá vai animan do a malta com os grandes argumentos da "vontade" e da "coragem para vencer desafios", porque o crescimento econó mico é uma questão de "confiança". E quem disser o contrário é "bota-abai xista".