Por enquanto, o Cavaliere poderá continuar contornando juízes. Efetivamente, em sua campanha de véspera do natal comprou os votos de três deputados e desfruta (é um modo de dizer) de uma maioria exigua e dependente de qualquer imprevisto, a qual não lhe basta para governar até 2013. Portanto, ou compra novos deputados para ampliar seu governo e sua maioria ou terá que fazer piruetas na corda bamba, já que as direitas estão divididas e seu único aliado atual -a xenófoba e racista Liga Norte, de Umberto Bossi- pede eleições antecipadas.
O Vaticano, que dantes apoiou o homem que se gabava sempre de ter "sete tias freiras", faz momento que se decolou dele, que protagoniza escândalos a cada momento e, pior ainda, não esconde seus laços com a máfia (como faziam os bons cristãos de antanho, tal Giulio Andreotti, da Democracia Cristã que, pelo menos, negavam essa relação e tinham o pudor da hipocrisia, essa "homenagem do vício à virtude").
A Igreja, portanto, apoia a oposição de direita antiberlusconiana, como a UDC, do senador Pier Ferdinando Casini, e o ex fascista Gianfranco Fini, presidente da Câmara de Deputados. A grande burguesía por sua vez está dividida. Um setor da grande indústria e das finanças preferiria Fini ou um governo "técnico" para escapar de mãos da máfia e da insegurança e o desprestigio, e sustenta que mais uma vez o suposto crescimento do produto interno bruto italiano será só de 1.1 por cento (menos que o crescimento demográfico e, portanto, uma nova redução do PIB per capita) e que em dois anos se perderam mais de meio milhão de postos de trabalho. Outro em troca, nos setores mais penetrados pela máfia, prefere se mover com esta e com Berlusconi, quem tem um consenso maioritário sobre a base de uma mistura de amoralismo, racismo, xenofobia (a matéria prima que em Itália deu base social ao fascismo e depois à Fronte dell?Uomo Qualunque, Frente do Homem Vulgar e Corrente).
Por sua vez, Liga Norte, ainda que apoie Berlusconi, deseja novas eleições porque sondagens mostram que os votos do centro (que se autoqualificava de centroizquierda) vão para o centro direita ou se estancam, e que os votos de Berlusconi vão para a Liga, que se reforça. Mas, precisamente por essas sondagens de opinião, nem os opositores de direita -como Fini e Casini- nem os de centro -como os ex comunistas transformados sucessivamente em ex esquerda democrática e depois em ex democratas de esquerda, para ficar como democratas à Clinton- querem eleições se dantes não se reformar uma lei eleitoral batoteira e suja, feita à medida de Berlusconi, que impede as uniões de partidos e premeia absurdamente o partido maioritário, além de impossibilitar a representação parlamentar dos pequenos partidos.
Além do mais, ante o espetáculo oferecido pelos parlamentares que, por unanimidade, aprovaram um enorme aumento de seus salários quando a maioria dos italianos tem postos de trabalho precários e mal pagos ou vive ameaçada pelo desemprego, a oposição parlamentar de centro teme as eleições. Em primeiro lugar, porque não tem um candidato com crédito, porque não é popular, porque não tem um programa diferente ao da direita e porque tem medo de ganhar e de se ver na situação dos "socialistas" de Rodríguez Zapatero, ou de Papandreu, enfrentados com os sindicatos e com o povo como servidores da grande finança européia e mundial. O ex prefeito de Roma, ex comunista e ex chefe do bloco centrista, Walter Veltroni, disse-o com todas as letras: não às eleições.
O protesto social, por sua vez, é limitada: no noroeste e o nordeste (zonas onde os milhões de trabalhadores de fábricas médias e pequenas, e inclusive das grandes, votam pela une e todos têm um duplo trabalho) a evasão impositiva é em massa e generalizada. No resto da Itália, os sindicatos perderam grande parte de seu peso e estão, além disso, divididos entre a CISL, cristã, e a UIL, socialista, favoráveis ao governo, e a CGIL, na oposição de centro esquerda, com seus metalúrgicos (a FIOM) na esquerda combativa, vastas camadas de trabalhadores não encontram expressão política nem organizativa. Em particular, os jovens, particularmente golpeados pelo desemprego e o subemprego disfarçado de emprego precário, expressam sua raiva em manifestações ou lutas junto aos estudantes. Ou são a base do crescimento de um pólo não partidário e até antipartidário dirigido pelo ex dirigente de Refundação Comunista e presidente da região Puglia, Niki Vendola, que venceu já aos ex comunistas do Partido Democrático nada menos que em Milão e em Florença, dois de seus bastiões. O mesmo elemento cultural que em sua expressão brutal e primitiva dá como resultado Berlusconi ou Bossi, dá deste modo origem a um protesto social de centroizquierda, baseado na carência de toda base programática, no "apoliticismo" de quem não quer fazer política, no "apartidariismo" de quem forma, na realidade, o partido de recâmbio de uma burguesía que quer mudar Berlusconi sem mudar nada na Itália nem no sistema.
Portanto, o pato ferido é possível que continue saltando entre o mato de seus sujos negócios. O mais provável é que, ante a falta de alternativa, outro setor da direita, menos abertamente mafioso e corrupto e mais apresentável, ocupe o já que o Cavaliere está deixando vaga. De todos modos, ao se fechar a saída institucional, o protesto ocupa as ruas e se abre um grande período de instabilidade e recomposição das forças políticas, que será potencializado pela crise econômica.
Fonte: La Jornada.
Tradução: Diário Liberdade.